sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

tão dizendo que o fim do mundo não chegou no brasil por falta de infra-estrutura.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"Era tentador prosseguir dali uma tentativa de análise da criação poética e artística em geral. O domínio da imaginação logo foi visto como uma 'reserva' feita durante a penosa transição do princípio de prazer para o princípio de realidade a fim de proporcionar um substituto para as satisfações instintuais que tinham de ser abandonadas na vida real. O artista, como o neurótico, se afastara de uma realidade insatisfatória indo para esse mundo da imaginação; mas, diferentemente do neurótico, sabia encontrar o caminho de volta daquela e mais uma vez conseguir um firme apoio na realidade. Suas criações, obras de arte, eram as satisfações imaginárias de desejos inconscientes, da mesma forma que os sonhos; e, como estes, eram da natureza das conciliações, visto que também eram forçados a evitar qualquer conflito aberto com as forças de repressão. Mas diferiam dos produtos a-sociais, narcísicos do sonhar, na medida em que eram calculados para despertar interesse compreensivo em outras pessoas, e eram capazes de evocar e satisfazer aos mesmos impulsos inconscientes repletos de desejos também nelas. Além disso, faziam uso do prazer percentual da beleza formal como o que chamei de um 'abono de incentivo'.
(...)
Meu ponto de partida foi a impressionante correspondência entre as duas ordenações tabus do totemismo (não matar o totem e não ter relações sexuais com qualquer mulher do mesmo clã do totem) e os dois elementos do complexo de Édipo (livrar-se do pai e tomar a mãe como esposa). Vi-me, portanto, tentado a equacionar o animal-totem com o pai; e, de fato, os próprios povos primitivos fazem isso explicitamente honrando-o como o ancestral do clã. A seguir vieram em meu auxílio dois fatos da psicanálise, uma feliz observação de uma criança feita por Ferenczi, que me permitiu referir-me a um 'retorno infantil do totemismo', e a análise de fobias animais iniciais nas crianças, que tantas vezes revelaram que o animal era um substituto do pai, um substituto para o qual o medo do pai, oriundo do complexo de Édipo, fora deslocado. Não me faltava muito para reconhecer o assassinato do pai como o núcleo do totemismo e o ponto de partida na formação da religião.
(...)
Depois que o animal totem deixou de servir como substituto para ele, o pai primitivo, ao mesmo tempo temido e odiado, reverenciado e invejado, tornou-se o protótipo do próprio Deus. A rebeldia do filho e sua afeição pelo pai lutavam uma contra a outra através de uma constante sucessão de conciliações, que procuravam, por um lado, reparar o ato do parricídio e, por outro, consolidar as vantagens que ocasionara. Esse ponto de vista da religião lança uma luz particularmente clara sobre a base psicológica do cristianismo, no qual, como sabemos, a cerimônia da refeição totem ainda sobrevive com apenas um pouco de distorção, sob a forma de comunhão.
(Freud, Um estudo autobiográfico (1925),  volume XX das Obras completas).

terça-feira, 25 de setembro de 2012

homenagem a salinas

Luiz Roberto Salinas Fortes 
(foto da Cosac Naify)

