domingo, 27 de setembro de 2009

amantes: proto-crítica

two lovers (2008). filme de james gray que concorre à palma de ouro do cannes neste ano. a história trata de leonard (joaquin phoenix), abandonado pela sua noiva por não ter condições de engravidá-la. depois de procurá-la em vão por diversas vezes, entremeadas por tentativas de suicídios, se apaixona pela vizinha michelle, vendo-se, no entanto, impelido a se casar com sandra.
ao comentarem o filme, muitos críticos claramente assinalaram a dicotomia diante da qual leonard parece estar posto: de um lado (do lado de michelle), a "liberdade" ou a "fuga", a "rebeldia", a "emoção", a imagem do "moderno"; de outro (o de sandra), a prisão, a "conformidade", a "segurança", a "razão", a imagem do "clássico". essa divisão parece estar presente em algum grau no filme, mas desconfio que a narrativa vá além disso - o que explica sua força.
talvez o que mate x espectador/a (estou morta) não seja que essa cisão de mundos seja, de repente, colocada para um personagem confuso ou transtornado. o que se mostra tocante é que essa suposta 'confusão' não seja um vício propriamente distintivo de leonard. trata-se de um tipo de errância existencial, um estado que marca a vida de todas as personagens, com diferentes intensidades. com efeito, leonard não se vê tendo que escolher entre razão e emoção: as duas coisas estão nele, já, e a questão gira em torno do que fazer com elas em face do mundo.
ele ama michelle, mas não destrata sandra (e até se esforça para lhe sorrir). ele ama michelle, mas não deixa de se angustiar com o fato de ela ter um namoreco com um figura casado, que vive lhe prometendo o céu e lhe dando menos que o inferno. e com ela ele também se esforça, a fim de fazer alguns de seus caprichos. michelle não sabe se rompe com seu caso ou se compra uma bicicleta branca. sandra não é tão menos irracional. a mona se joga, mas num chão de concreto. ela fala sozinha. dialoga com a secretária eletrônica de leonard e quase pede desculpas a ele por ele não tê-la procurado.
nenhuma dicotomia dá conta da complexidade dessa realidade, em que todxs estão tentando ser felizes, cada um/a em suas circunstâncias. se seu pai lhe pede faça favores com um cabide "nós amamos nossos clientes"; se sandra, que lhe cai como uma luva, dá a leonard uma luva bem costurada e duradoura (mas que, a princípio, ele não tem a menor vontade de usar); se a única coisa que michelle de fato pede é justamente o que ele não pode dar a ela, uma relação de amizade fraternal, é que poucas coisas são mesmo simples.
em que termos (d)escrever o final do filme? haveria algumas form(ul)as bastantes simples: leonard ficou entre o amor da sua vida e o resto e, com a rejeição da primeira alternativa, abraçou a segunda; melhor viver mal que se matar; o conformismo venceu a rebeldia, como não podia deixar de ser, e outras semelhantes. prefiro pensar que o final do filme não determinou o fim da história, apenas sinalizou para o dado indispensável da possível construção do novo: a chance de se ousar permitir viver uma tentativa.

2 comentários:

Guiga disse...

Leonard somos todos nós.

Guiga disse...
Este comentário foi removido pelo autor.