sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

OS INQUILINOS

Vagner Geovani Ferrer

O dia estava bom, era uma quinta feira fazia bastante sol e no trabalho o mercado estava fraco, aí então o patrão resolveu nos dispensar, como eu ainda estou estudando, também resolvi chegar em casa e não fui à escola. Moro em uma rua sem saída e lá no bairro todo mundo se conhece, na hora que eu cheguei ainda estava claro e a molecada estava bagunçando na rua, quando eu estava abrindo o portão para entrar o meu vizinho, um senhor gente fina que morava do lado de casa, me chamou e me contou a novidade. Fala, rapaz!, me cumprimentou. E aí Sr. Dionízio, respondi com um grande sorriso, pois o Sr. Dionízio era um vizinho e tanto, não tinha nenhum tipo de problemas com a vizinhança, ele era separado da sua mulher e morava sozinho. Ele me contou que sua mulher tinha alugado a casa dos fundos novamente e que os inquilinos eram três rapazes solteiros e de boa família, do meu portão observava eles descarregando o caminhão e o Seu Dionízio, como já disse, um cara legal, foi ajudá-los e dar boas vindas.
No primeiro dia os rapazes ficaram arrumando a casa até tarde da noite, falavam alto e davam risadas e rolou até umas cervejinhas.
Lá em casa eu e minha esposa conversávamos , e lembrávamos que, há alguns meses, a mulher de Dionízio já havia alugado a casa para uma senhora que, por alguns tempos, deu o maior trabalho para o Dionízio. Esta mulher foi praticamente expulsa de onde morava, porque só trazia problema aos vizinhos, ela arrumava confusão com todo mundo do outro bairro.
A mulher do Dionízio já conhecia esta mulher encrenqueira também, e ofereceu a casa dos fundos. O Dionízio ficou morando sozinho na casa da frente para ela morar com as duas filhas na casa dos fundos, pois esta senhora também era separada.
Dionízio e sua ex-esposa eram separados por motivo de traição, quando mudaram para o bairro eles pareciam se dar muito bem. Mas com o passar dos tempos, Dionízio ficou sabendo que sua esposa o traía. Mas ele não podia fazer nada porque ele estava com problemas de saúde, tinha sua coluna toda fora do lugar e foi aposentado por invalidez, sua mulher trabalhava à noite e lá no bairro ninguém sabia o que ela fazia.
Quando chegava o final de semana, a mulher do Sr. Dionízio saía e o deixava sozinho, e quando ela ficava por lá era encrenca, uma vez ela bateu com o martelo na cabeça dele com a parte que puxa pregos e o coitado perdeu tanto sangue debaixo do chuveiro que se eu e um colega não chegássemos a tempo, acho que o pior iria acontecer. Naquele final de semana passei o dia todo e um pedaço da noite no hospital com o Sr. Dionízio.
Sua esposa não gostava mais dele, e queria vender a casa, para poder ir embora com o seu outro parceiro, mas, como ele não podia trabalhar mais e a justiça deu direitos iguais, o Sr. Dionízio estipulou um valor na casa, assim, quando eles fizessem negócio , ele poderia comprar uma casinha pequena para morar sozinho.
Então, como eu estava dizendo, eu e minha esposa ficamos horas e horas conversando, e voltamos a lembrar que a mulher que morava antes na casa do Dionízio deu muito trabalho para ele também, ela o agrediu várias vezes e o coitado ia falar com a sua ex-mulher, que a inquilina estava criando problemas, e ela nem se quer dava ouvidos para ele. Até que um dia a mulher agrediu o Dionízio na rua e bateu nele e quebrou os seus óculos. Então todos lá na rua ficaram revoltados, e um de cada vez ligava para a ex-mulher do Dionízio e fazia uma reclamação até ela dar um jeito, porque aquilo já havia ultrapassado os limites. O Dionízio estava sofrendo demais com aquela mulher, aí então ela foi embora.
O tempo foi passando e os novos inquilinos do Dionízio eram muito estranhos, eles ficavam o dia todo dentro da casa e a noite saíam e voltavam de madrugada, todos de porre e falando baixo, talvez era porque saíam todos os dias da semana e quando chegavam de madrugada não queriam incomodar os vizinhos, pois ali no bairro todos trabalhavam e a rua durante a semana era bem deserta.
Num final de tarde de sábado, eu estava de folga e fui lavar o carro, então eles estavam chegando e um deles nem me cumprimentou e me perguntou, aí, mano, qual é o ano desse carro?, e eu respondi, mas nem olhei para ele porque eu o achei muito folgado. Então ele disse, é um belo carro, hein?
Lá em casa todo mundo acorda cedo, meus filhos vão para a escola às cinco e quarenta e cinco da manhã e eu vou trabalhar às seis, então minha esposa fica sozinha até à uma da tarde.