"O Departamento de Filosofia estava quase dizimado: professores cassados, exilados; estudantes presos, clandestinos, desaparecidos. Os sobreviventes iniciavam o penoso esforço da resistência. Salinas encarregara-se dos cursos de filosofia antiga, estudando A república com os alunos.
É difícil contar aos jovens estudantes de agora o que foi o dia-a-dia universitário de um tempo que alguns chamam de 'milagre' e, outros, de 'dura repressão'. Sem dúvida, muitos dos jovens de agora ouviram falar ou leram sobre aqueles tempos. Podem imaginar, mesmo que com dificuldade, o que teria sido viver sob o medo, temendo a casa e a rua, o lugar de trabalho e o de lazer, o dia de ontem (o que fiz?), o de hoje (que faço?), o de amanhã (que farão comigo?). Temer abrigar os perseguidos de agora para não tornar-se perseguido depois, mas fazê-lo, embora em pânico. Ter medo da prisão e da tortura, de trair amigos e perder família. Desconfiar dos outros, de si e da própria sombra. Talvez não seja incompreensível para os jovens de agora o que pode ser o terror, cuja regra é tornar-nos suspeitos, fazer dos suspeitos culpados e condená-los à tortura e à prisão sem que saibam de que são acusados e sem qualquer direito à defesa. O que me parece difícil é explicar aos mais jovens o que um filósofo tentou explicar para si e para seus contemporâneos, ao término da Segunda Guerra Mundial: que o mundo do pré-guerra (para eles) e o mundo da pós-ditadura (para nós) não é um mundo natural, existente por si mesmo, dom de Deus, da Razão ou da Natureza aos homens, um fato bruto ou uma ideia clara e distinta. E que o mundo da ditadura não foi um mundo desnaturado, irracional, obra perversa de um Gênio Maligno ou de uma razão astuta e mesquinha, de abstratas "forças históricas", mas aquilo que, naquele tempo, Salinas estudava com seus alunos, analisando a figura de Trasímaco, para depois, estupefato, descobrir que a filosofia de que dispúnhamos não podia dar conta das engrenagens do poder e que nem mesmo Maquiavel poderia imaginar-se em tal caricatura de O Príncipe.
(...)
Amigos, temíamos o dia da defesa da tese, não sabendo o que poderia acontecer a Salinas diante de uma situação de interrogatório. Naquela tarde de 74, o salão nobre da faculdade estava repleto: colegas, estudantes, amigos, velhos conhecidos, vieram todos para que Salinas soubesse do apreço merecido (...) A tese fora considerada excelente, mas precisava ser arguida. Arguiu-se. Arguimos. E Salinas não conseguia ouvir-nos. Cada um de nós sabia que ele não se via naquela sala, mas noutras.
(...)
Quantas vezes vi Salinas apertar as têmporas – gesto último, que teve ao morrer – adivinhando uma dor sem nome, embora eu não soubesse que batia contra as grades sua própria cabeça, inscrição em seu corpo das barras das prisões onde tentaram roubar-lhe o espírito. Quantas vezes ouvi Salinas tropeçar na frase iniciada, tateando as palavras, perder o fio da meada e, não podendo alcançar meus ouvidos, tentar alcançar-me os olhos, lançando-me um olhar, misto de pasmo e agonia, fazendo-me adivinhar que a teia da tortura prendia-lhe a voz e voltava-lhe os olhos para cenas invisíveis aos meus. Quantas vezes pedi que me dissesse por que, escritor de clareza incomparável, falar se lhe tornara tão penoso. Às vezes, sorria apenas. Outras vezes, ria um riso tão gaguejante quanto sua fala. Por vezes, ria um riso solto, os olhos faiscantes. Um dia, deu-me a ler a primeira versão deRetrato calado"

(Apresentação de Marilena Chauí, em Retrato Calado, de Luiz Roberto Salinas Fortes - SP: Cosac Naify, 2012)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012


desconstrução

sentiu naquela vez como se fosse a única
se arrastou pra aula numa aura cínica
a gente preocupada com seu prazo – o prazo 
e preferiu olhar pro seu sapato imundo
e desviou do corpo que estava tombado 
"reais árabes malvados: como hollywood vilipendiou um povo" mostra o cinema como máquina de guerra.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

...delicada como a arte do leonilson



 (empty man)

(voilà mon coeur)

sábado, 1 de setembro de 2012

Você se sente triste e deprimido(a)?

Você está ansioso(a)?
Preocupado(a) com o futuro?
Sozinho(a) e isolado(a)?

Talvez você sofra do CAPITALISMO!

