domingo, 26 de julho de 2009

Miscelanealogia: mulheres I

A atitude normalzinha olha o mundo com as divisões herdadas dos olhos dxs avós, pais, país; vê as fronteiras visíveis e as existentes; com uma pequena dose de neurose, as respeita ou as viola com culpa; procura acertar o alvo; quer ouvir o 'sim' d*s amig*s; filosofa bem. Não se concebe uma miscelanealogia sem loucurinhas.

Quando hobbes trata do estado de natureza em que tod*s se vêem como inimig*s umas/uns d*s outr*s desconfio que ele não acredite nisso tal qual fato consumado. A imagem conhecida do 'homem lobo do homem' não é uma necessidade, mas uma possibilidade verossímil. A questão, que poderia ser tão bem respondida por um/a antropólog*, acerca da existência de sociedades sem estado - que encontraram formas de assegurar uma mínima sociabilidade sem permitir o surgimento do UM - se inverte: é possível uma sociedade com estado? Que de uma situação primeira de relativa igualdade advenha, num ímpeto, uma desigualdade constituinte do político? Que, em determinado contexto, só seja possível pensar a efetividade da igualdade (e da sobrevivência da igualdade) entre todxs se houver UM que não é igual a ninguém mais?

A cena da prisão do filme "ensaio sobre a cegueira" ('blindness') me lembrou esse estado de natureza possível, à la hobbes, que com uma loucurinha poderia ser emendado no instante da criação da propriedade privada em rousseau, momento em que alguém declara aos demais, cercando-o, "este pedaço de terra é meu", e todos acreditam. Em verdade, isso está longe de ser uma simples declaração. Trata-se, muito mais, da constituição de uma nova organização. E parece que nada se constitui sem o assentimento geral, que dirá uma monarquia absolutista.

O sujeito se confere a inspiração, muso de si mesmo, para dizer "sou o rei deste inferno". Claro que poderia não haver um autointitulado demônio (desse jaez). Mas ele se anunciou e conseguiu se fazer presente. Mais uma vez, o um - quantos ainda? Cuidou logo dos negócios... amig*s à parte!

Aquele diabo se fez (ou se declarou) diante de um estado emergencial, excepcional, urgente: não será sempre assim? Agindo desse modo, eis que sentou no trono malcheiroso do soberano, justamente quem "decide sobre o estado de exceção" (carl schmitt). Ora, ora, o soberano não constata a exceção, ele a cria. E ao fazer a exceção, constrói, por via reflexa, a regra. A exceção é o tempo-espaço miraculoso em que as máscaras que o direito apõe ao funcionamento social caem por terra, explicitando uma engrenagem política que possui um único ponto de imputação.

Ocorre que, ilusões ao chão, naquela exceção de um universo escuro de cegos, com um imperador cego, se iluminou em uma revelação o que o ambiente da normalidade escondia... A mulher como moeda de troca e moeda de valor. A mulher-mercadoria.


Um comentário:

Guiga disse...

Li o "Ensaio sobre a cegueira", mas não havia me apercebido disso, bárbaro.