Há alguns dias, uma colega foi fazer uma visita para minha mulher. Já havia algum tempo que elas não se viam. Quando cheguei em casa minha mulher me chamou para conversar, meus filhos já estavam dormindo e ela estava me esperando para falar e disse, hoje minha colega veio me visitar, então e aí? eu respondi, e minha mulher falou que estava tudo bem com ela, mas quando ela estava indo embora, assim que chegaram no portão, sua colega viu uma saveiro cinza, encostada na garagem do Dionízio, então ela perguntou para a minha esposa, de quem é esse carro? E minha esposa respondeu, de uns rapazes que estão morando aí na casa do Dionízio. Então ela falou a minha esposa que na outra semana, quando ela estava indo trabalhar por volta das cinco horas, ela viu o mesmo carro, ia em direção a uma moça que esperava o ônibus para ir trabalhar, do outro lado da rua, quando eles pararam o carro perto da moça, o ônibus chegou e a moça assustada subiu correndo para dentro do ônibus, e ela disse também que sua sorte foi que o seu ônibus já estava vindo, porque eles viram ela no ponto.
Depois daquele dia, começamos a ficar mais atentos com os vizinhos e, como sempre, começaram a chegar as conversas, uns comentavam que não eram gente de bem, diziam que só saíam de casa de noite para não serem reconhecidos, outros comentários era que saíam à noite para roubar ônibus. Mais tarde veio outro comentando que eles moravam na favela do C.S.U., uma favela perigosa próxima ao nosso bairro, lá tem toque de recolher e quem estiver fora de casa depois do toque leva chumbo. Lá o bicho pega, uma vez encontraram um homem, um chefe de família todo picado. A polícia nem quis saber, foi lá e só recolheu os pedaços e foi embora.
Nossa, eu estava louco para ver o Sr. Dionízio. Já fazia algum tempo que já não o encontrava, mas ele estava bem, ele tinha arrumado um emprego e estava contente, estava trabalhando naquele serviço que os velhinhos andam encima dos caminhões da Sabesp, para fazer buracos nas ruas, coitado dele, mal conseguia levantar uma enxada.
Passado uns dias, num domingo, eu lavando o carro na garagem de casa, novamente um dos inquilinos do Dionízio estava em frente da casa e me cumprimentou e eu respondi, era outro rapaz, parecia legal e ainda brincou comigo, puxa você vai gastar o seu carro de tanto que o lava, e deu risada e foi só isso. Em seguida chegou o Dionízio aí ficamos conversando, então ele me disse que estava um pouco chateado com os rapazes, porque estava acordando cedo e os caras com o som ligado e bebendo a noite toda, e ele não estava conseguindo dormir, me disse também que dois dias atrás, foi falar com eles a respeito do barulho e eles o responderam mal, então eu fiquei quieto, ele falou, porque eles estavam bêbados e eu não queria arrumar nenhum tipo de problemas.
Mais tarde em uma terça feira, os caras chegaram de madrugada fazendo o maior barulho, uma boa parte dos vizinhos foram aos pés das janelas para olhar e ouvir em sigilo o que havia acontecido, eles tinham batido o carro e estavam discutindo até que um deles empurrou o outro e disse, você não precisava fazer aquilo, mano! Aí o outro disse, o meu serviço é por inteiro, falô?, furei o cara só que não tinha certeza que ele tinha subido certo? voltei la para ver o fulano, o cara ainda estava gemendo então terminei o serviço, mandei o cara pro saco, certo?
Depois daquele dia o clima mudou lá no bairro e os três rapazes notaram a mudança e começaram a fazer escândalos no quintal do Dionízio, iam nos bares dali do bairro e arrumavam brigas com todos por lá. Só que o negocio começou a esquentar, existia um time de futebol do bairro e a rapaziada já estava na sede de pegar os caras, mas eles apareciam só quando tinha uma ou duas pessoas no bar. Era estranho que um deles nunca saía de manhã, só de noite, este era o cara que nunca deixava o serviço pela metade.
Outro dia eu estava em casa de novo, era mais um final de semana, e o Sr. Dionízio foi me procurar, me chamou no portão e pediu para entrar, achei esquisito, ele nunca quis entrar em casa. Então convidei-o para tomar um café, sentamos em frente da cozinha da minha casa, num puxadinho onde às vezes eu e minha esposa passamos algumas horas conversando. Aí então eu perguntei, e aí, Dionízio, como é que você está no novo emprego? Ele não me disse nada sobre o novo emprego, ele só falava dos seus inquilinos, mas eu não podia fazer nada porque nunca vi acontecer nada de estranho entre eles e o Dionízio. Então ele começou a tremer ficou nervoso e começou a me contar, sabia que por estes dias esses caras começaram a beber e na hora que eu estava chegando do serviço vi um deles apavorado escondendo algumas coisas entre os entulhos da minha casa? Notei algo de errado, mas estava com tanto medo deles que não via a hora de entrar para dentro de casa e me trancar lá dentro, só que no meio do quintal um deles me puxou pelo braço, então me assustei e me estranhei com ele, mas ele queria que eu ficasse ali bebendo com eles. Eu disse que