quarta-feira, 30 de maio de 2012

Triângulos amorosos
(Ética do Espinosa, parte III - uma leitura sem muita lógica e sem pretensões, com base em notas de aula e reflexões)

Definições prévias
* Todos os sentimentos são decorrentes ou da alegria ou da tristeza.
*Alegria é o sentimento que aumenta meu conatus, isto é, minha potência ou desejo de perseverar na existência; a alegria tende a aumentar minha vontade de conservá-la; ela tende a se multiplicar e a querer multiplicar tudo o que a faz crescer em mim.
* Tristeza é o sentimento que diminui meu conatus; é o oposto da alegria.


Quando vejo que "Fulana" ama quem eu amo ("Cicrana"), em um primeiro momento me alegro com Fulana e a amo também. Primeiro, porque ela alegra Cicrana e eu quero que Cicrana seja feliz. Depois, porque Fulana aumenta meu amor por Cicrana, pois confirma a amabilidade de Cicrana... com isso, passo a amá-la também por imitação. Ainda, meu amor aumenta, pois além do que já me fazia amar Cicrana (a causa "original"), surge uma causa adicional ou externa (Fulana). 


Mas quando Fulana passa a significar - na minha imaginação, não necessariamente nos fatos - uma ameaça para a força do elo que quero ter com Cicrana, uma "concorrência"  [e a alegria do amor quer sempre se multiplicar e aumentar], então Fulana se torna causa de tristeza para mim. Tristeza: aquele sentimento que implica na coibição do meu esforço de perseverar na existência (conatus), que destrói um pedaço de mim. Quando associo Fulana a essa tristeza eu a odeio. 


Acontece que não odeio apenas à Fulana. Eu a odeio quando a imagino associada ao meu amor, à Cicrana... Então relaciono ambas à minha tristeza (que vai virar ódio). Desse modo, eu amo e odeio Cicrana ao mesmo tempo, ou seja, experimento uma flutuação de ânimo.


O ódio à pessoa amada, conjugado à inveja (que é outro tipo de ódio) gera ciúme, relacionando Cicrana a Fulana. Quanto mais amor Cicrana me dava, mais sinto que perdi pela chegada de Fulana e tanto mais tendo a odiar a ambas (sentindo tanto inveja quanto ciúmes). Olha essa passagem incrível do Espinosa:
"quem imagina, com efeito, a mulher que ama se entregando a uma outra pessoa ficará entristecido/a, não somente porque seu próprio conatus está reduzido, mas também porque como é obrigado/a a relacionar a imagem da coisa amada às partes íntimas e às excreções da outra pessoa, sentirá aversão; ao que se soma, enfim, que o/a ciumento/a não é mais acolhido/a pela pessoa amada com o mesmo olhar que estava acostumado/a e também por tal razão um/a amante fica entristecido/a, como demonstrarei" (escólio, prop. 35).
A alteração das circunstâncias da nossa relação transforma meus sentimentos. Sinto que a Cicrana que eu amei não é mais a mesma. Não a mesma que agora odeio. O ciúme tende a destruir o amor. Ora, o amor  deriva de traços de semelhanças entre as pessoas (simpatia). Se tendemos a ser invejosos(as) e ciumentos(as), já que o conatus faz com que queiramos aprofundar nossas ligações de amor ao máximo, o ódio tende a prevalecer. É desse modo que podemos destruir tudo o que há de comum com as pessoas que nos cercam.


[proposições 15 a 36]

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