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A decisão filosófica guiou-me também, desde os anos de 1970, na luta contra a destruição da universidade pública e laica, destruição realizada sob várias formas pelo Estado brasileiro, sob os efeitos da sociedade administrada. O primeiro momento da destruição, ainda sob a ditadura, deu-se com a imposição da "universidade funcional", oferecida às classes médias para compensá-las pelo apoio à ditadura, oferecendo-lhes a esperança de rápida ascensão social por meio dos diplomas universitários. Foi a universidade da massificação e do adestramento rápido de quadros para o mercado das empresas privadas instaladas com o "milagre econômico". A partir dos anos de 1990, sob os efeitos do neoliberalismo, deu-se a nova fase destrutiva com a implantação da "universidade operacional", isto é, o desaparecimento da universidade como instituição social destinada à formação e à pesquisa, surgindo em seu lugar uma organização social duplamente privatizada: de um lado, porque a serviço das empresas privadas é guiada pela lógica do mercado; de outro, porque seu modelo é a empresa privada, levando-a a viver uma vida puramente endógena, voltada para si mesma como aparelho burocrático de gestão, fragmentada internamente e fragmentando a docência e a pesquisa. Essa universidade introduziu a idéia fantasmagórica de "produtividade acadêmica", avaliada segundo critérios quantitativos e das necessidades do mercado. Essa imagem da produção universitária tem sido uma das causas de sua degradação interna e de sua desmoralização externa, pois é uma universidade que despreza o pensamento e o ensino.
Nessa luta contra a degradação e a desmoralização da universidade, uma idéia da docência tem sido inspiradora para mim. Ela me foi dada por meu mestre Bento Prado. Com ele, descobri que o ensino é formador quando não é transmissão de um saber do qual nós seríamos senhores, nem é uma relação entre aquele que sabe com aquele que não sabe, mas uma relação assimétrica entre aquele cuja tarefa é manter vazio o lugar do saber e aquele cujo desejo é o de buscar esse lugar. Com Bento Prado aprendi o sentido de uma existência filosófica docente formadora, pois com ele aprendi que há ensino filosófico quando o professor não se interpõe entre o estudante e o saber e quando o estudante se torna capaz de uma busca tal que, ao seu término, ele também queira que o lugar do saber permaneça vazio. Há ensino filosófico quando o estudante também se tornou professor porque o professor não é senão o signo de uma busca infinita, aberta a todos. Em outras palavras, com mestre Bento Prado descobri o sentido da liberdade que preside ensinar e aprender.
Há pouco, disse que o desejo de viver uma vida filosófica significa admitir que as questões são interiores à nossa vida e à nossa história. É preciso, agora, acrescentar que as questões são apenas índices ou signos da indeterminação essencial de nossa experiência e que acedemos a uma vida filosófica quando essa indeterminação, por mais apavorante que seja, nos fascina e nos arranca de nós mesmos. Assim, quando falo em vida filosófica, penso nas palavras extraordinárias escritas por Merleau-Ponty no dia em que foi recebido no Collège de France, que me permito reproduzir aqui, citando o Elogio da Filosofia:
""A filosofia e o ser absoluto não estão acima dos erros rivais que se opõem no século; esses erros não são erros da mesma maneira e a filosofia, que é a verdade integral, tem a tarefa de dizer o que pode integrar de cada um deles [...]. O absoluto filosófico não tem sede em parte alguma, nunca está alhures, mas é para ser defendido em cada acontecimento [...]. Ao final de uma reflexão que, de início, o afasta, mas para melhor fazê-lo experimentar os laços de verdade que o prendem ao mundo e à história, o filósofo encontra, não o abismo do si ou do saber absoluto, mas a imagem renovada do mundo e dele próprio plantado nela, no meio dos outros [...]. O filósofo é o homem que desperta e fala, e o homem contém silenciosamente os paradoxos da filosofia, porque para ser inteiramente homem, é preciso ser um pouco e pouco menos homem"".