não, mas eles insistiram tanto que por causa do medo resolvi ficar. No decorrer da bebedeira percebi que tinha uma menina dentro da casa deles, mas fiquei quieto, ainda bem que por enquanto não havia acontecido nada, os outros dois rapazes saíram e deixaram um deles sozinho com a menina. Resolvi entrar — continuou falando o Sr. Dionízio —, tomei banho e fui para a cama, liguei a televisão e comecei a assistir, escutei alguém bater na porta e estava um pouco nervoso, quando abri a porta, era o cara que estava sozinho com a moça. Ele não falava nada com nada, só queria arrumar confusão, então me disse, aí, meu! tô lá com a mina na maior e você aí, com essa porra ligada na maior altura, se liga, pô, desliga essa porra aí. Mas eu estava em minha casa e não podia deixar ele tomar conta dela né, então empurrei ele para fora e disse, por favor, vai dormir, você está cansado, vai dormir, vai? Ele ficou uma fera e disse, vai dormir o caralho, eu mesmo vou desligar essa porra, seu velho filho da puta. Aí ele me agrediu e a única coisa que pude fazer foi segurá-lo porque ele estava bêbado e mal agüentava parar em pé. Mas ele era mais novo do que eu e mais forte, então ele caiu por cima de mim, tentei livrar-me dele mas ele me segurou pelas pernas e com uma mordida me tirou uma lasca da canela. A dor foi tão grande que criei forças para jogar ele para fora e trancar a porta.
O Dionízio me mostrou sua perna, estava horrível, e eu disse a ele, converse com sua ex-mulher e peça para ela pedir a casa de volta. ele falou que ela disse que eles a pagavam em dia e ela não iria pedir a casa, se ele quisesse, ele que procurasse outro lugar para morar. Perguntei a ele se ela sabia que eles estavam perturbando os vizinhos e tinham o agredido, e ele disse que sim, falou também , que ela disse que se ele estava preocupado, procuraria logo um comprador para a casa e acabava com todos os problemas.
Fiquei com muita pena do Dionízio, e na hora que ele me falou porque estava em casa, fiquei mais triste ainda, ele queria que déssemos os números dos nossos celulares para ele, porque qualquer coisa podia acontecer e nesta hora ele poderia nos ligar. Dei os números para ele, mas me irritei tanto com aqueles caras e eu não podia fazer nada pelo o Sr. Dionízio. Você sabe, eu tenho filhos e minha esposa fica metade do dia sozinha em casa e esses caras não tem nada a perder.
O Dionízio foi embora mancando e eu quase chorando de dó, um senhor que vivia sozinho, começou a chegar mais tarde do serviço só para não encontrar os caras na casa, ou então chegava de mansinho para não acordá-los, para eles pensarem que ele não havia voltado do serviço, acharem que ficou por lá ou então que foi dormir na casa de seu irmão que morava perto e mal ia visitá-lo.
Mais uma vez o Dionízio foi me procurar em casa e o clima parecia estar melhor por lá, me falou que os caras estavam tratando-o bem, é verdade, eu estava no portão por esses dias e o vizinho do outro lado da casa dele me disse a mesma coisa, disse que viu o Dionízio com eles, viu os caras dentro da casa do Dionízio e ele junto, estavam na maior farra. Que bom, pelo menos agora ele dorme mais tranqüilo.
Chegou o final do ano, o Dionízio foi passar o Natal com os caras. Na onde, eu não sei. Só sei que ele voltou bem.
Na última semana do ano, minha esposa me falou que estava lavando louça e viu o Dionízio na garagem fuçando as tranqueiras que os caras deixavam lá, disse que o Dionízio parecia procurar alguma coisa, o que era, ela não sabia. Ela me disse que depois daquele dia os caras começaram a brigar entre eles mesmos.
Passado o fim de ano, muita festa, muita alegria lá na rua todos estavam reunidos, menos os inquilinos do Dionízio, o clima entre eles e a turma do futebol ainda estava quente.
As semanas se passaram e numa bela quinta feira, no dia , 27 de janeiro, um dos colegas da rua estava aniversariando, foi a maior bagunça minha mulher e minha filha estavam na festa, eu e meu filho preferimos ficar assistindo televisão em casa. Tenho um cachorro na minha casa, engraçado, ele estava tão agitado, não parava de latir, pulava e rosnava o tempo todo, pensei que fosse por causa da bagunça na rua, mas achei estranho porque ele parecia querer pular para a casa do Dionízio. Não sei o que estava acontecendo com o meu cachorro, eu gritei várias vezes com ele e ele não me obedeceu, então resolvi entrar para dentro, não iria adiantar nada , ficar brigando com o cachorro. Lá no Dionízio também estava tendo uma festa e os caras estavam bem agitados, naquela noite bebiam e comemoravam não sei o quê, percebi que um deles estava no portão e observava as pessoas na rua.
Foi muito difícil dormir naquela noite, a noitada foi longa, mesmo assim consegui acordar na hora certa para ir trabalhar.