Os sintomas podem incluir a perda de seu emprego, de sua moradia, a pobreza ou a fome, o sentimento de impotência, a apatia, a perda de seu amor-próprio, de sua confiança em si, e de sua liberdade de expressão, conduzindo a pensamentos revolucionários, talvez suicidas.

sábado, 25 de agosto de 2012

encontro

tua blusa azul caía desconcertante enquanto cê argumentava grilos no microfone de som metálico, distraindo toda a gente que esquecia de te ouvir. parada na tua frente, fui te encontrar na praça do relógio sob as luzes  estelares dos prédios do butantã, nas ruas da vila miguel cury. mas voltei: cê veio me falar e eu rougie.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

enquanto
a câmera da loja de departamento
me grava
e o segurança observa
cada movimento
meu
- que ele julga ser suspeito -
finjo
ser 
um
bom
sujeito


***

a planta
antes muda
grita 
de cor


***

tabuleiro

reis e rainhas
administram tudo
do alto de suas torres
bispos engordam suas contas
doutrinando seus rebanhos de cavalos
em meio a isso
peões
tomam xeque especial


***

dó maior
é ver o sol menor

no fundo de si


(thiago cervan, sumo bagaço, sp: ed. maloqueirista, 2012)


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

gringos carentes

Fenômeno temporalmente situado no início dos anos 90, disseminou-se mais amplamente a partir dos anos 2000, com a continuidade das reformas arquitetônicas começadas na década anterior. Espalhados por todo o perímetro do Pelourinho, são encontráveis ainda em áreas adjacentes, como Dois de Julho e Santo Antônio, andam sempre em bandos ou em casais, raramente se aventurando sozinhos. Exercem diversas atividades "produtivas", como venda de artesanato, malabarismo, malabarismo com fogo, malabarismo com bolas, malabarismo com pinos, malabarismo com pernas de pau, coordenação de ongs, venda de artesanato, coordenação de projetos sociais e artísticos, cuspe de fogo, bandas de música africana, dança do ventre, música flamenca, percussão africana, heiki, permacultura, venda de artesanato, astrologia e pudemos registrar mesmo o caso de um ou dois indivíduos estudados que instalou uma mesa para jogo de búzios em pleno Terreiro de Jesus, desaparecendo em alguns meses, fato cujo motivo não conseguimos apurar completamente. Fontes orais afirmam que brevemente teremos por aqui alguns deles ministrando cursos da tradicional Capoeira Angola.
São em sua maioria jovens, desiludidos com a rotina estressante das grandes capitais do primeiro mundo, mentes livres que não compactuam com o sistema opressivo e genocida construído por seus pais e avós, e que simplesmente caíram na vida, deixando o peso de suas culturas penderem sobre nossas cabeças (se bem que o pesquisador não deva envolver-se emocionalmente com o objeto estudado, peço desculpas). Têm formação acadêmica em boas universidades dos seus países, mas não atuam em suas áreas de formação. Muitos guardam bem guardados cartões de crédito internacionais, que podem ser usados a qualquer momento, embora isso não os impeça de ousar inúmeras façanhas para garantia de sobrevivência, como tentar vender pulseirinha de palha por cinco reais, vender berimbau de cabo de vassoura, disputar sinaleira com menino de rua, dar rasteira em roda de capoeira, vender cocaína com sonrisal e tomar sopa da LBV na Baixa dos Sapateiros, entre outras coisas.
(Fábio Mandingo, "Kaska ou estudo sócio-etnográfico sobre os gringos carentes", in Salvador negro rancor, São Paulo/Salvador, 2011, p. 17-18)

domingo, 12 de agosto de 2012

a xícara

abrir a porta de casa, manhã sem mais sentido, sentindo o sol, meteoro, cair sobre minha cabeça, rasgar essa roupa seca, queimar os livros da estante, não deixar pêlo no corpo, perder a memória na escada, afogar por horas o instante, lançar a janela na porta, (a xícara está na garganta), trancar tudo a cadeado, a casa o sentido o sol, a cabeça a roupa os livros, esquecer mesmo a memória, depois dizer obrigada, e ir embora.



quinta-feira, 2 de agosto de 2012

 (Klimt, Retrato de Friedericke Maria Beer, 1916)

(Egon Schiele, Retrato de Friedericke Maria Beer, 1914)

Friedericke Maria Beer era uma jovem vienense que ganhou de presente de seu namorado um quadro seu pintado por Klimt. Dois anos antes, parece ter encomendado um quadro a Egon Schiele. É a única mulher retratada por ambos artistas, os dois amigos.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

(alberto da veiga guignard, ouro preto, 1951)

***

ela contou que do galinheiro
fez uma garagem
que do fogão a lenha
fez azulejos.

tudo é belezura,
tudo é chiquê - 
só uma chuva miúda
um frio de entrar nos ossos
mudam a paisagem:

são neblinas doídas
dissolvendo o morro.

