domingo, 20 de dezembro de 2009

"não é mistério algum: por muito tempo te amei com todas as minhas forças. um corpo pálido e desesperado. sonâmbulo com destino certo, incerto mas desejoso, desejoso desejoso. só percebi a dificuldade quando veio um caminhão de mudanças e parou em frente de casa, sem gasolina, fumaças pretas, a ferrugem desconfiada que destrói imediatamente um sem-fim de seres verdes que costumam pousar nas varandas das janelas e nos quintais das residências, mesmo das mais pobres. é claro que tentei empurrá-lo dali, fazer o caminhão de mudanças se mover. ele não se mexia. empurrei tantas vezes, mãos ao alto, pés no chão, noites, dias, via se esvaírem as coisas, um pó se acumulava dentro do quarto. nem um centímetro adiante. e, no entanto, o som que fazia pedia uma vez mais. e eu saía de casa nas horas mais estranhas, em meio ao cinza do ar para tentar, tratar, tirar, tomar, tossir. ouvia sempre aquela palavra, sempre aquele verbo, sempre aquele peso parado de pontos infinitos de interrogação e de exclamação exasperada. até o dia em que, de mala e cuia, sem lenço nem documento, me mudei".
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luísa silvana, diários, v.1, p. 134.
Mais! - Vive-se hoje em uma época nietzschiana?
Benedito Nunes - Nietzsche jamais considerou satisfatória a demolição dos ídolos - ou a simples demolição dos ídolos - nem tampouco a desvalorização de todos os valores. O que domina hoje não é dele: a mediocridade ('mansa e mesquinha') e os fracos impulsos. Quem praticaria a 'virtude radiante' prelecionada por Zaratustra? Não temos hoje o super-homem, mas a sua caricatura.
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(FSP, Domingo, 6 de agosto de 2000, Mais!, p. 3)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

pão com manteiga - às vezes, no meio da rua, dá uma vontade irreprimível de grudar na pessoa desejada que anda ao seu lado, e passar a andar com ela passo a passo, subindo e descendo calçadas, desviando dos obstáculos. você conversa com xs amigxs com a naturalidade habitual, pode encostar a cabeça de lado nas costas dela, fechar os olhos e deixar que ela te leve, como se fosse a manteiga derretida em um meio-pão.
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volta djá - quando a pessoa amada está na beira da cama, pronta para sair do universo horizontal de vocês, você a abraça por trás antes que ela suspeite de qualquer coisa e a traz de volta (djá).
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inteiro - tem uma falta que angustia a pessoa desejante, falta,,,,, falta. mas, olhando pra frente, ela nota nela um excesso do que quer, porque a quer. neste momento, nada há a fazer senão envolvê-la braços e pernas em um abraço inteiro.
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livre - a pessoa desejada parece estar em queda livre quando estirada na cama; a pessoa desejante se encaixa nas suas costas e se joga junto.



quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

'e, procurando escapar a esta condição, Ivan Ilitch buscava consolo, procurava outros biombos, e estes apareciam e por algum tempo pareciam salvá-lo, mas imediatamente não é que desabassem de todo, mais propriamente tornavam-se transparentes, como se ela atravessasse tudo e nada pudesse encobri-la'.
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Lev Tolstói. A morte de Ivan Ilitch. Tradução de Boris Schnaiderman.
Jamais esquecerei o momento em que Raimund Fellinger, meu editor na Suhrkamp, me indagou durante a visita à Feira de Frankfurt, em outubro de 2004: 'Você sabe que Derrida morreu?'. Eu não sabia. Tive a impressão de ver uma cortina cair diante de mim. De repente, o alarido do saguão onde a feira acontecia tinha passado para outro mundo. Estava sozinho com o nome do defunto, sozinho com um apelo à fidelidade e com a sensação de que o mundo tinha subitamente se tornado mais pesado e injusto, sozinho com o sentimento de gratidão pelo que esse homem me havia demonstrado. De que afinal se tratava? Talvez do fato de ainda se poder admirar sem voltar a ser criança.
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Peter Sloterdijk. Derrida, um egípcio. Tradução de Evando Nascimento.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

a espera tem se tornado um desafio ignorante, os minutos aguentados,, sem ligar, o material mole [ou duro com que preencher o espaço entre entre um oi! e outro, me distraio, e,, perco, tempo, sim, há inúmeros papéis sobre a mesa a janela aberta ganhar ainda mais tempo, com qualquer (movimento inútil que desvie meu olhar, fazendo esforço, o vento espalhou-os todos pelo quarto e alguns ao corredor força,.., a forca para esquecer que sua presença tampouco. seria suficiente para dar conta dessa falta, como é que eu faço?,. pra disfarçar minha vontade de te comerengolir pra manter em mim =pra mim=// me nutrir de você, tudo isso tão sem pé ou sentido ou cabeça (não se afaste!) do corpo, como aplaco a ausência de poesia e essa escrita áspera e tonta que insiste em se inscrever? assim!

solidariedade aos blogs censurados pela folha de sp/uol

URGENTE!
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UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA!
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a folha de s.p.-uol anda censurando blogueirxs que fazem campanha para o cancelamento da assinatura do jornal e do portal, valendo-se do logo das empresas. o escritório de advocacia dessas mídias tem notificado extrajudicialmente xs responsáveis pelos blogs para que tirem as matérias do ar, bem como os selos de anti-propaganda, uma vez que configurariam "uso indevido de marca". a ausência da medida por parte da pessoa notificada levaria as empresas a ajuizarem ações cíveis e penais contra ela.
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a postura das mídias está prenhe de inconstitucionalidade e autoritarismo. trata-se de um caso nítido de coação à liberdade de expressão e de pensamento, que estão resguardados pela Constituição Federal em seu art. 5º. mas não é só isso... não há uso indevido de marca exceto quando sua instrumentalização se dá para fins mercantis, o que evidentemente não é o caso.
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só faltava esta: os arautos da liberdade de idéias censurando quem ainda tem algum senso crítico!
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para uma campanha para o cancelamento da assinatura da folha de sp e do portal uol [sem logo e tudo]! não precisamos colocar nenhuma marca no ar para identificá-los. eles mesmos já a deixaram - na cabeça da pequena sp letrada: sua falta de ética e de seriedade já está bastante conhecida por aqui. e essas medidas ignóbeis só farão aumentar essa boa fama. meus parabéns, continuem traçando o melhor caminho para todos nós, que é o do seu fim. e corram para me tirar do ar!.
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Algumas razões que o paulo henrique amorim té dá como estímulo pra que você cancele sua assinatura, se tiver restado alguma dúvida:
"Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; do câncer do Fidel; da ficha falsa da Dilma; de Aécio vice de Serra; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; e que, nos anos militares, emprestava carros de reportagem aos torturadores".
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Confira detalhes do caso aqui e de outros lances magníficos da folha:
no dia internacional dos direitos humanos desejo que não precisemos mais de direitos, humanos nos bastam.

avançaram sobre a propriedade

a kátia abreu, da confederação nacional de agricultura (cna) falou que o código florestal vigente precisa ser reformado, porque, ao instituir a reserva legal de mata/floresta, avançou sobre o direito de propriedade. ela fundamentou sua tese na pesquisa que identificou que 90% dxs agricultorxs não efetuaram a referida reserva em cartório no prazo legal. esse número indicaria que o problema não é das pessoas, mas da lei.
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segundo o decreto presidencial (sim, baixado pelo nosso amado presidente), quem descumprir a norma deve pagar r$ 500,00 por dia de omissão. tudo iria relativamente bem se, efetivamente, essa regra passasse a valer no dia 11 de dezembro deste ano (amanhã), como estava previsto - e não apenas em algum dia longínquo de 2011, como parece que vai acaber sendo. até lá, é claro, terão arranjado um meio de anistiar todas as dívidas contraídas por todxs xs agricultorxs até aquele momento(*), o que lhes dará oportunidade para enrolarem mais alguns anos até que o valor da multa comece a lhes fazer cócegas, ou melhor, cociquinha.
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a kátia flávia, como a maioria dxs defensorxs do capitalismo, ainda acredita que a propriedade é um direito natural ou divino, independente do estado. então, qualquer norma que restrinja o direito à propriedade em nome de valores como meio ambiente, infância e adolescência adequadas, trabalho minimamente digno etc (o que se dá, por ex., com o conceito de função social da propriedade) é entendida como atentado à sua própria essência.
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não se percebe que a propriedade é um direito tão previsto em lei quanto qualquer restrição que lhe seja feita. em outras palavras, que quem determina o que seja ou não o teor do direito de propriedade não é a abstrata idéia "propriedade", supostamente encontrada em termos idênticos na razão de todas as pessoas (noção evidentemente falsa), mas simplesmente aquele que se legitima a dizer o que é o direito sobre ela e tudo o mais.
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não quis passar pela cabeça da cna [pela minha só passou isto] que se 90% dxs agricultorxs descumpre a regra da reserva legal é justamente por ela ser excelente! só não é melhor pq sem implementação não constitui senão uma "lei simbólica", propaganda governamental semi-gratuita, uma piada frustrante, um pretexto pra um post qualquer em um blog qualquer.
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Caso Arruda - e outros mil, pátria armada, brasil
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No Brasil do mensalão,
Mensaleiro e mensalinho
Jacaré nada de costa,
Urubu sai de fininho
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É dinheiro na cueca
No calção, no sapatinho
É ladrão que rouba pobre
E se manda de mansinho.
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Todo mundo tá roubando
Deputado, desembargador
Do povão vão zombando
Tenha dó governador.
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(cf. editoriais do CMI em: www.midiaindependente.org)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

cismei de reler o caderno do semestre.
aimeudeus, cada vazio um desvario.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

drummond pornô

Em teu crespo jardim,anêmonas castanhas (drummond)

Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas

detêm a mão ansiosa: Devagar

Cada pétala ou sépala seja lentamente

acariciada, céu; e a vista pouse,

beijo abstrato, antes do beijo ritual,

na flora pubescente, amor; e tudo é sagrado.

