quarta-feira, 31 de agosto de 2011

quando entrei no avião para voltar para são paulo chorei muito. não deixei ninguém ver, porque não gostaria de me explicar. nem estava preocupada em entender. mas me lembrei do alemão negro e alto que conheci num boteco queer de berlin. aquele bar escuro e descontraído ficava no sótão de uma ocupação, próxima ao new yorck 59. ele havia nascido na áfrica, depois se mudara para nova iorque e, por fim, escolheu a alemanha como lar. lar é um dos deuses latinos protetores da casa, da saúde doméstica. escolher um país dentre todos no mundo é como viver num país politeísta e optar por um deus protetor a ser cultuado. mas para quem já depositou seus votos em uma outra divindade a mudança não é das mais simples. era um pouco o que aquele senhor me explicava quando me disse que as saudades se acumulam, não se substituem. uma vez realizada, a adesão a um lar seria para sempre irrevogável. elas se sobrepunham, somando-se. ele falava comigo e eu pensava em um doce mil-folhas, com todas aquelas camadas finas tão quebradiças. então meu coração era aquilo. um doce frágil e aerado com recheio de chantilly e creme vanila.
"(...) cada cientista pega o seu quinhão, sem se ocupar muito do conjunto. o físico explica o azul do céu, o químico a água do riacho, o botânico a relva. o cuidado de recompor a paisagem, tal como a percebo e me comove, eles deixam para a arte, se o pintor ou o poeta houverem por bem dela se encarregar" (marc bloch, apologia da história, trad. andré telles, ed. zahar, 2001, p. 132.)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A fuga (José Rodrigo Rodriguez)

Você não precisa de mim
para nada,
sempre haverá vento e folhas,
frutos pendentes ao longo
da estrada de mil pernas
como centopéia cega,
cujo farol é seu senso.

Você não precisa de mim
para nada,
eu espero você sair
para derramar a primeira lágrima.

Nada demais, logo passa
e se não passar
eu prometo:
vento dentes de aço
pele riscada que arde
onde se veja sem volta,
antes que eu te reconheça.

Pois é preciso partir rápido
e fugir dos cães de caça,
evitar a captura
de um nome ou
de tanto amor:
fica muda e me chupa
eu gosto, você gosta.

jrodrigorodriguez.wordpress.com

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Minha vizinha (Osvaldinho da Cuíca)

Eu vivia e morava na periferia
Mas certo dia resolvi mudar
E fui morar lá na vila monumento
Num apartamento de vista espetacular
Mas a minha alegria durou muito pouco foi só um momento
Pois o problema é a vizinha do lugar

Ela é anarquista, ela é terrorista da faixa de gaza
E fez meu sonho em pesadelo se acabar
Ela é anarquista, ela é terrorista da faixa de gaza
E fez meu sonho em pesadelo se acabar

Quando ela fala parece a corneta de um regimento
Convocando a tropa no apartamento
Que é muito pequeno pro seu batalhão
É cachorro que late, a velha que grita, a gorda que berra
Criança pulando brincando de guerra
Tirando o sossego deste cidadão

A Minha vizinha
É maloqueira
Maloqueira, maloqueira
Sem era nem beira, sem educação
Desabafo cantando esse samba pra ela (só prá ela)
Com muito respeito e consideração

Que ela tenha um infarto pro bem da nação