quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

começou com o livro do didier eribon. as palavras se descolavam da pagina com alguma resistência mas o campo da retina atraia fatalmente seus corpos frageis, estampas negras vazadas de brancos espaços. primeiro o olho esquerdo, depois ambos tremeram de atençao. uma tremidinha de nada, bem discreta, como acontece as vezes com um musculo da coxa tensionado. e quanto mais cuidado, mais as palavras vinham com sentido, potes carregados de sentidos caindo pelas bordas... transpassando os limites dos cilios, chegando molhados na boca. meus olhos absorviam quanto podiam com entusiasmo e movimento. em pouco tempo os conhecidos passaram a rir com graça do meu tic e nao tardou para que os desconhecidos rissem com maldade, apos olhares indiretos, curiosos e estupefatos. dali uns dias a tremedeira se tornara intermitente, dominara minha cabeça e eu saia pelos boulevards parisienses dançando ritmos africanos jamais vistos ao som da passagem dos onibus.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

revoluçao silenciada ? a noticia que nao chegou aqui



Parece que a falência do banco Icesave resultou numa divida de 3,5 milhões de euros da ISlândia, devidos aos Paises Baixos e ao Reino Unido. O pagamento desse valor, aprovado pelo Legislativo, levaria cada pessoa a saldar aproximadamente 100 euros por mês durante 8 anos. O presidente se negou a assinar o projeto de lei e propõs um referendo sobre essa crise financeira. e politica Cansado da politica elitista da direita, bem como da complacência da esquerda levada ao governo pelo povo em 2009, 93% do povo islandês votou contra o reembolso dos bancos que provocaram e sofreram os embates mundiais por conta de ambições desmesuradas, do direcionamento liberal dos Estados e, no fim das contas, da logica mesma do sistema capitalista.

Começou-se, entao, o processo para compor uma Assembléia Constituinte, podendo-se candidatar qualquer cidadã/o, desde que nao fosse um politico anteriormente eleito, que tivesse 18 anos completos e que contasse com o apoio de ao menos 30 pessoas. Foram inscritas 522 pessoas. A Assembléia foi eleita no dia 27 de novembro de 2010, formada por 25 pessoas do povo. O que se anuncia é uma politica de nacionalizaçao dos recursos e do sistema financeiro. Mas por conta dos interesses coronelistas da midia, nao temos informações detalhadas do que se passa ali ao lado. Porque a globalização so existe quando convém...

Fonte: cadtm.org


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

“Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, o resto vem depois. Isto são as apostas (jeux); é preciso antes uma resposta. E se é verdade, como o quer Nietzsche, que um filósofo, para ser estimável, deve rezar o exemplo, compreende-se a importância dessa resposta, pois ela precede o gesto definitivo. Aí estão as evidências sensíveis ao coração, mas que é preciso aprofundar para torná-las claras ao espírito”
(Albert Camus, Le mythe de Sisyphe: essai sur l’absurde, Paris: Gallimard, 1942, p. 17).
“(...)
KALIAYEV: É grave. Mas era preciso.
FOKA : Por que? Você vivia na corte? Uma história com mulher, não? Bem feito como você é...
KALIAYEV : Eu sou socialista.
O CARCEREIRO : [Falem] Menos alto.
KALIAYEV, mais alto: Eu sou socialista revolucionário.
FOKA : Eis aí uma história. E que que você tinha que ser como você diz que é? Você tinha era que ficar tranquilo e tudo iria melhor. A terra é feita para os Barines.
KALIAYEV: Não, ela é feita para você. Há miséria demais e crimes demais. Quando houver menos miséria haverá menos crimes. Se a terra fosse livre você não estaria aqui.
FOKA : Sim e não. Enfim, livre ou não, nunca é bom beber um gole além do limite.
KALIAYEV : Não é jamais bom. Somente se bebe porque se é humilhado*. Chegará um tempo onde não será mais útil beber, onde ninguém terá mais vergonha, nem Barine, nem pobre diabo. Nós seremos todos irmãos e a justiça fará nossos corações transparentes. Você sabe do que falo?
FOKA : Sim, é o reino de Deus.
O CARCEREIRO : Menos alto.
KALIAYEV : Não é preciso dizer isso, irmão. Deus não pode nada. A justiça é nossa incumbência (um silêncio). Você não entende? Você conhece a lenda do santo Dmitri?
FOKA : Não.
KALIAYEV : Ele tinha um encontro com Deus na estepe, e ele se apressava quando encontrou um camponês cujo veículo estava atolado. Então santo Dmitri o ajudou. A lama estava espessa, o lamaçal profundo. Foi preciso batalhar durante uma hora. Quando isso acabou, santo Dmitri correu para o encontro. Mas Deus não estava mais lá.
FOKA : E daí?
KALIAYEV : E daí que há aqueles que sempre chegarão atrasados aos encontros porque há veículos demais atolados, e irmãos demais a socorrer.
Foka recua.
KALIAYEV :O que ele tem?
O CARCEREIRO : Menos alto. E você, velho, apresse-se.
FOKA : Estou desconfiado. Nada disso é normal. Não se costuma vir parar na prisão por conta dessas histórias de santo e de charrete. E depois tem outra coisa.
O carcereiro ri.
KALIAYEV, o olhando : O que é?
FOKA : O que se faz com aqueles que matam o grande-duque?
KALIAYEV : Enforca-os.
FOKA : Ah! (e ele vai indo embora, enquanto o carcereiro ri mais forte).
KALIAYEV : Fique. O que eu lhe fiz?
FOKA : Você não me fez nada. No entanto, você é tão Barine, não quero te enganar. A gente conversa, passa o tempo assim, mas se você deve ser enforcado isso não é bom.
KALIAYEV : Por que?
O CARCEREIRO, rindo : Vai, velho, fala...
FOKA : Porque você não pode me falar como um irmão. Sou eu que enforco os condenados.
KALIAYEV : Você não é prisioneiro também?
FOKA : Justamente. Eles me propuseram de fazer este trabalho e, para cada pendurado eles me retiram um ano de prisão. É um bom negócio.
KALIAYEV : Para perdoar seus crimes, eles te fazem cometer outros?
FOKA : Oh, estes não são crimes, porque são mandados. E depois, para eles dá na mesma. Se você quer saber minha opinião, eles não são cristãos”.