***

O chão é cama (drummond)

O chão é cama para o amor urgente,

amor que não espera ir para a cama.

Sobre tapete ou duro piso, a gente

compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

"borboleta é flor que voa" (léo nascimento)
não se coloque tanto assim à minha disposição, benzinho. você sabe que não pega bem. quando me perguntou, com absoluta sinceridade, o que eu havia pensado do que você dissera (é claro que você vai se lembrar), fez questão de complementar, tão desnecessariamente, que nenhuma outra opinião importava. mal terminada a frase já te olhava com ar de pena, que nunca tarda a se perverter em desprezo. te torturaria, te olhando com hesitação em silêncio. você esperaria 32 segundos por uma resposta - te diria qualquer coisa pra que mil outras passassem na frente de seus olhos. e iria embora levando comigo um pedaço seu.

domingo, 29 de novembro de 2009

"acordar cedo com grana no bolso cortar o cabelo frequentar a fila de um supermarket qualquer e ver a multidão de consumidores e suas sacolas plásticas aquelas pessoas todas que nunca deconfiam de nada. se sentir rídiculo diante de tudo isso enquanto lá fora um hippie num semáforo faz malabaris sob um chuva leve. saber que a ração de seu cachorro acabou e se confortar porque ao menos ele acredita em ti. possuí um amor tão instintivo por ti que seu cheiro e talvez até sua dor possa ser reconhecido a um quarteirão de distância" Guiga (oagui.wordpress.com).

o governo, por Hume

"Embora o governo seja uma invenção muito vantajosa, e mesmo, em algumas circunstâncias, absolutamente necessária para a humanidade, ele não é necessário em todas as circunstâncias; não é impossível preservar a sociedade durante algum tempo sem recorrer a essa invenção. É verdade que os homens mostram-se sempre muito inclinados a preferir o interesse presente ao distante e remoto; não lhes é fácil resistir à tentação de uma vantagem da qual possam gozar imediatamente, pela apreensão de um mal que ainda está longe.
(...) O estado da sociedade sem governo é um dos estados mais naturais do homem, podendo subsistir mesmo após a conjunção de várias famílias e até muito depois da primeira geração. Nada a não ser um aumento da riqueza e dos bens poderia obrigar o homem a abandoná-lo"

david HUME, tratado da natureza humana, tradução de déborah danowski - sp: ed. unesp/imprensa oficial, p. 579-580.

piloto automático

dirigido por bastian günther, o filme piloto automático [autopiloten, 2007] é um pedaço da história de quatro homens que se cruzam nas estradas da alemanha: um treinador de futebol que deve enfrentar um jogo crucial para sua carreira, um negociante de banheiras elevadiças que tenta vendê-las de porta em porta, um jornalista independente procurando seu grande furo e o cantor dos grandes sucessos de 20 anos atrás.
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todos eles são mostrados em momentos muito dolorosos. o treinador se sente em vias de ser escusamente dispensado. sua situação lhe é apresentada como se sua permanência no time dependesse de uma vitória no próximo jogo. contudo, há poucas horas da partida, o diretor o encontra para lhe ordenar que deixe de fora o novato da equipe - justo o jogador em que eram depositadas suas esperanças. o treinador mantém a formação mais apta para a vitória, coloca-a em campo, pega o carro e vai embora. em um posto de beira de estrada liga para sua família e pergunta como fora o aniversário do filho. a mulher o trata mal e não aceita que ele vá para casa, mas ele chega à sua revelia. no dia seguinte, para espanto dela, ele aparece brincando de bola com o moleque. ele ainda está lá e parece que para ficar.
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o cantor não toca mais em palcos de shows. ele é chamado para pequenas apresentações em festas de fábricas e em parques públicos, onde rememora os episódios grandiloquentes do passado. nos bares das vilas e das autovias se alimenta, bebe, assiste futebol, conhece pessoas. em uma dessas vezes, uma antiga fã vem falar com ele, a ex-esposa do jornalista. ela vai assiti-lo e depois o leva para sua casa, onde dormem juntos. ele deixa para ela um cartão-postal (havia mandado fazer mil) no meio da noite e vai embora sozinho para um bar onde assisitrá ao jogo do time do treinador, e onde levará uma surra.
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o jornalista recebe um telefonema de sua ex-mulher, que pergunta se ele pode levar seu filho para casa, já que o garoto precisa fazer lição e estudar. O pai o pega, dizendo que vai levá-lo para casa, mas quer a todo custo mostrar a ele o seu trabalho. Fica sabendo de um incêndio e se dirige ao local, onde não o deixam entrar por trabalhar de forma independente. O menino fica de certo modo contente, quer ir pra casa. Mas o pai faz de tudo para não levá-lo para lá, e os conduz até o entrecruzamento das principais autovias da região, o seu escritório. Naquele ponto aguardaria horas pela notícia que lhe garantiria a matéria sensacionalista. Só consegue mudar a cara fechada do menino ao lhe perguntar sobre a garota com quem ele está saindo. Ao deixá-lo em frente à residência da ex-mulher para que o filho possa ir a uma festa, ouve do menino que o dia fora divertido. Já no meio da noite é contactado para levá-lo ao pronto-socorro, o garoto foi ferido gravemente na festa pelo vendedor de banheiras.
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o vendedor de banheiras tem uma vida dupla. apesar de casado, ele se encontra com frequência com outra mulher (tb casada) depois das longas vendas, que tomam o tempo e a paciência do dia todo. quando ela se vê subitamente impossibilitada de recebê-lo, ele surta e resolve sair para conhecer outras mulheres. na lanchonete, quase apanha dos namorados de duas garotas, para quem comprara sanduíches por sua livre iniciativa. na balada, a linda menina que dançava com ele saiu com outro enquanto ele buscava uma bebida. com raiva, trombou com o filho do jornalista, que o chamou de idiota antes de entrar no banheiro. o vendedor foi atrás dele e o espancou até o chão. depois se arrependeu e foi embora. na manhã seguinte, procurando se recuperar, passa por um parque, onde ouve o cantor.
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ao fundo desse desenrolar de histórias permanece sempre ligada uma tv no canal que noticia que um boeing 747 fora sequestrado por alemães e que o governo adotará medidas para fazê-lo pousar à força, evitando abatê-lo peremptoriamente.
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em meio aos movimentos de ir e vir das coisas e das gentes, das comoções e locomoções, nas pistas de todos os tipos, nos caminhos que se atravessam e que as pessoas escolhem para si e sobre a qual se constróem, ocorrem tragédias, vidas acidentadas, mas também muitas oportunidades, encontros, felicidades.
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apesar de os quatro personagens parecerem muito ligados em função do recorte do trabalho, e das perspectivas econômicas pessimistas do futuro próximo, o que talvez melhor os relacione seja o aprofundamento do além-trabalho, do que se encontra na esfera dos sentimentos e relações íntimas desses homens. ou seja, do que independe da dinâmica das atividades financeiras, e às vezes até conflitua com elas.
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dois deles possuem filhos, com quem têm um contato difícil, por diferentes razões, mas com quem parecem querer se relacionar amorosamente. e talvez eles assim o façam verdadeiramente, à sua maneira. a questão de todos parece se dar com a pessoa amada (nos quatro casos, mulheres) e a esfera e a energia que eles haviam reservado para ela em suas vidas.
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sem dúvida, é um filme sobre masculinidades. não sobre o ideal ou o lixo de homem segundo a nossa cultura, ambos polarizados em imagens de espécies animais distintas. nem super-homem nem cachorro-sem-raça nem cristo-encarnado. a história se mostra bem mais interessante que tudo isso por representar uma visão mais dura e mais doce que essa, algo mais real e presente, dando-nos notícia do que podemos ser e mudar, para quem sabe evitarmos de nos colocar sob a direção de um invisível piloto automático.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

rabiscada

no cantinho da página seguinte só se podia ler escrito em azul borrado "é o novc". não arrancaram o tapete do "o", foi a borda da página que deixou metade dele escorregar sem mais nem menos. quero dizer, com menos. uma banda da letra se perdeu pras bandas de lá da mesa e nunca mais foi vista por aqueles capítulos.
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três pontinhos em uma grafia esprimida para ser lida com a lupa dos óculos e dos olhos ceguetas. de longe mal se sabia se o que vinha antes deles era um "e" ou um "l". as letras impressas que ficavam grudadas bem ao lado discutiam amplamente o assunto para saberem qual era a natureza daquele serzinho que alguém escrevera ali a mão.
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o "a" impresso não queria de jeito nenhum que ao seu lado alguém tivesse posto outro igual a ele. dizia que desse modo não poderia ser porque em português claro não haveria duas vogais seguidas. é claro que as demais letras, com receio de que a denominada intrusa pudesse competir com elas, contra-argumentavam com toda a sua tinta, até quase desbotarem. pro desespero de "a", alegavam que se houvesse um pequeno espaço entre as vogais uma poderia ser o início e a outra o fim de duas palavras distintas. assim, poderia muito bem ser que tivessem escrito uma letra "a" ao lado dele.
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o "a" impresso ficava muito apreensivo... dava dó até em quem nem gostava tanto dele. não suportando o rumo daquela soletração, resolveu apelar dizendo que tudo poderia acabar ficando ilegível. aquela frase - especialmente a palavra "ilegível" - silenciou todo o parágrafo de repente, que agora queria ouvi-lo. e ele (que não era bobo nem nada) aproveitou para bradar com o ar aristocrático e pomposo que o caracterizava, tentando disfarçar o medo que sentia por meio da sua disseminação geral: "se eu, que sou o elemento alfabético mais importante de todos, posso ser ignorado com a chegada dessa intrusa, que dirá vocês, que são o resto?!".
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no seu pensamento unilinear, não percebia que a outra letra só estava ao seu lado por acaso, sem pretensão alguma de lhe tomar o sentido - sentido, aliás, que não era um só, nem estava isolado só nele ("a"). mas receava não ser falado, tornar-se uma mera cauda da pronúncia da outra letra que porventura estivesse na palavra sua vizinha. isso era inconcebível, ainda mais sendo ele um tipo impresso! "que direito", pensava, "aqueles elementos de caneta bic achavam que tinham?!".
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sentia-se ameaçado. de cima para baixo, de ladinho, de baixo para cima: onde a letra impressa desse lugar lá estaria, de um dia para o outro, um povoamento de novas expressões, palavras ou siglas inscritas. o tema gerou crise naquela página, que durou e perdurou até as vogais e consoantes mal-ditas resolveram se juntar à sopa de letrinhas. explicaram que a presença delas lá só se justificava porque havia letras impressas, as quais tentavam esclarecer, pontuar, descrever, resumir (ninguém se atreveu a assinalar que também podiam servir para discordar delas). que, enfim, seriam complementares, poderiam ser amigas!
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muitas se animaram na hora, e letras de diferentes origens passaram a se integrar imediatamente, num clima descontraído e bem linguajeiro de sonoridades. porém, "a" não agiu assim. ele ponderou longamente sobre o que acabara de ouvir. fez e refez seu raciocínio algumas vezes até se assegurar de sua exatidão - o bastante para mais uma vez estufar aquela sua barriguinha. agora ele se gabaria apresentando-se como a razão de ser daquele amontoado de seres de segunda classe, dependurados nos espaços em branco das folhas, fora da pauta das linhas, muitos deles sem identidade definida, "recadinhos vãos".
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foi aí que a última letra da palavra "novc" interveio. ela afirmou que se sentia muito bem incompleta como estava. seu inacabamento era uma forma que a satisfazia. tinha dia em que gostava de se ver como "e"; em outros, como "c". mas do que ela gostava mesmo era de se ver como parte do novo. por mais que volta e meia estivesse no plano de alguma linha, era sempre bom poder se lançar nas entrelinhas do sentido e do non-sense.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