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A decisão filosófica guiou-me também, desde os anos de 1970, na luta contra a destruição da universidade pública e laica, destruição realizada sob várias formas pelo Estado brasileiro, sob os efeitos da sociedade administrada. O primeiro momento da destruição, ainda sob a ditadura, deu-se com a imposição da "universidade funcional", oferecida às classes médias para compensá-las pelo apoio à ditadura, oferecendo-lhes a esperança de rápida ascensão social por meio dos diplomas universitários. Foi a universidade da massificação e do adestramento rápido de quadros para o mercado das empresas privadas instaladas com o "milagre econômico". A partir dos anos de 1990, sob os efeitos do neoliberalismo, deu-se a nova fase destrutiva com a implantação da "universidade operacional", isto é, o desaparecimento da universidade como instituição social destinada à formação e à pesquisa, surgindo em seu lugar uma organização social duplamente privatizada: de um lado, porque a serviço das empresas privadas é guiada pela lógica do mercado; de outro, porque seu modelo é a empresa privada, levando-a a viver uma vida puramente endógena, voltada para si mesma como aparelho burocrático de gestão, fragmentada internamente e fragmentando a docência e a pesquisa. Essa universidade introduziu a idéia fantasmagórica de "produtividade acadêmica", avaliada segundo critérios quantitativos e das necessidades do mercado. Essa imagem da produção universitária tem sido uma das causas de sua degradação interna e de sua desmoralização externa, pois é uma universidade que despreza o pensamento e o ensino.
Nessa luta contra a degradação e a desmoralização da universidade, uma idéia da docência tem sido inspiradora para mim. Ela me foi dada por meu mestre Bento Prado. Com ele, descobri que o ensino é formador quando não é transmissão de um saber do qual nós seríamos senhores, nem é uma relação entre aquele que sabe com aquele que não sabe, mas uma relação assimétrica entre aquele cuja tarefa é manter vazio o lugar do saber e aquele cujo desejo é o de buscar esse lugar. Com Bento Prado aprendi o sentido de uma existência filosófica docente formadora, pois com ele aprendi que há ensino filosófico quando o professor não se interpõe entre o estudante e o saber e quando o estudante se torna capaz de uma busca tal que, ao seu término, ele também queira que o lugar do saber permaneça vazio. Há ensino filosófico quando o estudante também se tornou professor porque o professor não é senão o signo de uma busca infinita, aberta a todos. Em outras palavras, com mestre Bento Prado descobri o sentido da liberdade que preside ensinar e aprender.
Há pouco, disse que o desejo de viver uma vida filosófica significa admitir que as questões são interiores à nossa vida e à nossa história. É preciso, agora, acrescentar que as questões são apenas índices ou signos da indeterminação essencial de nossa experiência e que acedemos a uma vida filosófica quando essa indeterminação, por mais apavorante que seja, nos fascina e nos arranca de nós mesmos. Assim, quando falo em vida filosófica, penso nas palavras extraordinárias escritas por Merleau-Ponty no dia em que foi recebido no Collège de France, que me permito reproduzir aqui, citando o Elogio da Filosofia:
""A filosofia e o ser absoluto não estão acima dos erros rivais que se opõem no século; esses erros não são erros da mesma maneira e a filosofia, que é a verdade integral, tem a tarefa de dizer o que pode integrar de cada um deles [...]. O absoluto filosófico não tem sede em parte alguma, nunca está alhures, mas é para ser defendido em cada acontecimento [...]. Ao final de uma reflexão que, de início, o afasta, mas para melhor fazê-lo experimentar os laços de verdade que o prendem ao mundo e à história, o filósofo encontra, não o abismo do si ou do saber absoluto, mas a imagem renovada do mundo e dele próprio plantado nela, no meio dos outros [...]. O filósofo é o homem que desperta e fala, e o homem contém silenciosamente os paradoxos da filosofia, porque para ser inteiramente homem, é preciso ser um pouco e pouco menos homem"".
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