No meu trabalho, no outro dia, por volta das dez da manhã, estava atendendo um cliente quando meu celular tocou, era minha esposa. Ela estava nervosa e chorava muito, na minha cabeça só vinha a pensar nos meus filhos, o que poderia ter acontecido? Minha esposa se controlou e disse para eu ficar tranqüilo, que as crianças estavam bem. Então perguntei o que estava acontecendo e ela me respondeu e disse, mataram o Dionízio. Eu fiquei parado e não acreditei, então pedi para o patrão me liberar mais cedo e contei o caso para ele, então ele me liberou. Quando cheguei em casa, minha esposa me explicou como aconteceu. Disse que estava lavando louça e da janela olhou para a rua e viu descer uma viatura da polícia e depois mais uma, depois outras três e foi chegando, quando ela percebeu, a rua estava tomada por policiais. Ela disse que quando estava clareando o dia, o vizinho do outro lado levantou para trabalhar e notou algo de estranho na casa do Dionízio, viu muito sangue e copos de cerveja espalhado pelo quintal da casa, os batentes da porta da sala do Dionízio também estavam cheios de sangue. Então ele correu para a casa do irmão do Dionízio que morava a duas quadras dali e foi dar o recado, mas chegando lá só estava a sobrinha do Dionízio, seu irmão já tinha saído para trabalhar. Então ela resolveu ir ver o que estava acontecendo. Chegando em frente a casa do Dionízio, ela chamou pelo tio, mas não apareceu ninguém, o portão estava trancado, ela resolveu pular o portão, quando ela subiu, viu que a carroceria da saveiro estava cheia de sangue, então ela saiu correndo e foi ligar para a polícia. No telefone ela fazia a ocorrência e o policial do outro lado da linha pedia as características do seu tio, então ele pediu o endereço dela e do tio e disse para ela esperar por ali mesmo porque eles tinham encontrado um corpo mais ou menos com aquelas características mais estava difícil de reconhecer. O corpo foi despachado ali perto, ao lado de uma represa, e os policiais em segundos chegaram na casa do Dionízio, onde sua sobrinha os esperava. Quando a polícia chegou, notou que a casa estava cheia de sangue no quintal, arrebentaram o portão e entraram na casa. Os caras estavam dormindo, um deles tinha desaparecido e o Sr. Dionízio não estava lá. Os caras estavam tão bêbados que nem sequer levantaram da cama, os policiais levantaram os caras a força, perguntaram do Dionízio e eles confessaram, nós o matamos. Um dos policiais pediu que um responsável fosse reconhecer o corpo, a sobrinha do Dionízio se manifestou, eu vou, senhor. Então subiram na viatura e foram, infelizmente era o Dionízio, seu corpo estava esquartejado, os caras colocaram os pedaços de seu corpo em sacolas e sacos de lixos, os policiais ficaram revoltados. Na rua todos queriam matar os caras, mas os policiais disseram que não podiam mais porque eles estavam presentes e a outra revolta foi que os elementos não foram autuados em flagrante, porque o corpo não estava no local.
Triste fim teve o Dionízio, separaram até o rosto dele, colocaram nariz em um lugar, orelhas em outro, cortaram a língua, seus lábios, arrancaram seus olhos e tudo isso, disse o cara da perícia, fizeram com ele ainda vivo. Coitado, morreu e não pôde contar com a ajuda de ninguém, seus vizinhos fizeram a lei do silêncio, todos nós nos acovardamos, agora já é tarde, não adianta mais, ele se foi de um jeito muito mal, ele se foi.
Ainda na delegacia puxaram a capivara dos elementos e constaram que os caras já eram procurados por outros homicídios, eles tinham identidades falsas, o carro que eles possuíam era roubado e outro meio de garantir o ganho era com drogas que traficavam.
Todos no bairro foram prestar as últimas homenagens ao Sr. Dionízio e lá encontramos todos seus parentes e nos lamentamos juntos. Horas mais tarde, apareceu um senhor com duas crianças, era o dono do bar de um outro bairro. E para deixar-nos com os queixos caídos, ele nos disse, eu também fui até a casa do falecido para ver a tragédia. Fiquei horrorizado quando vi os policiais prendendo aqueles elementos, na noite do crime eles passaram pelo meu bar e procuravam comprar sacos de lixo. Meu filho estava comigo e olhou para eles e disse, nossa, moço, sua roupa está cheia de sangue? Ele respondeu, é, garoto, hoje tivemos um trabalhão, matamos um porco e o dividimos todo em partes e era um porcão, hein! E davam muita risada.
No retorno para casa voltamos nos perguntando , como pode uma pessoa fazer uma barbaridade dessas?, o cara é um monstro, não tem coração. Será que a polícia sabe porque isso foi acontecer?
Assim que chegamos em casa havia um caminhão parado em frente a casa do Dionízio, era sua ex-mulher tirando tudo que era dele e dando uma boa faxina para poder botar a casa para alugar novamente.