artigo essencial sobre césare battisti, com outras referências ao final. "battisti e o gládio berlusconi": http://passapalavra.info/?p=15107.

diálogos não-platônicos

sim concordo com você sobre isso ah você não mas eu havia pensado claro talvez eu devesse tentar me se ao menos você deixasse não estou conseguindo mas será que assim nossa estou escutando veja bem eu eu eu espera sim concordo com você.

domingo, 22 de novembro de 2009

desutopia

“No entanto, apesar de sua intensidade, e por mais que criem novos espaços e novas formas de comunidade, e pensemos na linhagem que vai de Seattle a Gênova, passando por Chiapas, ou mesmo a mobilização planetária contra a guerra do Iraque, essas revoltas ainda parecem obsoletas. É que uma exigência maior se impõe a cada dia: a de ir além da recusa, transpôr o Império para ‘sair do outro lado’. Trata-se de construir, no não-lugar que as desconstruções das últimas décadas deixaram e no vazio que o Império produziu, um lugar novo, a partir da sinergia da multidão, tecendo ontologicamente novas determinações do humano, de vida. A utopia que se entrevê nesse tom a um só tempo cáustico e terno não configura um contorno acabado com cores de um outro mundo, mas apenas prolonga as linhas de força já presentes neste mundo, num telos coletivo e experimental da multidão. Ao invés de utopia, seria mais conveniente falar em desutopia.” (Pál Pelbart, em debate com Paulo Arantes sobre Império, de Hardt e Negri: http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1668,2.shl)

escuta, zé mané

não sei se por conta da grande ansiedade de assistir o paulo césar peréio (ainda mais encenando um texto próprio), que causava no palco desde muito antes de inventarem essa expressão engraçadinha, ou se porque a peça se inspiraria nas questões mais claramente políticas de wilhelm reich, o que me deixou com mil expectativas, mas 'escuta, zé mané' foi um baldinho de gelo numa noite gelada.

o peréio afirmou que queria 'traduzir' reich pro público popular, mas saí com a impressão de que ele acabou traduzindo um certo público impopular pro reich... "zé mané, não vá trocar uma biblioteca por um puteiro..." - é cômico. a primeira parte da encenação ia bem, com cutucadas pra todos os desgostos, mas depois o auditório do sesc foi parecendo cada segundo mais com uma igreja e os corolinhas com o padre coçando. a função do orgasmo? deixar a professorinha da escola menos amarga. as mulheres se dividem entre as putas desgraçadas (que o peréio parece não odiar tanto) e as saudáveis, ou seja, as que dão devidamente para seus maridos infiéis.
o peréio e o filho tavam tão gozosos de estarem supostamente provocando a platéia que esqueciam o que diziam e o potencial interesse do texto, da palavra expressada, do mais gostoso do teatro. para falar do(a) zé é preciso antes escutá-lo(a), saber ouvi-lo(a). depois das repetições acéfalas de "sai da lama, jacaré" me perguntava quem dali não seria zé mané...

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Revanche
(Lobão e Bernardo Vilhena)
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Eu sei que já faz muito tempo que a gente volta aos princípios
Tentando acertar o passo usando mil artifícios
Mas sempre alguém tenta um salto, e a gente é que paga por isso, oh!
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Fugimos prás grandes cidades, bichos do mato em busca do mito
De uma nova sociedade, escravos de um novo rito
Mas se tudo deu errado, quem é que vai pagar por isso?
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Quem é que vai pagar por isso?
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais ...
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A favela é a nova senzala, correntes da velha tribo
E a sala é a nova cela, prisioneiros nas grades do vídeo
E se o sol ainda nasce quadrado, a gente ainda paga por isso
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E a gente ainda paga por isso, e a gente ainda paga por isso
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais ...
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O café, um cigarro, um trago, tudo isso não é vício
São companheiros da solidão, mas isso só foi no início
Hoje em dia somos todos escravos, e quem é que vai pagar por isso?
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Quem é que vai pagar por isso?
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais ...
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(Vídeo (pule os primeiros 26 segundos): http://www.youtube.com/watch?v=71qg_yEpxAA&feature=related)
"A emancipação começa em ti mesmo ou mesma, não te seduz esta idéia?" (Grupo Pró-Libertação Sexual)
Madri, 09 de outubro de 2009, http://www.dgenero.org/

terça-feira, 17 de novembro de 2009

"Eu na verdade não perdi nada, porque não lutei por algo que podia levar comigo" (Cesare Battisti)

(conferir a íntegra da carta em: http://passapalavra.info/?p=14934)

a folha de s.p., esse jornal que certamente não poderia ser dito controverso - porque isso seria assumir o grande êxito de que propiciaria alguma discussão mais significativa nisto que se chamou de "esfera pública" paulista (que sequer existe) -, desde as primeiras reportagens sobre cesare battisti não hesitou nenhuma vez em nomeá-lo, nas manchetes de capa, com letras tamanho 42, "terrorista".

isso aconteceu depois de o conare (conselho nacional de refugiados) lhe ter negado refúgio e de o ministério da justiça tê-lo garantido mesmo assim. isso aconteceu antes mesmo de o supremo tribunal federal (stf) começar a julgar a existência de eventual 'conflito' ou sobreposições de funções entre os órgãos do poder executivo, assim como a obediência aos princípios constitucionais de relações exteriores neste caso. enfim, o jornaleco condenou o italiano sumariamente, contando a versão dos fatos assumida pelo governo italiano, antes de as entidades competentes brasileiras o fazerem e sem garantir ao acusado o direito de se defender, o que deveria ser um princípio dos mais elementares deste estado e do jornalismo sério.

não é muito diferente do que a itália fez contra ele e os demais membros da luta armada contra o estado fascista nas décadas de 70 em diante. de fato, talvez a mensagem de battisti de que ser extraditado para aquele país significa ser condenado à pena de morte seja mais que uma frase de efeito. não só não pôs um fim ao fenômeno fascista das décadas passadas, como o país ainda indica uma retomada das suas bases.

em fevereiro e julho deste ano, editou cinco leis que dispunham sobre o confinamento de ciganos a certas áreas predeterminadas, a denúncia à polícia de imigrantes ilegais por médicos da rede pública de saúde que os atenderem, as "rondas de cidadãos" (grupos paramilitares formados por cidadãs/os que ganharam o direito de usar cassetetes e spray de pimenta em nada diferentes das chamadas freikorps da alemanha nazista e dos squadristi de mussolini) para garantirem a 'ordem', a criminalização da imigração ilegal, o apenamento, com até três anos de reclusão, dxs italianxs que oferecerem suas casas como abrigo, a obrigatoriedade de qualquer servidor/a públicx denunciar x imigrante ilegal que procura emprego, a proibição de xs filhxs dessxs estrangeirxs serem registradxs e reconhecidxs no país (permanecendo apátridas - o que nem mesmo Hitler foi capaz de fazer!), a proibição de o/a cidadã/o italianx contrair matrimônio com um/a estrangeirx irregular.

junto a tudo isso, berlusconi pretendeu criar uma alta cúpula blindada de quaisquer tipos de demandas judiciais, imune ao direito que ele criaria, mas ao qual não se submeteria. ele parece seguir à risca o modelito de todo tirano. para a sorte geral, a lei alfano, que legitimaria a encarnação da soberania na sua pessoa e na dos três mais altos funcionários de seu governo, foi julgada inconstitucional pelo tribunal constitucional italiano. só por enquanto, segundo seus opositores avaliam, já que ele parece ameaçar a independência do judiciário, elemento já bastante conhecido da máfia.

enquanto a itália inequivocamente se engaja no caminho radical do retrocesso político mais conservador, aqui no brasil degladia-se no julgamento do que seja um 'crime político', com uma certa habilidade para esquecer que nenhum das firulas e pérolas de toucinho defendidas pelo ministro relator, nosso amado pacifista cézar peluso (como a de que a tomada de armas já indica a perda do aspecto 'político' do crime*), lewandowski, ellen gracie e britto, será apta a afastar o fato de que, no limite e ao cabo, essas palavras são bem mais pesadas do que se quer fazer supor, porque elas estão servindo para fundamentar o assassinato anônimo de battisti, ou seu suicídio repentino, sem motivação clara, como vão querer nos fazer acreditar daqui a pouco.

nem precisaria dizer que esse quadro passa bem ao largo das disposições propriamente jurídicas do caso. além da decadência e da prescrição pelo decurso do tempo sem denúncia e julgamento dos quatro crimes comuns que acusam battisti de ter cometido, ambas causas de extinção da punibilidade, poder-se-ia lembrar que não há provas materiais do cometimento das alegadas infrações e que sua conexão a battisti foi realizada por ex-militantes torturados nas prisões italianas, que trocaram a realização dessas 'confissões' por benefícios penitenciários e penais - ou seja, por pessoas de imparcialidade altamente duvidosa, devido às circunstâncias em que se encontravam.

afora isso, a situação continua esquizofrênica: xs ministrxs do stf apreciam se o que battisti teria cometido era crime político ou comum, quando o próprio governo italiano exige a extradição afirmando que o crime é político. parece piada, mas o que está acontecendo no brasil é um meio de tentar justificar a extradição em um caso nitidamente proibido pelos princípios mais fundamentais do estado. daí que se a competência é ou não do executivo ou do judiciário se mostra o de menos, uma polêmica que, no fundo, vem esconder a questão: quem se prontifica a entregar esse corpo nu aos leões famintos?