(Albert CAMUS, Les justes, France : Gallimard, 1950, p. 101-105).

* Estou ciente de que em Maringá isso geraria muitas controvérsias (regadas à mardita).

na defesa IV

Essa müsica do Bezerra da Silva é interessante porque nela ele conta um episödio que ocorreu: a tentativa de censura do lançamento de um disco, por conta das letras de seus sambas, muitos das quais, com um caräter notavelmente jurïdico. No samba que segue, ele faz uma auto-defesa das suas defesas...

JUSTICA SOCIAL
Bezerra da Silva

Quase prendem meu disco houve um disse-me-disse
Pintaram o diabo, só porque em outro samba
Eu pedi para um homem não ser condenado
Fala mais alto a justiça lá do céu
Que atire a primeira pedra aquele que nunca foi réu
Fala mais alto a justiça lá do céu
Que atire a primeira pedra aquele que nunca foi réu

Eu sei que errar é humano
Na vida é comum tem a primeira vez
Mas vale é ser consciente pois muito inocente
Já pagou por aquilo que não fez
É que a balança da justiça social
Só pesa pra lei escrita isto não está legal
É que a balança da justiça social
Só pesa pra lei escrita isto não está legal

Quase prendem meu disco houve um disse me disse...

Meus versos sem ser intelecto
Busca o mais certo para o bom viver
Eu sou o "Joio" e o "trigo" a mistura de amigos
Razão do meu ser
Eu sou a parte de quem foi e de quem fica
Sou elo da sociedade que o meu nome identifica

Falto a jutiça lá do céu
Que atire a primeira pedra aquele que nunca foi réu

na defesa III

Dessa vez, Bezerra da Silva critica o direito, porque este se exerce seletivamente, voltando-se contra pobres e negrxs. Segundo o sambista, a lei "protege o golpista": ela é "implacàvel" para os os "favelados", mas deixa livre o ladräo que mais rouba, o homem do "colarinho branco" que furta o equivalente ao ouro da Serra Pelada inteira. A irracionalidade da pràtica do direito so pode ser fruto da discriminaçào, é preconceito de cor.

PRECONCEITO DE COR
Bezerra da Silva

Eu assino embaixo doutor por minha rapaziada
Somos criolos do morro mas ninguém roubou nada
Isso é preconceito de cor vou provar ao senhor
Porque é que o doutor não prende aquele careta
Que só faz mutreta e só anda de terno
Porém o seu nome não vai pró caderno
Ele anda na rua de pomba rôlo
A lei só é implacável para nós favelados
E protege o golpista , ele tinha de ser
O primeiro da lista
Se liga nessa doutor ih
É vê se dá um refresco isso não é pretexto
Pra mostrar serviço
Eu assumo o compromisso
Pago até a fiança da rapaziada
Porque que é que ninguém mete o grampo
Num pulso daquele de colarinho branco
Roubou jóia e o ouro da serra pelada