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

esburacada

a linguagem é um furo. não o jornalístico, se bem que ela também se encontre no universo da comunicação (por excelência). quem sabe não seja a própria comunicação - é uma pergunta. talvez, mas uma cheia de buracos, é bom que se diga. daqueles imensos, sem fundo, dos quais queremos inutilmente desviar para não sermos capturados por uma lei forte como a magnética.
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nem todos têm um fundo assim, infinito, alguns vão apenas além da nossa capacidade de (tele)visão, mas se há algo realmente presente na linguagem é essa ausência. e ela se impõe de inúmeras formas. estamos caminhando, a face em meio aos assovios, quando se sente sob os pés a falta do chão: o vão. sem haver como falar, de não ter o que falar, como pensar, nada a entregar, nem um som.
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e também o silêncio de tudo o que se diz no lugar das coisas ditas elas mesmas - o silêncio que se ouve no pressentimento da plena presença da ausência. mais, há o buraco que nos persegue tal qual sombra, em um raio vinte vezes maior que nossos pés juntos, cujo centro está situado no espaço, ahã, naquele estreito buraco entre os tornozelos, caminhante comigo a me lembrar que se presentifico este texto é porque deixei de escrever todos os demais que agora eu poderia.
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na atual linguagem consensuada, esta mais clichê, de letrinhas (não clichê a ponto de deixar de romper com a tradição da palavra oralizada), o fundo branco do papel, o fundo azul escuro do blog, ou da cor que se queira não passa de fundo sobre o qual se depositam tintas, tíner, tentativas de unidades alfabéticas que querem preencher o vácuo de sentido e que só o fazem na medida em que são postas como são, repletas de entrâncias e ilhotas de não-escritos.
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se esta frase virasse terra batida daria para atravessá-la brincando de amarelinha.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