* fiquei a imaginar que tipo de crime o sr. peluso consideraria político. baterem uma margarida na cara do segurança do berlusconi é muito bonito e pode ter algo de político, mas isso seria um elogio, não um ilícito.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

"Demasiado-humano: é isto o propriamente pagão de seu mundo, que, a partir do cristianismo, não é nunca compreendido, não pode nunca ser compreendido e é sempre combatido e desprezado do modo mais duro" (Friedrich Nietzsche)
.
"O contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia" (Heráclito)

domingo, 8 de novembro de 2009

"Dessa passagem do imagináro ao simbólico levamos um certo medo do novo, do que é mutante, das certezas relativas desta vida - e um certo fascínio pelo abrigo 'seguro' dos códigos totalitários onde o narcisismo que 'pensa que sabe' não se vê continuamente questionado pelas evidências de que tudo o que é também pode não ser, depende... Totalitarismo e narcisismo: associação existente não só no inconsciente do dominador, mas também no do que se deixa dominar".
,
"Masculino/feminino: o olhar da sedução", de Maria Rita Kehl, em O olhar - org. por Adauto Novaes, SP: Cia das Letras, p. 416.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

sexus conexus perplexus

terça-feira, 3 de novembro de 2009

por aqui não passou

maio de 68:

- é proibido proibir
- a imaginação toma o poder!
- a barricada fecha a rua, mas abre a visão
- com a palavra os muros
- sejamos realistas, queiramos o impossível
- trabalhador(a): você tem 25 anos, mas teu sindicato é do outro século
- o verão será quente
- viver sem tempo morto e gozar sem entrave
- compram sua felicidade. roube-a
- o tédio é contra-revolucionário
- mesmo se deus existisse, seria preciso suprimi-lo
- GLOBO: a polícia tem um encontro marcado com você todas as noites, às 20 horas
(ORTF: la police vous parle tous le soirs à 20 heures)
-sob o concreto, a praia
(sob o asfalto, a liberdade - sous les pavés, la plage)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

casal trocado
juntos pulam o muro
lado a lado
(Carlos Seabra)

domingo, 1 de novembro de 2009

"Diante das metamorfoses e acoplamentos que instituem as tecnologias de poder na era dos controles, é preciso uma atitude que desfigure. Recusar o que somos a ponto de não sermos mais reconhecidos, nem pela polícia, nem pelos que andavam conosco, nem por nós. Tornar-se não exatamente invisível, mas irreconhecível, estranho, imperceptível. Se tudo é possível de ser modulado e incorporável, adaptável em dissimulações deformantes, não ser é uma possibilidade de escapar. Usar da liberdade dissimulada da sociedade de controle como possibilidade de deformar-se para fugir dos controles ao ar livre e ganhar o espaço". (Acácio Augusto - http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=9035)

a vida é doce (lobão)

com a mesma falta de vergonha
na cara eu procurava alento no seu último vestígio,
no território
da sua presença
impregnando tudo tudo que eu
não posso nem quero deixar que me abandone

são novamente
quatro horas
ouço lixo no futuro no presente que tritura
as sirenes que se atrasam pra salvar atropelados
que morreram que fugiam que nasciam que perderam
que viveram tão depressa tão depressa tão depressa

a vida é doce depressa demais

e de repente o telefone toca
e é você do outro lado me ligando
devolvendo minha insônia
minhas bobagens
pra me lembrar que eu fui a coisa mais brega que pousou na tua sopa
me perdoa
daquela expressão pré-fabricada
de tédio
tão canastrona
que nunca funcionou nem funciona
Incenso Fosse Música
"Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além" (Leminski).
*
"Isso de querer que os outros sejam o que a gente quer ainda vai nos levar à loucura" (Nana Leon - http://twitter.com/nanaleon).

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

por amor ao derrida, que nunca compreendi
a necessidade de permanecer nas fronteiras, apátrida, arcando com a revolta e a indignação pela incompreensão, vem do desejo de continuar amando o mundo. o que sinto por mim mesma não posso dizer simplesmente "é amor", devo completar, complementar, conjugar conjuntamente: amor-próprio, amores-próprios (com o hífen ao qual se segue este universo do que é, não é, contém, quer dizer 'próprio'). é um amor-próprio que não é nem pode ser apenas amor exceto no plano daquilo que eu não sou, do que fala em mim quando estou de boca fechada, do que rezo pra não ver e sonho à noite. de certo modo, é a isto que quero me referir, ao amor que precisa permanecer assim contra a minha vontade mais racional e louca por controle e apropriação. o mundo revelado não pode ser amado, porque ele já está produzido indistintamente em mim. mas o tremor de coisas que não consigo nomear e que nomeio contraditoriamente, de forma irresponsável e precária, essa agitação intradutível e dolorosa mantém vivo o que pode existir do outro em sua existência fora-de-mim nunciada. só posso amar esse desconhecido que vem e me toma sem nada me responder.
não pode haver revolução
sem gemeção
viver virou um acontecimento
sobre xs indígenas da América, quando da chegada dos espanhóis, em 1492,
ou,
do discursinho do trabalho por quem adora o ócio:

"...essa gente, por natureza, é ociosa e viciada, de pouco trabalho, melancólicos e covardes, vilões e mal inclinados, mentirosos e de pouca memória, e de nenhuma perseverança. Muitos deles, por passatempo, se mataram com peçonha para não trabalhar, e outros se enforcaram com suas próprias mãos" (Gonzalo Fernández Oviedo, Historia General)


hoje acordei algo
entre bagacinho e bagaceira...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Der Kuss - 1989 [Einstürzende Neubauten]

http://www.youtube.com/watch?v=USQdq6cysow

Der Kuss - o beijo:

Alles - tudo
was ich warf - o que eu joguei
fing ich - comecei
fing ich auf - apanhei
fing ich auch - e, além disso, comecei
dies ist ein Kuss - isto é um beijo
dies ist die Muendung - isto é uma boca
dahinter der Lauf - atrás da corrente

(2x) was ich warf - o que eu joguei
fing ich - comecei
fing ich auf - apanhei
fing ich auch - e também comecei

dies ist ein Arm - isto é um braço
dies eine Schlinge - isto é um laço
ein Fangarm vielleicht - talvez um tentáculo

(2x) was ich warf - o que eu joguei
fing ich - comecei
fing ich auch - apanhei
fing ich auf - e também comecei

dies ist ein Leib - isto é um corpo
dies ist ein Loch - isto é um buraco
und Eingang zugleich - e, ao mesmo tempo, entrada

was ich warf - o que eu joguei
fiel (schlug Funken) -caiu (soltou faíscas)
und auf - e
was ich warf -o que eu joguei
fiel (schlug auf) - caiu (aberto)
und Funken - faíscas

dies war ein Kuss - este foi um beijo
ohne Fehl - sem defeito
und nackt - e nu

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

sambinha tosco i.

vou inventariar suas mentiras
o dia amanheceu: de verdade
seu arrependimento vem tarde
ao menos me poupe a saliva

você inventou nossa história
brincando de amarelinha
meu peito, objeto de aposta,
foi jogado no jogo da ladainha

quando olhei pro fundo do espelho
só vi marcas de troça e ferida
vê se entende, eu não tenho conselhos
- o que restou de mim foi sua vida.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

que pedra que nada.
no meio do caminho tem um cara.
tem um cara no meio do caminho.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

filosofia de vida - sem auto-ajuda

nem conheço direito espinosa e já estou encantada. vou tentar apontar a razão disso.
pro filósofo, contingentes são os acontecimentos que não precisam necessariamente existir; possíveis são aqueles cujas causas não precisam necessariamente existir. vislumbra-se uma distinção que coloca o acento tônico não na coisa em si, no acontecimento mesmo, mas no sujeito que o experimenta e o pensa.
em ambos os casos, o sujeito ignora algo. ora, é precisamente dessa ignorância que advém o fôlego para acreditar em algo diferente do fatalismo do destino. talvez importe menos o acreditar como ato de fé que como meio a ensejar um outro tipo de experiência de vida. se parece certo que tudo esteja previamente determinado, não se deve esquecer de que há várias formas pelas quais se pode encarar o 'mesmo' fato. pode ser que a postura que se tenha diante da travessia de um rio mude não apenas a esta última, mas também às próprias águas dele, que nessas horas se parecerão bem pouco com um dado pronto-e-acabado.
cumpre não considerar contingente, possível, necessário/determinado quais descrições lógicas do mundo. espinosa está expondo aí uma filosofia ad usum vitae, isto é, para o uso da vida, para quem ousa ver e construir o possível do impossível, sem saber.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

ouça a voz da tecnologia.

domingo, 11 de outubro de 2009

o que será que significa quando começo a justificar a minha ida ao cinema com eu tb preciso viver?