(heitor ferraz, "depois de guignard", resumo do dia, sp: ateliê, 1996)

nenhum recado de morte
que sempre abala
tanto a família.
o mundo perplexo parou
e a vida
oblíqua
preferiu continuar traindo
sem matar ninguém.

(heitor ferraz, "resumo do dia", resumo do dia, sp: ateliê editorial, 1996)

sábado, 14 de julho de 2012



(johannes vermeer, menina com brinco de pérola, 1665 aprox.)



(david barton, marge simpson, 2010 aprox.)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

poesia de 1o. de outubro

meu coração está batendo pelo teu...
odeio este jornal que me separa de ti
me separa de ti...
me separa...

gosto da minha mão quando há um elástico no punho.
ou mesmo um barbante branco,
esfiapado,
desses que os padeiros usam para embrulhar
o pão.
então os meus dedos ficam longos e repousados
e parecem não dizer nada
rindo-me de dentro de um silêncio que me apraz.

baixa teu jornal, homem!


***

ciúmes

Tenho ciúmes deste cigarro que você fuma
tão distraidamente.

(ana cristina cesar, inéditos e dispersos - poesia e prosa, sp: brasiliense, 1985)

domingo, 8 de julho de 2012

quatro sonetos

4. existencialismo

No fim das contas, que me resta? O sono,
o despejar meus restos na privada,
o querer tudo, não poder mais nada,
não responderem mais se eu telefono.

Ir à cozinha, no meu abandono,
comer um pote dessa marmelada,
voltar ao quarto, pôr o meu quimono,
deitar na minha África sonhada.

Ler um pouco de Sartre, abrir a boca.
Riscar num bloco uma bacante feia.
Ligar o rádio: uma cantora rouca.

Sentir meus olhos grávidos de areia.
Sentir no fundo uma saudade (pouca).
Ir olhar que horas são. Duas e meia.

(o vôo circunflexo, rubens rodrigues torres filho, sp: brasiliense, 1987). prêmio jabuti de 1981. além de poeta, rubens rodrigues era professor de filosofia. 
Aqui, de ditadura em ditadura, 
democracia cai nos intervalos.
Cavalaria é própria de cavalos.
Um homem pode ser cavalgadura.


República com fardas se inaugura.
As botas fazem bolhas, causam calos.
Moeda fraca escorre pelos ralos.
Fuzil, neste país, ninguém segura.


Um dia, a economia desmorona.
Golpismo, Estado Novo, Redentora,
acaba tudo em pizza, em puzza, em zona.


Passa de mão em mão, como se fora
a troca duma guarda sem dragona,
sem honra ou tradição, só sucessora.


("Civil", Glauco Mattoso, Poética na política: cem poemas panfletários, SP: Geração, 2004, p. 107). É o livro do Glauco de que eu menos gostei, mas um poema ou outro dão bons panfletos.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

porco-espinho

da cratera morta
sai
um porco-espinho

cactomóvel
que afasta
perfume e garras

apalpado
apenas 
no dicionário

***

epitáfio para um fabricante de armas


Aqui jaz:

Este nada fez

pela paz.
Agora faz.


***

haicai

seca

corvos
nos galhos curvos:
únicas folhas

dia lento

dia lento:
um velho cavalo
subindo a encosta


(espelhos da chuva. haicais, sp: taturana, 2011)


cláudio feldman é um dos maiores poetas de santo andré. autor de, entre muitos outros, photoprovincias (sp: taturana, 2011).

segunda-feira, 2 de julho de 2012

servidão involuntária

a voluntariedade da internet do crusp me tem feito mais e mais religiosa.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

alusão

o encanamento de ar do bloco
rompeu
torci o pescoço em direção à janela
ou-vi
o levante da multidão martelando sonhos

quarta-feira, 27 de junho de 2012

"Se a fortune me tivesse feito nascer para ter algum lugar entre os homens, teria sido ambicioso por me fazer amar, mais que por ser temido ou admirado" (Montaigne, Ensaios, III, 9).

terça-feira, 12 de junho de 2012

"os espaços também adoecem"
paulo nunes
Eu quiria ter um peito
Forgado como um salão,
Brilhano de oro e prata,
Cheinho de inspiração,
Qui quando eu desse um suspiro
Caísse verso no chão...