correm boatos de que no dia 13 de março a WNBR (world naked bike ride) - Bicicletada Mundial Peladona - vai ocorrer em sampa. contra a indecente emissão de poluição dos automotores. contra a indecente exposição das pessoas aos carros.
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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

como aquela criança
na sala de brinquedos
pego o caxixi
e caxixo
agarro o violão
e violo
abraço o pandeiro
e pandeiro
subo na bateria
e nado disparatada, só o tronco mais paradinho.
sá-s-ssá-s-á-saaassaaaricando!
metereologia virtual as nuvens que permanecem entre os fios previsão do futuro é olhar para a luz dos leds que piscam milhões de vezes em nanotempos o grande medo do abismo dos blackouts implosões de pcs o céu entre as minhas mãos palma da mão palm-top laptop stop!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

improviso

anteontem o ministro marco aurélio do supremo tribunal federal (stf) indeferiu - negou - o pedido de liminar liberatória, no habeas corpus impetrado pelo governador arruda, do df. a novidade do caso não é que arruda queira que mais esse espetáculo não passe de pão e circo (de um circo desalmado), mas que haja uma improvisação no script da grande peça da república das bananas:
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"Eis os tempos novos vivenciados nesta sofrida República. As instituições funcionam atuando a
Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário. Se, de um lado, o período revela abandono a princípios, perda de parâmetros, inversão de valores, o dito pelo não dito, o certo pelo errado e vice-versa, de outro, nota-se que certas práticas – repudiadas, a mais não poder, pelos contribuintes, pela sociedade – não são mais escamoteadas, elas vêm à balha para ensejar a correção de rumos, expungida a impunidade. Então, o momento é alvissareiro.
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3. Indefiro a liminar. Outrora houve dias natalinos. Hoje avizinha-se a festa pagã do carnaval. Que não se repita a autofagia."
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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

santo andré: cidade-dormitório;
meu quarto: terreiro-sambódromo
"irmã(o) é aquela pessoa que briga com você por causa do bife, mas se precisar te dá o próprio rim" - me disseram isso hoje.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

não mais comentadores, poetas, cantores, o que sejam. quero ouvir a sua voz falando, hesitando, o timbre que eu reconheço no telefone ou atrás de mim, o som tremido ou direto, rouco, emocionado. me importa que seja você quem diz, não o super-homem. não quero o espírito fechado que encarna o Outro e fala por horas do que não vive - ainda que este seja um grande outro subversivo e que eu também deseje a subversão. este grande outro que assume a posição fálica do eu sei, deixa eu te ensinar, pega no meu pau assim e assado que eu vou te mostrar como é. eu não. Ele. ;:adoraria pegar se você mudasse um pouco a cena, o quadro, o fundo, a posição dos móveis da sala, a cor da luz. na verdade, adoro tudo exatamente como está quando você não banca o ... (mestre?). não tenho nada contra essa figura, até lhe devo algumas fantasias, , e muito menos contra seu pau, desde que você não se perca neles. mélange. fluid. écart. no horizonte de tudo, ainda quero ver você, não um pau sem cabeça, nem um professor sem rosto. mas sinta-se livre, como você sempre se sentiu, para continuar atribuindo este meu desejo à minha incompreensão do que você diz, à minha resistência para com sua verdade revelada [ou a verdade que é minha e você revelou? ou a verdade que você acha que revelou para mim?], as interpretações mirabolantes, as teorias superiores, os lemas de libertação nacional! que fazer? não sou mais que uma da vida sem soleira, eira ou beira. mas sou da vida! e, sim, digo sim pra ela do meu jeito. ao meu modo. no meu tempo. como quero. e quero sobretudo ouvir. estou te ouvindo. e quando posso te ouço de novo e de novo. repenso. torno ao princípio, mas, prestes a recomeçar, não recomeço a mesma história: encontrei desta vez outro e outro caminho. e temo pelos que já aprenderam tudo e que transformaram esse aprendizado na maior fonte de sua ignorância com o que se lhes apontam. e 'desviam o olhar' não para dizer sim, mas para não ter que ver o não que se inscreveu no seu corpo como uma crosta que não deixa passar um raio de sol sem que, antes, tenha sdo devidamente filtrado pela sua carapaça, couraça, armadura de palavras firmes de emancipação. e o que ainda guardo do que passou não são as citações dos autores, mas a beleza dos vestígios desconhecidos e das interações com nossas próprias faltas.