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

CIRCA - Clandestine Insurgent Rebel Clown Army

"
RECRUTAMENTO
VOCÊ está cansadx de protestos monótonos chatos contra o capitalismo?
VOCÊ gosta de trabalhar em equipe e de ridicularizar autoridades?
VOCÊ anseia por aventuras extremamente idiotas?
O Exército Clandestino de Palhaços Rebeldes Insurgentes (Clandestine Insurgent Rebel Clown Army - CIRCA) quer que tolxs e rebeldes, radicais e malandrxs, trapaceirxs e traidorxs, irritadxs e descontentes se juntem ao grupo.
Você pode ser parte de uma força de combate armada com amor cruel, treinada segundo a antiga arte das palhaçadas e da ação direta não-violenta. Você pode aprender táticas engenhosamente estúpidas que confundem xs poderosxs. Você pode descobrir o seu palhaço interior e a liberdade subversiva de enganar.
Você não precisa gostar de palhaçxs ou soldadxs, só precisa gostar da vida e de dar risadas, tanto quanto da rebelião. Se você acha que tem o que é necessário, siga o seu nariz e se junte ao CIRCA!
Treinando para ser LIXO [ver a foto no link!]
Como todos os exércitos, as pessoas que desejam se juntar às fileiras do CIRCA têm de receber formação. Antes de entrar em batalha com CIRCA, x recruta participa de "campos bigshoe" intensivos, com duração de aproximadamente três dias para o Treinamento Básico de Palhaçx Rebelde (Rebel Clown Basic Training - BRCT). No final do BRCT você será capaz de assumir qualquer missão CIRCA. Tornar-se um clownbatente pode ser um desafio, mas é uma vida gratificante.
Há cinco fases de BRCT:
- Encontrando o Palhaço Interior
- Jogos subversivos
- Desobediência Civil e Ação Direta
- Manobras Bufonas
- Marcha e Perfuração
"
Tradução livre da helô

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

andava devagar naquele lugar estreito, entre dois paredões desses sem fim. o medo de que eles a qualquer momento, sem qualquer aviso, invadissem em silêncio o pequeno vão e me amassassem: colocaria meu corpo de lado, paralelo, e olharia por sobre o ombro imóvel, tentando reduzir ao menor espaço a barriga, o osso do queixo, com receio de sentir as paredes geladas encostarem nas minhas bochechas, uma de cada lado, prensando-as regularmente em direção ao meu centro dominado. com o movimento lento, sentia me subirem pelas pernas ares quentes expelidos por tubos racionalmente distribuídos a cada três metros e meio, gases de cores escuras, azul, verde, marrom, preto. cada vez mais lenta, já meu peito estava quente, e o queixo parecia amortecido, o nariz irritado por um pó. estava prestes a cair e nada ao redor se mexia (exceto a névoa dançante de veneno que tomava o espaço trombando de um lado e do outro da viela em direção ao topo do mundo).
no corredor da rua, a moto foi engolida pela fumaça entre duas fileiras de dezenas de caminhões-torre.

sábado, 3 de outubro de 2009

a vida tem sido de palavras. sempre foi, mas agora se colocam com a sua maior estatura, a palavra com/o um fim nela mesma. pronúncia = pré-anúncio-de-si (a palavra que antes anuncia quem a pronuncia). quero a sua, seja ela qual for, desde que saia da sua boca.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

que adorei que a sarete me mandou:

"Um amor, uma carreira, uma revolução: outras tantas coisas que se começam sem saber como acabarão " Sartre

Costura radical (manifesto)

Manifesto:

"Costura radical é o duplo processo de:

* costurar coisas ridículas (que, então, devem ser usadas); e
* costurar os itens acima mencionados em tantos lugares quanto possíveis.

O objetivo da costura Radical é desafiar as normas culturais e sociais exigidas por uma sociedade burguesa-capitalista-racista-homofóbica-comedora.de.sucrilhos.

Além de ser uma atividade bastante irreverente, a costura Radical tende a inspirar discussão (você vai adorar ver quantas pessoas vêm te perguntar o que você está costurando). Este é o primeiro (bem, segundo se você realmente gostar do que está costurando e quiser usar/vesti-lx) objetivo da costura Radical, já que ela possibilita discussões políticas com desconhecidxs aleatórixs.

Por que não começar falando sobre direitos lgbttt, democracia (ou sua falta na sociedade moderna), anarquia ou guerras falaciosas (do terror, Iraque,...)?"
tradução livre por helô.

domingo, 27 de setembro de 2009

amantes: proto-crítica

two lovers (2008). filme de james gray que concorre à palma de ouro do cannes neste ano. a história trata de leonard (joaquin phoenix), abandonado pela sua noiva por não ter condições de engravidá-la. depois de procurá-la em vão por diversas vezes, entremeadas por tentativas de suicídios, se apaixona pela vizinha michelle, vendo-se, no entanto, impelido a se casar com sandra.
ao comentarem o filme, muitos críticos claramente assinalaram a dicotomia diante da qual leonard parece estar posto: de um lado (do lado de michelle), a "liberdade" ou a "fuga", a "rebeldia", a "emoção", a imagem do "moderno"; de outro (o de sandra), a prisão, a "conformidade", a "segurança", a "razão", a imagem do "clássico". essa divisão parece estar presente em algum grau no filme, mas desconfio que a narrativa vá além disso - o que explica sua força.
talvez o que mate x espectador/a (estou morta) não seja que essa cisão de mundos seja, de repente, colocada para um personagem confuso ou transtornado. o que se mostra tocante é que essa suposta 'confusão' não seja um vício propriamente distintivo de leonard. trata-se de um tipo de errância existencial, um estado que marca a vida de todas as personagens, com diferentes intensidades. com efeito, leonard não se vê tendo que escolher entre razão e emoção: as duas coisas estão nele, já, e a questão gira em torno do que fazer com elas em face do mundo.
ele ama michelle, mas não destrata sandra (e até se esforça para lhe sorrir). ele ama michelle, mas não deixa de se angustiar com o fato de ela ter um namoreco com um figura casado, que vive lhe prometendo o céu e lhe dando menos que o inferno. e com ela ele também se esforça, a fim de fazer alguns de seus caprichos. michelle não sabe se rompe com seu caso ou se compra uma bicicleta branca. sandra não é tão menos irracional. a mona se joga, mas num chão de concreto. ela fala sozinha. dialoga com a secretária eletrônica de leonard e quase pede desculpas a ele por ele não tê-la procurado.
nenhuma dicotomia dá conta da complexidade dessa realidade, em que todxs estão tentando ser felizes, cada um/a em suas circunstâncias. se seu pai lhe pede faça favores com um cabide "nós amamos nossos clientes"; se sandra, que lhe cai como uma luva, dá a leonard uma luva bem costurada e duradoura (mas que, a princípio, ele não tem a menor vontade de usar); se a única coisa que michelle de fato pede é justamente o que ele não pode dar a ela, uma relação de amizade fraternal, é que poucas coisas são mesmo simples.
em que termos (d)escrever o final do filme? haveria algumas form(ul)as bastantes simples: leonard ficou entre o amor da sua vida e o resto e, com a rejeição da primeira alternativa, abraçou a segunda; melhor viver mal que se matar; o conformismo venceu a rebeldia, como não podia deixar de ser, e outras semelhantes. prefiro pensar que o final do filme não determinou o fim da história, apenas sinalizou para o dado indispensável da possível construção do novo: a chance de se ousar permitir viver uma tentativa.

domingo, 6 de setembro de 2009

Ouvindo a conversa dos outros (trecho I de II)

"Tenho vivido, de vez em quando, com o povo Xavante – “indígenas” habitantes do serrado já há quase dois séculos na área do Estado do Mato Grosso, e há pouco menos tempo que isso sujeitados às leis brasileiras, ao confinamento territorial e à mudança drástica dos meios por onde circulam depois da chegada violenta das fazendas, do agronegócio e das cidades.
Um dos muitos fatos que me chamaram atenção morando entre eles foi sua capacidade de falar e ouvir.
Uma vez percebi um casal “discutindo” à noite, em sua língua, por horas a fio, através das paredes de palha de sua casa. Um deles falava longamente, sem interrupção do outro, muito mesmo... Quando parava era a vez do outro, que também não media palavras. Sempre calmamente, em nenhum momento alguém dava um grito ou emitia um tom rude. Noutro dia, um jovem que morava na casa deles me disse que falavam daquele jeito “para não brigar”.
Noutra feita uma mulher chegou de carro à noite na aldeia, atrás de seu marido que estava prestes a se casar com outra no dia seguinte (entre os Xavante é possível o homem ter mais de uma esposa e a fidelidade sexual de ambos os sexos não é restrita como na “sociedade burguesa”). Muita gente se movimentava para cima e para baixo ou ia para perto de onde vinha o burburinho e o pai do noivo fez até um choro cerimonial. Mas a “briga” que aconteceu não passou de uma longa conversa... A irmã do noivo falando com a primeira mulher, e vice-versa, sempre em tom comedido, sem estridência, sobre o modo de vida deles.
Os Xavante consideram a palavra muito poderosa.
Um de seus mitos cosmogônicos conta a história de dois adolescentes e companheiros (que se chamam mutuamente de “meu outro”) que às vezes se afastavam do coletivo para pregar peças e “inventar” espécies vegetais e animais, transformando-se nelas. Os dois se tratavam com respeito, um esperando a sugestão do outro para o que fazer: “meu outro, o que vamos fazer agora?”, – “diga você, meu outro, o que vamos fazer?”, “vamos fazer a onça!”, e os dois se transformavam na onça, criando-a e assombrando a todos. Depois de muitas invenções/transformações dessas, o coletivo ficou cansado e assustado com o poder deles e os mataram. Mas isso não colocou fim à vida deles, eles continuam por aí, e aparecem em sonhos, pois os sonhos são reais.
Pensando um pouco como Mircea Eliade, o rito de maturidade dos adolescentes Xavante pode ser encarado como uma morte ritual que remete a este mito, na qual espera-se que passem a noite dentro d'água para amolecer os lóbulos, talvez “desmaiem” (que em Xavante quer dizer “morram”) ou simplesmente sofram calados a perfuração da orelha, a colocação dos brincos que fazem deles homens. Pierre Clastres diz que é assim que várias “sociedades” imprimem no corpo de seus membros a memória de seu pertencimento.
No caso Xavante, o silêncio tem uma importância gritante. Podemos contrapô-lo ao poder da palavra, sempre latente e à espreita, daquela dupla mítica que inventava animais e plantas. Pois esse ritual parece sinalizar, com brincos nas orelhas, que para que a palavra não se torne perigosa demais é necessário, primeiro, aprender a ouvir o que vem do coletivo. E ouvir é uma das coisas que os adolescentes Xavante mais fazem durante os anos de sua formação. Presenciei isso na “casa dos solteiros”, onde eles dormem e são constantemente visitados pelo grupo dos homens recém chegados à idade adulta (em Xavante se diz “pequenos adultos”, grupo no qual fui inserido) que os apadrinha e os ensina.
Ouvir é tão importante que quem não fala direito ou não canta direito é chamado de “surdo”. Numa das aldeias em que fico há um telefone público e, como eu disse para eles que tinha tentado ligar mas não conseguido, o cacique me explicou que, por causa de relâmpagos, o telefone tinha ficado 'surdo'..."
Guilherme Falleiros

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

a poesia jorra
sem estética,
sem metro,
poiética.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

"e tudo se resumia a não esquecer seu nome depois de varias garrafas copos cigarros e sua mão solitária sobre a mesa após o poema sussurrado" (guiga - o apelador).