Quiria qui os meus verso
Andasse pelos caminho,
Consolano os infelizes
E dano pão os pobrizinho

--- Juca da Angélica, "Quiria ter um peito"
em Meu canto é saudade (Patos de Minas, 2001).
Poesias faladas pelo seu Juca e anotadas pelo querido Paulo Nunes.


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Não esquecemos...


Dos(as) 370 desaparecidos(as) políticos(as) de todo o Brasil reconhecidos(as) pelo Ministério da Justiça,por meio da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos* vários eram estudantes, professores(as) e funcionários(as). Desses, 50 eram da USP. Muitos outros nomes têm sido descobertos recentemente nos arquivos do DOI-CODI/DOPS, apesar de Tuma ter incendiado a maior parte dos documentos durante sua gestão.

Sabe-se que após uma tentativa frustrada de modernização da USP, promovida pelo reitor Ulhôa Cintra, em 1963 é eleito ao mais elevado cargo da administração universitária Gama e Silva. Logo identificado aos golpistas civis e militares, não tardou a obter cargos e funções no regime de exceção que se impunham tanto no nível estadual quanto federal. Gama e Silva nomeou uma comissão para investigar atividades "subversivas" na universidade, formada por três professores das faculdades de direito (Moacyr Amaral dos Santos), medicina (Geraldo de Campos Freire) e engenharia-POLI (Theodureto de Arruda Souto), que elaboraram uma longa lista com nomes de pessoas que viriam a ser expurgadas da USP e, depois, processadas diante de tribunais militares. 

Foi também Gama e Silva quem concebeu às forças de (in)"segurança", que não tinham elo algum com o quadro universitário, uma sala próxima à sua no interior da Reitoria. A partir desse "bunker" se passou a fazer o controle político e ideológico da universidade, o qual perduraria até recentemente.

Diante desses e de muitos outros fatos, é fundamental que o Conselho Universitário da Universidade de São Paulo aprove a Comissão da Verdade da USP, para que possa acertar contas com seu passado e com seu presente. 

* O livro que contém o trabalho da comissão, os nomes e uma curta biografia dos(as) mortos(as) pode ser baixado aqui.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Triângulos amorosos
(Ética do Espinosa, parte III - uma leitura sem muita lógica e sem pretensões, com base em notas de aula e reflexões)

Definições prévias
* Todos os sentimentos são decorrentes ou da alegria ou da tristeza.
*Alegria é o sentimento que aumenta meu conatus, isto é, minha potência ou desejo de perseverar na existência; a alegria tende a aumentar minha vontade de conservá-la; ela tende a se multiplicar e a querer multiplicar tudo o que a faz crescer em mim.
* Tristeza é o sentimento que diminui meu conatus; é o oposto da alegria.


Quando vejo que "Fulana" ama quem eu amo ("Cicrana"), em um primeiro momento me alegro com Fulana e a amo também. Primeiro, porque ela alegra Cicrana e eu quero que Cicrana seja feliz. Depois, porque Fulana aumenta meu amor por Cicrana, pois confirma a amabilidade de Cicrana... com isso, passo a amá-la também por imitação. Ainda, meu amor aumenta, pois além do que já me fazia amar Cicrana (a causa "original"), surge uma causa adicional ou externa (Fulana). 


Mas quando Fulana passa a significar - na minha imaginação, não necessariamente nos fatos - uma ameaça para a força do elo que quero ter com Cicrana, uma "concorrência"  [e a alegria do amor quer sempre se multiplicar e aumentar], então Fulana se torna causa de tristeza para mim. Tristeza: aquele sentimento que implica na coibição do meu esforço de perseverar na existência (conatus), que destrói um pedaço de mim. Quando associo Fulana a essa tristeza eu a odeio. 