o outro de mim

muitas vezes não é bem exato pensar em correntes filosóficas, mas em certas circunstâncias facilita bastante. neste momento penso nos realistas, que concebem que o sujeito está em tudo. precisamente, nos objetos todos. ele se relaciona com o mundo e o compreende à medida que sua consciência se identifica com tais objetos, inclusive em termos de natureza. esse sujeito está, em grande parte, anulado. os idealistas, por sua vez, têm que o mundo não passa do próprio sujeito, que tudo o que está à sua volta constitui. então, é como se os objetos estivessem contidos nele e, nessa medida, só há sujeito, que nada pode objetar. em ambos os casos, o sujeito se confunde com o objeto - não há alteridade possível, sequer no plano cognitivo.
kant procurou resolver a questão com sua teoria do conhecimento, que parte da existência de duas realidades distintas que precisam ser compostas. há, de um lado, o dado sensível, que só existe à consciência na modalidade de fenômeno (phaenomenon), e que aparece ao sujeito sob as formas a priori da intuição (o espaço e o tempo), no âmbito da sensibilidade. e, de outro, o entendimento, que contém conceitos a priori (as categorias). se a natureza dessas representações é diversa, como associá-las? a encarregada por isso é a imaginação, que deve esquematizar o que se apresenta, encerrando a diversidade fenomênica em uma representação, isto é, operando a síntese. vale dizer, a imaginação esquematiza a síntese, pela qual um certo espaço e tempo são determinados, a partir da diversidade real, na referência a um objeto em geral que precisa estar conforme às categorias.
o esquema se mostra o liquidificador em que se misturam coisas aparentemente inconciliáveis: o espaço-tempo da faculdade passiva e as categorias da principal faculdade ativa (no interesse da razão especulativa). mas como, no detalhe, a imaginação faz isso? kant afirma ser isso um grande mistério. com suas fortes doses de ironia, schopenhauer depois zombará dessa declaração kantiana, que lhe soaria um tanto obscurantista para quem alegaria ser o grande promotor do iluminismo, na era do esclarecimento, um momento importante no processo que levaria a humanidade à maioridade.
parece que kant realmente apenas desloca o problema da tradição filosófica acerca da relação exterior entre sujeito e objetos do mundo para aquela subsistente entre as faculdades internas da razão do sujeito. deleuze observa que a transposição possui originalidade - só que não resolve a questão de fundo. pois quem ou o que garantiria uma harmonia entre essas faculdades racionais? pois é, kant terá que se voltar não para a harmonia universal preestabelecida de hume ou leibniz, que gostaria de evitar, mas igualmente para uma harmonia divina, que teria criado a razão com uma (pré)determinada perfeição.
com isso, kant se nega a exterminar o sujeito e o objeto, não os indiferenciando. mas se os mantém separados, certo é que propõe que se unifiquem (ora pela síntese da imaginação, outrora pela unidade da síntese, do entendimento, e ainda pelas idéias unificadoras e simbolizadoras da razão) no processo de conhecimento - o que é condição sine qua non, sim, entretanto, misteriosa, inexplicável. de modo que, ainda: onde, como o outro? por que o diverso contra a unidade de mim? eu unitária, natural? a diversidade em mim? e o outro de mim?

domingo, 7 de fevereiro de 2010

"O amor pela prostituta é a apoteose da identificação de si mesmo com a mercadoria"
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W. Benjamin, "Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo", em Obras Escolhidas, v. 3 (tradução de José Martins Barbosa e Hemerson Alves Baptista, SP: Brasiliense, 1989)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