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

provok-a-ação

teria havido uma evolução de meios coercitivos do capitalismo, que passaria da imposição de modelos predeterminados à instituição de modulações, da renovação dos padrões à manutenção de sua constância, do confinamento para a fiscalização ao ar livre, da supressão da liberdade para a concessão dela, do domínio do corpo para o domínio da vida. e o que sobra? sobra tudo.
as soluções mais palatáveis são intragáveis. pensa-se na ordem e no progresso da família patriarcal, da creche, da escola, da oficina, dos presídios, do estado-policial. o que liberta do controle é o controle. fora disso, o que sobra? sobra tudo.

não basta controlar os zois, fatos da vida. é preciso sobretudo se assegurar dos bios, das formas dela. cumpre prevenir a vida de hoje do futuro que se acerca a cada início de gesto. o presente se retarda e se alonga, parecendo subsistir só. se o tempo é agora, é agora. o que sobra? sobra tudo.
o privado é público e vice-versa. não se sabe bem quem manda e quem obedece a quem. findaram as duas instâncias, o dentro e o fora das coisas. não parece mais haver questionamento não-cooptável. o mundo da rebeldia é vendido a preços promocionais nos shoppings. o mercado toma para si práticas de guerrilha e de grupos libertários. participar virou uma exigência. é preciso bater cartão de cidadania. o que sobrou? sobrou tudo.

o fatalismo está pressuposto: da circunstância irrevogável, do acontecimento infreável, da necessidade inequívoca dos fatos. o que sobra dos estudos da sociedade - sociedade da disciplina, do espetáculo, de controle? sobra tudo. tudo o que está posto e requer seja dito - vividamente ou também por palavras. não há mais 10 instituições sociais autônomas (com linguagens fechadas para si), 3 tempos, 2 esferas de vida, 2 instâncias sociais, 2 planos de circulação de bens, ou mais: há o 1. não há mais fatalismo possível. vivemos em pleno campo de imanência.
não espere pelo devir. godot sempre esteve aqui. devenha.

domingo, 30 de agosto de 2009

sobre certa crítica ao feminismo

diz-se que com o progresso, o desenvolvimento, as 'luzes' da razão ou o que quer que dispenda um pouco de energia elétrica tudo vai se esclarecendo na história. acontece que se há algum tempo estava evidente o que era (ser) um homem e o que era (ser) uma mulher [- com esse 'ser' entre parênteses mesmo-], hoje nada disso é muito claro.
sem dúvida, a obscuridade, pluralidade e/ou relatividade que marcam muitos dos discursos contemporâneos não são privilégio dos assuntos de gênero. ideologias em vários formatos teóricos e práticos atacaram as fronteiras que dividiam hermeticamente grupos de interesses, restringiam temas, impunham diferenças consagradas, escondiam discriminações grotescas, impediam prazeres. (parece que o processo gerou reações antagônicas, inclusive a de tratar de rapidamente fazer substituir os antigos dogmas por novos, assumidos como moldes das camisetas de silk vendidas em lojas 'alternativas'. se tudo passava a ser possível, não havia mais desculpas para a tristeza. entre outras coisas, a felicidade se tornara imperativa).
mas se hoje não há mais homens, afirma-se, a 'culpa' é das mulheres. especificamente, das feministas. tudo decorre da luta pela igualdade. quiseram-na tanto e agora a têm: não há mais diferenças entre os sexos e com elas foram-se as identidades individuais. ninguém mais sabe o que ou quem é. talvez fosse melhor comentar o fato em termos não-cristãos: falemos em responsabilidade. se as feministas são responsáveis pelos não-homens (e não-mulheres) acho que fizeram muito bem, considerando certas definições do que antes era ser homem e mulher.
não é, de fato, sintomático que houvesse uma luta pela igualdade de direitos e que, teoricamente obtida, o fato redundasse tragicamente na ausência de diferenças determinadas para os gêneros? quanto constrangimento pelo passado! não deixa de ser curioso o olhar compreensivo de certos fatos históricos, de um lado, brutal para com algumas desproporções que se apresentam volta e meia em qualquer movimento social, de outro.
não se encontra a certeza senão passando inexoravelmente pela incerteza, já apontava lacan em 45. pode-se acrescentar, modernamente, que tampouco se tem segurança sem experimentar o seu oposto.

sábado, 29 de agosto de 2009

"je t'aime moi non plus" em 5 atos

te amo
-oi?

te amo
-também não sei.

te amo
-só um pouquinho, né?

te amo
-eu também não.

te amo
-nem um pouco.

manifesto

agora nas ruas de são paulo só se lê
'amar é importante, porra'.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

amar está fora de moda.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

desconfio de quem é muito feliz.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

a modernidade vive aqui
no dia em que ele olhou para o lado
sem coragem de dizer o de sempre,
a outra entendeu por bem se maquiar,
o tio, não cortar o cabelo,
acordaram felizes e tristes sem saberem o nome do mês
tudo era lamentável, sem algo especificamente indigno
o mundo tinha duzentos mil nomes em centenas de línguas
que pareciam iguais e incomunicáveis,
expostos nas vitrines tridimensionais "das maiores capitais do planeta",
combinavam-se cores em estilos infinitos, um para cada gosto
e nada deixava de ser um movimento
social antissocial, cultural anticultural
a modernidade brilhante desse não-se-sabe-mais-o-que-fazer
a gentileza em são paulo é o feto surdo que quer passar em_o_vão, na linha impossível que esquarteja o carro da moto enfurecidos.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

esse buraco não se estanca
não tem fundo, canto,
es-tampa ou tampa


Filosofar é gostosinho,
mas não se compara com filofilar...

domingo, 23 de agosto de 2009

Guy Debord

"Vaguei bastante por inúmeras grandes cidades da Europa e apreciei tudo o que merecia ser apreciado. Nesse caso, a lista poderia ser vasta: as cervejas da Inglaterra, onde se misturavam as suaves com as fortes na caneca; os canecões de chope de Munique; as irlandesas; a cerveja Pilsen tcheca, a mais clássica; e o admirável barroquismo da Gueuze, nos arredores de Bruzelas, quando ela ainda tinha um sabor distinto em cada cervejaria artesanal e não tolerava ser transportada para longe; os licores de frutas da Alsácia; o rum da Jamaica; os ponches; a aquavita de Aalborg e a grapa de Turim; o conhaque, os coquetéis; o incomparável mescal do México; todos os vinhos da França, os melhores oriundos da Borgonha; os vinhos da Itália e, sobretudo, o Barolo de Langhe, os Chianti da Toscana; os vinhos da Espanha, os Rioja de Catilha-la-Vieja ou o Jumilla de Múrcia." (Panegírico, p. 41)
***
"Quando 'ser totalmente moderno' se tornou uma lei especial proclamada pelo tirano, o que o escravo honesto teme, acima de tudo, é que ele possa ser suspeito de saudosismo" (Panegírico, p. 75).
***
"O valor de troca só pôde surgir como agente do valor de uso, mas ao vencer por suas próprias armas criou as condições para seu domínio autônomo. Mobilizando todo o costume humano e apropriando-se do monopólio de sua satisfação, ele acabou por dirigir o uso. O processo de troca se identificou a todo uso possível e o subjugou. O valor de troca é o condottiere do valor de uso, que acaba por empreender a guerra por conta própria" (A sociedade do espetáculo, 46).

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

miscelanealogia: mulheres II

o sagrado e o profano em um corpo que só é passagem e que faz passar do si ao outro. o medo ou a adoração que se pode experimentar das mulheres não são senão os da alteridade. o ser meu objeto, valor do meu grupo social, do meu clã, da minha tchurma por meio do qual acesso a outra panela, a outra família. canal sagrado de comunicação de longínqu*s e próxim*s. o ser-em-trânsito que é de um grupo E do outro, ou era de um e PASSA a ser de outro, não se sabe o que fica o que vai, que tempo é esse, se há passado e futuro, uma contaminação generalizada. a ambiguidade de quem gesta a mistura de sangues tomados e bebidos mais que como diferentes, inconciliáveis. sangue que fazem jorrar mensalmente (como se costuma ver apenas nos bichos não-seres humanos), quem dirá que 'status' atribuir a elas? interstícios---mulheres---tabus.
por marx: ABAIXO MARX!

Quando a tolerância religiosa se resume a aceitar o cristianismo...

