"Era tentador prosseguir dali uma tentativa de análise da criação poética e artística em geral. O domínio da imaginação logo foi visto como uma 'reserva' feita durante a penosa transição do princípio de prazer para o princípio de realidade a fim de proporcionar um substituto para as satisfações instintuais que tinham de ser abandonadas na vida real. O artista, como o neurótico, se afastara de uma realidade insatisfatória indo para esse mundo da imaginação; mas, diferentemente do neurótico, sabia encontrar o caminho de volta daquela e mais uma vez conseguir um firme apoio na realidade. Suas criações, obras de arte, eram as satisfações imaginárias de desejos inconscientes, da mesma forma que os sonhos; e, como estes, eram da natureza das conciliações, visto que também eram forçados a evitar qualquer conflito aberto com as forças de repressão. Mas diferiam dos produtos a-sociais, narcísicos do sonhar, na medida em que eram calculados para despertar interesse compreensivo em outras pessoas, e eram capazes de evocar e satisfazer aos mesmos impulsos inconscientes repletos de desejos também nelas. Além disso, faziam uso do prazer percentual da beleza formal como o que chamei de um 'abono de incentivo'.
(...)
Meu ponto de partida foi a impressionante correspondência entre as duas ordenações tabus do totemismo (não matar o totem e não ter relações sexuais com qualquer mulher do mesmo clã do totem) e os dois elementos do complexo de Édipo (livrar-se do pai e tomar a mãe como esposa). Vi-me, portanto, tentado a equacionar o animal-totem com o pai; e, de fato, os próprios povos primitivos fazem isso explicitamente honrando-o como o ancestral do clã. A seguir vieram em meu auxílio dois fatos da psicanálise, uma feliz observação de uma criança feita por Ferenczi, que me permitiu referir-me a um 'retorno infantil do totemismo', e a análise de fobias animais iniciais nas crianças, que tantas vezes revelaram que o animal era um substituto do pai, um substituto para o qual o medo do pai, oriundo do complexo de Édipo, fora deslocado. Não me faltava muito para reconhecer o assassinato do pai como o núcleo do totemismo e o ponto de partida na formação da religião.
(...)
Depois que o animal totem deixou de servir como substituto para ele, o pai primitivo, ao mesmo tempo temido e odiado, reverenciado e invejado, tornou-se o protótipo do próprio Deus. A rebeldia do filho e sua afeição pelo pai lutavam uma contra a outra através de uma constante sucessão de conciliações, que procuravam, por um lado, reparar o ato do parricídio e, por outro, consolidar as vantagens que ocasionara. Esse ponto de vista da religião lança uma luz particularmente clara sobre a base psicológica do cristianismo, no qual, como sabemos, a cerimônia da refeição totem ainda sobrevive com apenas um pouco de distorção, sob a forma de comunhão."
(Freud, Um estudo autobiográfico (1925), volume XX das Obras completas).
(Freud, Um estudo autobiográfico (1925), volume XX das Obras completas).
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