39 anos de batalha, sem descanso, na vida
19 anos, trapos juntos, com a mesma rapariga
9 bocas de criança para encher de comida
Mais de mil pingentes na família para dar guarida
Muita noite sem dormir na fila do INPS

Muita xepa sobre a mesa, coisa que já não estarrece
Todo dia um palhaço dizendo que Deus dos pobres nunca esquece
E um bilhete mal escrito
Que causou um certo interesse

"É que meu nome é João do Amor Divino de Santana e Jesus
Já carreguei, num guento mais,
O peso dessa minha cruz"

Sentado lá no alto do edifício
Ele lembrou do seu menor
Chorou e, mesmo assim, achou que
O suicídio ainda era o melhor

E o povo lá embaixo olhando o seu relógio
Exigia e cobrava a sua decisão
Saltou sem se benzer por entre aplausos e emoção
Desceu os 7 andares num silêncio de quem já morreu
Bateu no calçadão e de repente
Ele se mexeu

Sorriu e o aplauso em volta muito mais cresceu
João se levantou e recolheu a grana que a platéia deu
Agora ri da multidão executiva quando grita:"Pula e morre, seu otário"
Pois como tantos outros brasileiros
É profissional de suicídio
E defende muito bem o seu salário

joão do amor divino. luiz gonzaga jr.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

la vida está ahí para ser bebida.
"liberdade na vida
é ter um amor
pra se prender"
fabrício carpinejar

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

40 minutos escovando o dente com muita pasta o sabão no corpo o shampoo no cabelo fazendo ondas de neve fofa sabão líquido na torneira do banheiro do prédio da filô que é a jato chacoalho a caixa de leite e espremo lavo a louça na base do sabão de álcool da sara ou de detergente creme de leite bem batido com açúcar e leite faz chantilly cremoso a cerveja gelada jogada do alto no copo comprido chopp escuro fresco suco de abacaxi com hortelã saído do liquidificador, pára tudo: deixa essa espuma pra mim!
viver é um risco,
mas conviver arrisco.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

também acho terríveis as fofocas filosóficas. o determinismo psicológico então, horror! e essa gente que sabe mais biografia que bibliografia?! fico realmente indignada com esse tipo de coisa.
- acho que o kant ignorou o corpo porque era virgem, o coitado...
- ah, definitivamente!
retirar as linhas que dividem e subdividem o desejo, o territorializam no espectro do inteligível e do discutível discursável, me permitem falar dele agora como se alguém compreendesse algo do que quero dizer, não sei se é o capital que o codifica apenas, já seria o bastante - se eu falo em termos de capital - o caput, a cabeça, para pensar necessito de uma linguagem a minha está prenhe de remissões a esta lógica-,-,:, se eu invisto ou não na minha relação com esta pessoa que desejo (ou diretamente nela),;´ se vou ficar no prejuízo agindo assim, ou quem sabe no lucro, e como se dá esta relação, se posso dizer de outro modo, ou consigo dizer do mesmo modo algo completamente diferente, ressignificar a língua e meu jeito de amar, que formato, jesus, ó, que modelo, senhor? de que cor e de qual tamanho, papai do céu, vou querer esta mulher, não me pergunte, não me pergunte, por favor, minha cara ou barata, sim, minha baratinha, fique bem quietinha aí para não espantar ninguém. como ser compreendida no mundo das máquinas?: comunicar segundo os moldes já conhecidos das peças deste abacadabra, a palavra tão repetida, a expressão cliché, blasé, vendée, meu desejo há de ser français ou chinês. meu desejo precisa ser um continente sem nome e sem espaço, aquela ilha desconhecida cujos limites vejo se alargarem até as beiradas das sombras de onde meu olho alcança, negando-se ao rejeitando o dando as costas sempre e sempre ao carimbo? onde então meu desejo expansivo !, meu desejo molengo de me espalhar toda no lençol (? fresco no tempo sem tempo,, no mundo mundano a pele em contato com tudo no mesmo instante a vida pulsante a emoção extasiada do presente,. não é mais não conseguir descrever com a cabeça de boi, é mesmo querer viver sem palavra.
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para karinka, como um agradecimento.