terça-feira, 3 de abril de 2012

Espinosa: servidão, virtude e ética

O Espinosa é lindo porque, para ele, a razão é um afeto.

"Esse aumento imaginário da força para existir e sua diminuição real é a servidão humana. A servidão não resulta dos afetos, mas das paixões. Resulta da força de algumas delas sobre outras. Passividade significa ser determinado a existir, desejar, pensar a partir das imagens exteriores que operam como causas de nossos apetites e desejos. A servidão é o momento em que a força interna do conatus [força interna para se conservar na existência], tendo-se tornado excessivamente enfraquecida sob a ação das forças externas, submete-se a elas imaginando submetê-las.
Ilusão de força na fraqueza interior extrema, a servidão é deixar-se governar por ela e, mais do que isso, Espinosa a define literalmente como alienação (o indivíduo passivo-passional é servo de causas exteriores, está sob o poder de um outro ou, em linguagem espinosana, é alterius juris, está alienus juris).
Alienados, não só não reconhecemos o poderio externo que nos domina, mas o desejamos e nos identificamos com ele. A marca da servidão é levar o apetite-desejo à forma-limite: a carência insaciável que busca interminavelmente a satisfação fora de si, num outro que só existe imaginariamente.
(...)
Em outras palavras, a virtude é, por um lado, um movimento e um processo de interiorização da causalidade - ser causa interna ou adequada dos apetites, dos desejos e das idéias - e, por outro lado, a instauração de nova relação com a exterioridade, quando esta deixa de ser sentida como ameaçadora ou como supressão de carências imaginárias. Mas isso significa que a possibilidade da ética encontra-se, portanto, na possibilidade de fortalecer o conatus para que se torne causa adequada dos apetites e imagens do corpo e dos desejos e idéias da mente.
A originalidade inovadora de Espinosa está em considerar que essa possibilidade e esse processo são dados pelos próprios afetos e não sem eles ou contra eles".

(Marilena Chauí, Espinosa: uma filosofia da liberdade, SP: Ed. Moderna, p. 67, 70)