Acontece que não odeio apenas à Fulana. Eu a odeio quando a imagino associada ao meu amor, à Cicrana... Então relaciono ambas à minha tristeza (que vai virar ódio). Desse modo, eu amo e odeio Cicrana ao mesmo tempo, ou seja, experimento uma flutuação de ânimo.


O ódio à pessoa amada, conjugado à inveja (que é outro tipo de ódio) gera ciúme, relacionando Cicrana a Fulana. Quanto mais amor Cicrana me dava, mais sinto que perdi pela chegada de Fulana e tanto mais tendo a odiar a ambas (sentindo tanto inveja quanto ciúmes). Olha essa passagem incrível do Espinosa:
"quem imagina, com efeito, a mulher que ama se entregando a uma outra pessoa ficará entristecido/a, não somente porque seu próprio conatus está reduzido, mas também porque como é obrigado/a a relacionar a imagem da coisa amada às partes íntimas e às excreções da outra pessoa, sentirá aversão; ao que se soma, enfim, que o/a ciumento/a não é mais acolhido/a pela pessoa amada com o mesmo olhar que estava acostumado/a e também por tal razão um/a amante fica entristecido/a, como demonstrarei" (escólio, prop. 35).
A alteração das circunstâncias da nossa relação transforma meus sentimentos. Sinto que a Cicrana que eu amei não é mais a mesma. Não a mesma que agora odeio. O ciúme tende a destruir o amor. Ora, o amor  deriva de traços de semelhanças entre as pessoas (simpatia). Se tendemos a ser invejosos(as) e ciumentos(as), já que o conatus faz com que queiramos aprofundar nossas ligações de amor ao máximo, o ódio tende a prevalecer. É desse modo que podemos destruir tudo o que há de comum com as pessoas que nos cercam.


[proposições 15 a 36]

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Egon Schiele, "Sitzender weiblicher Akt" [Nu feminino sentado], 1914.
"quanto mais sofro, mais coração me aparece"
sérgio sampaio

sábado, 19 de maio de 2012


Para as Festas da Agonia 
Vi-te chegar, como havia 
Sonhando já que chegasses: 
Vinha teu vulto tão belo 
Em teu cavalo amarelo, 
Anjo meu, que, se me amasses, 
Em teu cavalo eu partira 
Sem saudade, pena, ou ira; 
Teu cavalo, que amarraras 
Ao tronco de minha glória 
E pastava-me a memória 
Feno de ouro, gramas raras. 
Era tão cálido o peito 
Angélico, onde meu leito 
Me deixaste então fazer, 
Que pude esquecer a cor 
Dos olhos da Vida e a dor 
Que o Sono vinha trazer. 
Tão celeste foi a Festa, 
Tão fino o Anjo, e a Besta 
Onde montei tão serena, 
Que posso, Damas, dizer-vos 
E a vós, Senhores, tão servos 
De outra Festa mais terrena 
Não morri de mala sorte, 
Morri de amor pela Morte.

(Mário Faustino, "Romance")

terça-feira, 3 de abril de 2012

Espinosa: servidão, virtude e ética

O Espinosa é lindo porque, para ele, a razão é um afeto.