A juíza da 3ª Vara Cível Federal de São Paulo, Maria Lúcia Lencastre Ursaia, determinou que os símbolos religiosos (crucifixos, imagens, entre outros) poderão permanecer nos órgãos públicos. A decisão liminar da juíza indeferiu o pedido do Ministério Público Federal (MPF) para a retirada dos símbolos dos prédios públicos. A ação teve início com a representação do cidadão Daniel Sottomaior Pereira, que teria se sentido ofendido com a presença de um crucifixo num órgão público.
No pedido feito dia 31 de julho, o MPF entendeu que a foto do crucifixo apresentada pelo autor desrespeitava o princípio da laicidade do Estado, da liberdade de crença, da isonomia, bem como ao princípio da impessoabilidade da administração pública e imparcialidade do Poder Judiciário. Porém, a juíza entendeu que não ocorreram ofensas à liberdade de escolha de religião, de adesão ou não a qualquer seita religiosa nem à liberdade de culto e de organização religiosa, pois são garantias previstas na Constituição.
Para a magistrada, o Estado laico não deve ser entendido como uma instituição antireligiosa ou anticlerical. "O Estado laico foi a primeira organização política que garantiu a liberdade religiosa. A liberdade de crença, de culto e a tolerância religiosa foram aceitas graças ao Estado laico e não como oposição a ele. Assim sendo, a laicidade não pode se expressar na eliminação dos símbolos religiosos, mas na tolerância aos mesmos", afirmou ela, na decisão.
Fonte: Agência Estado, 21/8/9

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

procuro as palavras exatas/não por amor à precisão. preciso escrever pouco, as palavras pesam e meu texto corre sempre o risco de afundar. não sou como xs poetas, que escrevem versos livres - de massa. tampouco como xs escritorxs de épicos que possuem navios onde carregam suas mil palavras; cargueiros que levam cidades; negreiros que aforam dignidades. não possuo à minha espera senão um corpo gordo que bóia na beira-mar com certo esforço. na minha pequena jangada cabem bem poucas palavras. meia-dúzia, que já me fazem falta.
uma cena linda foi ver o corpo subindo o paredão inclinado de escalada. flutuando de pedra em pedra, da azul pra verde, pra amarela, pra outra verde. amarelinha na vertical; um lagarto voador de nervos tocáveis, intocável; em. movimento fluvial, melindres em alto ar.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Icono-religio-clastia! demorou...

MPF move ação para retirar símbolos religiosos de repartições públicas federais em SP (04/08/09)
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo ajuizou, no último dia 31, uma ação civil pública com pedido de liminar paraobrigar a União a retirar todos os símbolos religiosos ostentados emlocais de ampla visibilidade e de atendimento ao público emrepartições públicas federais no Estado de São Paulo.
No pedido feito à Justiça Federal, o MPF pede aplicação de multadiária simbólica no valor de R$ 1, 00 (Um real) para servir comoum contador do desrespeito que poderá ser demonstrado pela União, casonão cumpra a determinação judicial. O prazo para a retirada dossímbolos religiosos é de até 120 dias após a decisão.
Inúmeras pessoas se dirigem aos prédios da União diariamente para asmais variadas atividades, de caráter administrativa ou judiciária, etem a sua liberdade de crença ofendida diante da ostentação pública desímbolos religiosos não relacionados com a fé que professam.
Apesar da população brasileira ser de maioria cristã, o Brasil optoupor ser um Estado laico, em que não há vinculação entre o poderpúblico e determinada igreja ou religião, onde todos tem o direito deescolher uma crença religiosa ou optar por não ter nenhuma, asseguradopelo art. 5 da Constituição Federal.
Além disso, é obrigatório, na Administração Pública, o atendimento aosprincípios da impessoalidade, da moralidade e da imparcialidade, queestão ligados ao princípio da isonomia, determinando que todos sejamtratados de forma igualitária.
Sendo assim, o símbolo religioso no local de atendimento público não émero objeto de decoração, mas sim predisposição para uma determinadafé que o símbolo possa representar e, para o MPF, o Estado laico deveser a regra na Administração Pública.
Segundo o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão e autor da ação,Jefferson Aparecido Dias, cabe ao Estado proteger todos essasmanifestações religiosas sem tomar partido de nenhuma delas.“Quando oEstado ostenta um símbolo religioso de uma determinada religião em umarepartição pública, está discriminado todas as demais ou mesmo quemnão tem religião afrontando o que diz a Constituição” ressaltou.

sábado, 1 de agosto de 2009

Pesquisa demonstra que maioria de estudantes da UnB é favorável às cotas raciais

Pesquisa intitulada "Cotas e Universidade", realizada por Anita Cunha Monteiro, sob orientação da Profa. Dra. Débora Diniz, do Departamento de Serviço Social da UnB, conclui que a grande maioria dos(as) estudantes daquela universidade se posiciona favoravelmente às cotas raciais em universidades.

Confira abaixo alguns trechos do resumo. Para acessar a íntegra do resumo, clique aqui:
http://www.servicos.sbpcnet.org.br/sbpc/59ra/senior/livroeletronico/resumos/R6712-1.html

***

INTRODUÇÃO:

As políticas públicas de ações afirmativas instituídas por algumas universidades ou mesmo os projetos de lei propostos pelo governo brasileiro têm gerado vários debates na sociedade. A dimensão crescente que esses assuntos têm tomado, principalmente nas universidades onde foram implantadas as cotas, pode ser considerado evidência de um fenômeno social que permanecia a margem das discussões há varias décadas. Não há nada mais adequado que a história do próprio país para explicar a correlação existente entre esses temas e a importância deles para criação de um país mais justo e solidário.
Ao longo da história mundial, as conquistas territoriais geralmente são acompanhadas de violência. Em relação a colonização portuguesa no Brasil, não foi diferente. Pessoas pertencentes a diferentes culturas foram submetidas a um ideal de identidade nacional, muito presente nos Estados europeus a partir de suas unificações. Durante essas unificações, muitos povos tiveram seus costumes suas línguas e suas tradições reprimidas em prol de uma identidade cultural homogênea. Nessa mesma perspectiva, durante a colonização do Novo Mundo, o processo de repressão cultural foi bastante intenso, com o agravante de existirem estudos antropológicos os quais consideravam a organização social dos povos habitantes das Américas de forma inferiorizada.
(...)
Stuar Hall cita Paul Gilroy para explicar como o racismo se camufla nas discussões sobre nacionalismo, nacionalidade e patriotismo. Segundo Gilroy, o racismo estabelece e protege um ideal de cultura nacional homogênea na sua branquidade. Este é um racismo que responde à turbulência social e política de crise e à administração da crise através da restauração da grandeza nacional na imaginação.
É exatamente nessa perspectiva que se constrói o racismo no Brasil. Como não houve nenhuma política inclusiva para ex-escravos, o Brasil entrou numa espécie de turbulência social e política que tem se acentuado. Essa crise é resultante de uma grande parcela da população, anteriormente força de trabalho escrava, ter se tornado livre e sem função socioeconômica repentinamente. Quando o governo brasileiro incentivou a vinda de migrantes europeus ao Brasil, por exemplo, tratava-se de uma ação em defesa da branquidade homogênea que colocava de lado os negros excluídos do mercado de trabalho que não contava mais com a mão de obra escrava. Essa imagem nacional de uma força de trabalho fundamentada em mão de obra branca e homogênea foi tão bem construída nos alicerces das teorias de raça européias que conseguiu dizimar até mesmo uma porcentagem significativa dos negros brasileiros. A idéia foi tão bem assimilada pelas elites que continua sendo repetida ainda hoje. Nas universidades, por exemplo, cenários do pensamento crítico e racional das sociedades, têm professores que acreditam no argumento segundo o qual existira a raça negra e essa seria inferior as demais raças.
Então, o racismo brasileiro foi conseqüência da inferiorização moral e social do negro pelo europeu durante a escravidão. Mas, a característica peculiar do Brasil foi a negação dessa posição superior historicamente construída. O caso é particular por causa dessa posição ambígua e duvidosa da elite branca. O fato da elite não se assumir como branca e privilegiada no período que sucedeu a abolição transformou o racismo brasileiro em um tipo esquizofrênico. Isto é, ao mesmo tempo em que é proferido um discurso de democracia racial e da inexistência de raças diferentes no Brasil devido a mestiçagem, não se concebe a existência de racismo. Então o resultado é um duplo vínculo que os descendentes de escravos têm na sociedade. O primeiro é a identificação com um grupo social inferiorizado e discriminado. O segundo vínculo é a falsa e passageira identificação com o grupo privilegiado social, político, econômico e até esteticamente. Sendo assim, os descendentes de escravos no Brasil têm permanecido fora das políticas inclusivas, pois não são reconhecidos como um grupo social com demandas 'sui generis'.
Voltando à análise do método comparativo em Antropologia Cultural, Franz Boas criticou o método evolucionista e difusionista, afirmando que o conceito de cultura explicava as diversidades sociais. Para Boas, o antropólogo deve sempre relativizar culturalmente diante dos grupos estudados. Dentre vários autores brasileiros influenciados pelas teorias de Boas está Gilberto Freyre que foi seu aluno. Além de Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Jorge Amado foram protagonistas na teorização da ideologia da mestiçagem e do mito da democracia racial. Gilberto Freyre foi o que conseguiu aliar da melhor forma as teorias de Boas com sua forma de pensar. Freyre se apoderou dos estudos de Boas sobre a inexistência de inferioridade entre raças para defender a idéia de inexistência de racismo no Brasil. Em sua obra “Casa Grande e Senzala” chega a firmar que a colonização dos portugueses foi branda. Buarque de Holanda publica obras também nesse sentido. E um tempo mais tarde, Amado caricaturava a mulata sedutora e o negro bonachão em suas obras popularmente difundidas.
Dessa forma, essas pessoas desautorizaram a identidade do negro, jogando-o num racismo esquizofrênico. Além disso, essa desautorização de identidade envolve argumentos sexistas e racistas. Essa situação construída se coloca contra o desejo e a decisão de uma afirmação de coletividade negra.
(...)
Pode-se concluir que o racismo da forma como foi concebido no Brasil, está intrinsecamente relacionado ao processo de formação de identidade nacional. Foi na formação da identidade brasileira mestiça que o racismo foi negado, não podendo ter sido combatido desde o processo de nacionalização. Foi preciso o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso admitir no exterior que o racismo no Brasil é velado para os próprios brasileiros refletirem e se analisarem. A questão racial também está bem apoiada em teorias de etnicidade, pois foi a partir delas que surgiram interpretações tendenciosas e racistas. Interpretações extrapolantes e muitas vezes equivocadas contribuíram para formação de teorias eugenistas, nazistas e facistas (Stepan: 2005).
Com a intenção promover a eqüidade no acesso a direitos e modificar o cenário de desigualdade que às políticas afirmativas entram no contexto social. Uma ação afirmativa leva em conta o princípio da eqüidade e discrimina positivamente, visando proporcionar o maior grau de igualdade. Em particular, as cotas para negros, como um dos mecanismos de ação afirmativa visa criar oportunidades para que os negros superem as desigualdades sociais.
Além disso, as ações afirmativas são políticas emergenciais e temporais para quebrar o processo desigual que afeta a distribuição de renda e o grau de instrução da população brasileira. Isso não desconsidera a importância de outras políticas públicas como a de reforma de base na educação ou mesmo mudanças estruturais referentes ao processo de distribuição de riquezas. Porém essas ações demorariam gerações para apresentarem resultados. No campo das ações afirmativas, o Brasil em 1999 conheceu a primeira proposta de cotas para negros no ensino superior brasileiro. Essa proposta foi apresentada ao Conselho de Ensino e Pesquisa (Cepe) da Universidade de Brasília (UnB) pelos professores José Jorge Carvalho e Rita Laura Segato (Carvalho, 2003). Para tanto, somente no ano de 2004 que a UnB adotou o sistema de cotas no vestibular visando aumentar o acesso de alunos negros no ensino superior brasileiro. Esta pesquisa teve como objetivo verificar como estudantes de graduação da UnB se posicionam em relação à seleção pelo sistema de cotas.
(...)
RESULTADOS:
Esse é um estudo descritivo sobre as cotas na Universidade de Brasília (UnB). Foram entrevistados 2,5% do total de estudantes da universidade, sendo 50% deles do sexo feminino e 50% do sexo masculino. Em relação à forma de ingresso na UnB, cerca de 63% dos alunos entrevistados ingressaram pelos sistema universal; 7% pelo sistema de cotas; 23% pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS); 4% por acordos entre países, 2% por transferência. Desses, 30% ingressaram antes da implementação do sistema de cotas no ano de 2004, e 70% depois da implementação do mesmo. A respeito da área dos cursos dos alunos entrevistados, 34% fazem cursos na área de exatas; 9% na área da saúde; e 57% na área de humanas. Entre os entrevistados, 68% afirmaram conhecer alguém que entrou na UnB pelo sistema de cotas; 24% não conhecem ninguém que entrou pelo sistema de cotas e 7% não souberam responder.
Em relação à cor da pele, 42% dos alunos entrevistados se declararam brancos; 40% pardos; 1% indígena; 2% amarelos; 14% negros. Entre as pessoas que se declaram brancos, cerca de 76% são a favor das cotas, assim como entre as pessoas que se declaram pardas. Entre as pessoas que se declararam negras ou pardas cerca de 73% são a favor das cotas. Por fim, em relação a legitimidade das ações afirmativas – cotas para negros – cerca de 84% das pessoas que se declararam brancos são a favor de ações afirmativas, assim como 82% das pessoas que se declaram negras ou pardas.

CONCLUSÕES:
Esse survey inicial sobre as cotas na Universidade de Brasília (UnB) fornece alguns indícios de como os estudantes de graduação da UnB se posicionam diante do sistema de cotas para negros. 46% dos estudantes acreditam que as cotas facilitarão a entrada dos negros no mercado de trabalho e 15% não souberam avaliar. Aproximadamente 75% dos estudantes são favoráveis às ações afirmativas nas universidades públicas. Uma das ressalvas a serem feitas aos resultados é que a coleta de dados coincidiu com um período de intensas discussões no âmbito da universidade sobre o tema das cotas e do racismo. O estudo aponta para a importância de ações de sensibilização da comunidade acadêmica sobre as ações afirmativas, como as cotas para negros, uma vez que essas representam um mecanismo de justiça e de reparação das desigualdades sociais.

Nota de repúdio à ação do DEMO contra o sistema de cotas da UnB

“Pesquisa publicada prova,
Preferencialmente preto, pobre,
prostituta pra policia prender,
pare, pense, por quê?”
GOG - Brasil com P

O Diretório Central dos Estudantes Honestino Guimarães da Universidadede Brasília vem por meio desta repudiar a ação promovida peloDemocratas contra o sistema de cotas raciais da Universidade deBrasília. Nessa segunda-feira (20/7) o partido, por meio de suaadvogada voluntária Roberta Kaufmann, impetrou uma Argüição deDescumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), demandando a suspensãoliminar do sistema de cotas raciais da UnB e do resultado dovestibular do 2˚/2009. Essa medida vem de forma antidemocrática quereracabar com uma política pioneira da UnB de democratização do espaçouniversitário.
A ação movida pelo DEM questiona a UnB por “institucionalizar oracismo” e por dar as bases de um “Estado racializado”. Toda aargumentação desenvolvida pela advogada leva a compreensão de que oproblema do racismo não existe no país - seja em função damiscigenação no país, seja pelo argumento biológico de que não existemraças - e que, as políticas de ação afirmativas são problemáticasquando têm o recorte racial. Mais ainda, ela afirma que esse tipo depolítica cria o racismo. Em toda a ADPF, a advogada tenta mudar o focoda argumentação, colocando que em termos biológicos não existem raçase que, portanto, não pode haver racismo no país. Ademais, ela descreveum país muito diferente do Brasil, em que há uma sociedade plural eplena. Ela se contradiz ao colocar nas considerações iniciais sobre omérito da questão que ela não quer discutir a existência de racismo,preconceito ou discriminação no Brasil, e afirma pouco depois que noBrasil “ninguém é excluído pelo simples fato de ser negro” (p. 27), ouseja, categoricamente a advogada afirma que não existe racismo nopaís.
É muito fácil se refugiar em argumentos pautados na genética humanapara afirmar que somos todos iguais, que não existem raças, quando naverdade o racismo brasileiro é fenotípico e parte marcante da nossasociedade. Isso quer dizer que, mesmo velado, o racismo brasileiro seexpressa nos estereótipos sociais, nas brincadeiras que muitos fazem enas ações de poder e segregação.
Diferentemente do que afirma a advogada, o quadro do Brasil é o de umagrande desigualdade racial. É notável a baixa representatividade dosnegros em espaços de poder no país, assim como nas universidades. Sepoucos são os que têm acesso à educação superior, menos ainda são osnegros que chegam à universidade, que mal chegam a ser 2% dessacomunidade. Em 2003 a UnB tomou uma decisão muito importante nessesentido. O CEPE (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão) aprovou osistema de cotas, que reserva 20% de suas vagas a estudantes que sedeclarem negros e afro-descendentes. Essa política vem, acima de tudo,para mudar a realidade das universidades, quebrar o monocromatismobranco e escurecê-las.
Foi com essa política que a UnB começou a mudar. Com o sistema decotas, mais negros começaram a entrar e a influenciar os rumos dauniversidade, contribuindo para uma formação social mais plural eplena da universidade. Foi com o sistema de cotas que se criou umareal possibilidade de empoderamento de uma grande camada populacionalque historicamente é discriminada. A universidade ainda é um dosespaços predominados por brancos. As cotas vêm para romper com essearranjo, democratizando a universidade.
A nossa experiência na UnB é a do caminho contrario ao do “racismoinstitucionalizado”. Após a implementação do sistema de cotas a lutacontra o racismo se intensificou em todos os espaços da universidade,sendo que os vários movimentos sociais que se articularam desde entãosempre contribuíram em muito para uma maior proximidade dauniversidade com a sociedade e para a minimização da segregaçãosocial. A política de cotas é um marco na UnB. Ela sinaliza ainstitucionalização do processo da luta pela igualdade racial no nossopaís.
Em vários momentos os críticos ao sistema de cotas questionam aigualdade, defendida na constituição federal, mas temos que questionarcomo é possível falar de igualdade quando brancos e negros partem depontos tão distintos em nossa sociedade? Que igualdade é essa em quehá um claro predomínio branco em espaços de poder? Por fim, queigualdade é essa em que, pela cor da pele alguém é julgado?
Para que possamos concretizar o preceito constituinte de igualdade écentral avançar em políticas públicas. As ações afirmativas sãoinstrumentos com o claro objetivo de mudar uma realidade e afirmar apresença de um grupo socialmente minoritário. Não se trata de culparos brancos pela escravidão, como a advogada leva a crer, mas sim o dereforçar o negro como parte integrante e ativa de nossa sociedade.
É por entender o papel democratizante que as cotas possuem que o DCEda UnB vem em sua defesa e manifesta seu repúdio ao Democratas. Aformulação e a implementação de políticas de ação afirmativa sãocentrais para a consolidação democrática do país e, exatamente porisso que sempre serão alvo de ações de grupos - e partidos -conservadores que não querem o empoderamento popular. É papel dauniversidade formular, constantemente, políticas que visem soluçõespara os problemas de nossa sociedade. Esse papel tem que ser garantidopor toda a sociedade e a única forma de garantir que isso não seencerre é com luta! Por isso o DCE conclama todos os movimentossociais a se manifestarem e a se engajarem na luta em defesa de umasociedade mais justa, plural e democrática! Somente com uma amplaarticulação que será possível a vitória!
Não à ação do DemocratasEm defesa do Sistema de Cotas da UnB!

Brasília, 24 de Julho de 2009
Diretório Central dos Estudantes Honestino Guimarães da
UnBGestão Pra Fazer Diferente
Este grupo é formado por estudantes da UnB que desejam construir umnovo movimento estudantil: mais criativo e transparente, maisconsciente e transformador da sociedade. Para superar a mesmice doscaciques e o aparelhamento partidário, nós queremos um ME feito porestudantes e para os estudantes!