"Esse aumento imaginário da força para existir e sua diminuição real é a servidão humana. A servidão não resulta dos afetos, mas das paixões. Resulta da força de algumas delas sobre outras. Passividade significa ser determinado a existir, desejar, pensar a partir das imagens exteriores que operam como causas de nossos apetites e desejos. A servidão é o momento em que a força interna do conatus [força interna para se conservar na existência], tendo-se tornado excessivamente enfraquecida sob a ação das forças externas, submete-se a elas imaginando submetê-las.
Ilusão de força na fraqueza interior extrema, a servidão é deixar-se governar por ela e, mais do que isso, Espinosa a define literalmente como alienação (o indivíduo passivo-passional é servo de causas exteriores, está sob o poder de um outro ou, em linguagem espinosana, é alterius juris, está alienus juris).
Alienados, não só não reconhecemos o poderio externo que nos domina, mas o desejamos e nos identificamos com ele. A marca da servidão é levar o apetite-desejo à forma-limite: a carência insaciável que busca interminavelmente a satisfação fora de si, num outro que só existe imaginariamente.
(...)
Em outras palavras, a virtude é, por um lado, um movimento e um processo de interiorização da causalidade - ser causa interna ou adequada dos apetites, dos desejos e das idéias - e, por outro lado, a instauração de nova relação com a exterioridade, quando esta deixa de ser sentida como ameaçadora ou como supressão de carências imaginárias. Mas isso significa que a possibilidade da ética encontra-se, portanto, na possibilidade de fortalecer o conatus para que se torne causa adequada dos apetites e imagens do corpo e dos desejos e idéias da mente.
A originalidade inovadora de Espinosa está em considerar que essa possibilidade e esse processo são dados pelos próprios afetos e não sem eles ou contra eles".

(Marilena Chauí, Espinosa: uma filosofia da liberdade, SP: Ed. Moderna, p. 67, 70)

quinta-feira, 22 de março de 2012

Singela homenagem ao Digníssimo Reitor

Primeiro, o Conselho Gestor
Essa instância nebulosa
Herança da era Sueli
Só que mais poderosa

Depois, a PM no campus,
Decisão unilateral
Aprovada sem debate
Como se fosse banal

Agora cobrança do BUSP
E homenagem à ditadura
Amanhã, quanto custará a USP?
Será que pública perdura?

Com a mudança regimental – da pós
Levada a toque de caixa
Ele quer garantir que nós
Pra estudar paguemos taxas

Pra satisfazer a CAPES
E o ranking internacional
Destrói da universidade
A função social

Acelera o mestrado
Achata a graduação
Que importam o ensino e a pesquisa?
Tem que haver mais produção!

Mas Rodas você vai rodar
E isso vai dar gosto
É, você subiu, mas
Quanto mais alto maior o tombo


Com infiltrados nos sindicatos
E nas manifestações políticas
Ele vigia, ele persegue, ele reprime
Mas a gente não se aterroriza

Se em tal estrutura de poder
Nós somos só marionetes
Sem participação pra valer
Então façamos um levante

Chega de servidão voluntária
Ouçamos mais as nossas vozes
Estudantes, professorxs, funcionárixs,
Tudo nas mãos – até os algozes!

O Rodas que chame a imprensa
A PM com pelotão
Seu problema é que a gente pensa
Com a cabeça e com o coração

Por isso, Rodas, você vai rodar
E isso vai dar gosto
É, você subiu, mas
Quanto mais alto maior o tombo

domingo, 11 de março de 2012

afetos

proposição XXXVI
quem se lembra de uma coisa que lhe deu prazer uma vez, deseja possuí-la nas mesmas circunstâncias da primeira vez em que teve prazer.

corolário
se, portanto, ele percebe que falta uma dessas circunstâncias, o amante ficará entristecido.

demonstração
quando, em efeito, ele percebe que uma circunstância está ausente, ele imagina numa certa medida algo que exclui a existência da coisa. como, então, por amor ele deseja a presença dessa coisa ou dessa circunstância, enquanto imagina que ela falta fica entristecido.

escólio
esta tristeza, enquanto relativa à ausência do que amamos, se chama saudade.

(spinoza, éthique, partie III, paris: flammarion, 1965)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

FALAR

Falar
não é exprimir
Não é trocar
nem fazer escambo.

Falar é fazer um rombo
no pensamento
É saber morder

e arrancar pedaço.
E depois
ver o que restou
do estrago

*

A MEDIDA DO MUNDO

Em matéria
de amor,
o excesso
é o mínimo
que peço.

*

FILHOS

Engraçada
essa história de filhos.
A gente não se reconhece
acha lindo
e vai dormir.

(todos os poemas acima são de:
Luiz Paulo Vasconcellos, Comendo pelas beiradas,
Porto Alegre: Tambor, 2006)

*

GULA


bis

coito

(Júlio Castañon Guimarães,
17 peças [1983], sp:
cosac naify, 2006, p. 175)