domingo, 29 de novembro de 2009

"acordar cedo com grana no bolso cortar o cabelo frequentar a fila de um supermarket qualquer e ver a multidão de consumidores e suas sacolas plásticas aquelas pessoas todas que nunca deconfiam de nada. se sentir rídiculo diante de tudo isso enquanto lá fora um hippie num semáforo faz malabaris sob um chuva leve. saber que a ração de seu cachorro acabou e se confortar porque ao menos ele acredita em ti. possuí um amor tão instintivo por ti que seu cheiro e talvez até sua dor possa ser reconhecido a um quarteirão de distância" Guiga (oagui.wordpress.com).

o governo, por Hume

"Embora o governo seja uma invenção muito vantajosa, e mesmo, em algumas circunstâncias, absolutamente necessária para a humanidade, ele não é necessário em todas as circunstâncias; não é impossível preservar a sociedade durante algum tempo sem recorrer a essa invenção. É verdade que os homens mostram-se sempre muito inclinados a preferir o interesse presente ao distante e remoto; não lhes é fácil resistir à tentação de uma vantagem da qual possam gozar imediatamente, pela apreensão de um mal que ainda está longe.
(...) O estado da sociedade sem governo é um dos estados mais naturais do homem, podendo subsistir mesmo após a conjunção de várias famílias e até muito depois da primeira geração. Nada a não ser um aumento da riqueza e dos bens poderia obrigar o homem a abandoná-lo"

david HUME, tratado da natureza humana, tradução de déborah danowski - sp: ed. unesp/imprensa oficial, p. 579-580.

piloto automático

dirigido por bastian günther, o filme piloto automático [autopiloten, 2007] é um pedaço da história de quatro homens que se cruzam nas estradas da alemanha: um treinador de futebol que deve enfrentar um jogo crucial para sua carreira, um negociante de banheiras elevadiças que tenta vendê-las de porta em porta, um jornalista independente procurando seu grande furo e o cantor dos grandes sucessos de 20 anos atrás.
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todos eles são mostrados em momentos muito dolorosos. o treinador se sente em vias de ser escusamente dispensado. sua situação lhe é apresentada como se sua permanência no time dependesse de uma vitória no próximo jogo. contudo, há poucas horas da partida, o diretor o encontra para lhe ordenar que deixe de fora o novato da equipe - justo o jogador em que eram depositadas suas esperanças. o treinador mantém a formação mais apta para a vitória, coloca-a em campo, pega o carro e vai embora. em um posto de beira de estrada liga para sua família e pergunta como fora o aniversário do filho. a mulher o trata mal e não aceita que ele vá para casa, mas ele chega à sua revelia. no dia seguinte, para espanto dela, ele aparece brincando de bola com o moleque. ele ainda está lá e parece que para ficar.
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o cantor não toca mais em palcos de shows. ele é chamado para pequenas apresentações em festas de fábricas e em parques públicos, onde rememora os episódios grandiloquentes do passado. nos bares das vilas e das autovias se alimenta, bebe, assiste futebol, conhece pessoas. em uma dessas vezes, uma antiga fã vem falar com ele, a ex-esposa do jornalista. ela vai assiti-lo e depois o leva para sua casa, onde dormem juntos. ele deixa para ela um cartão-postal (havia mandado fazer mil) no meio da noite e vai embora sozinho para um bar onde assisitrá ao jogo do time do treinador, e onde levará uma surra.
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o jornalista recebe um telefonema de sua ex-mulher, que pergunta se ele pode levar seu filho para casa, já que o garoto precisa fazer lição e estudar. O pai o pega, dizendo que vai levá-lo para casa, mas quer a todo custo mostrar a ele o seu trabalho. Fica sabendo de um incêndio e se dirige ao local, onde não o deixam entrar por trabalhar de forma independente. O menino fica de certo modo contente, quer ir pra casa. Mas o pai faz de tudo para não levá-lo para lá, e os conduz até o entrecruzamento das principais autovias da região, o seu escritório. Naquele ponto aguardaria horas pela notícia que lhe garantiria a matéria sensacionalista. Só consegue mudar a cara fechada do menino ao lhe perguntar sobre a garota com quem ele está saindo. Ao deixá-lo em frente à residência da ex-mulher para que o filho possa ir a uma festa, ouve do menino que o dia fora divertido. Já no meio da noite é contactado para levá-lo ao pronto-socorro, o garoto foi ferido gravemente na festa pelo vendedor de banheiras.
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o vendedor de banheiras tem uma vida dupla. apesar de casado, ele se encontra com frequência com outra mulher (tb casada) depois das longas vendas, que tomam o tempo e a paciência do dia todo. quando ela se vê subitamente impossibilitada de recebê-lo, ele surta e resolve sair para conhecer outras mulheres. na lanchonete, quase apanha dos namorados de duas garotas, para quem comprara sanduíches por sua livre iniciativa. na balada, a linda menina que dançava com ele saiu com outro enquanto ele buscava uma bebida. com raiva, trombou com o filho do jornalista, que o chamou de idiota antes de entrar no banheiro. o vendedor foi atrás dele e o espancou até o chão. depois se arrependeu e foi embora. na manhã seguinte, procurando se recuperar, passa por um parque, onde ouve o cantor.
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ao fundo desse desenrolar de histórias permanece sempre ligada uma tv no canal que noticia que um boeing 747 fora sequestrado por alemães e que o governo adotará medidas para fazê-lo pousar à força, evitando abatê-lo peremptoriamente.
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em meio aos movimentos de ir e vir das coisas e das gentes, das comoções e locomoções, nas pistas de todos os tipos, nos caminhos que se atravessam e que as pessoas escolhem para si e sobre a qual se constróem, ocorrem tragédias, vidas acidentadas, mas também muitas oportunidades, encontros, felicidades.
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apesar de os quatro personagens parecerem muito ligados em função do recorte do trabalho, e das perspectivas econômicas pessimistas do futuro próximo, o que talvez melhor os relacione seja o aprofundamento do além-trabalho, do que se encontra na esfera dos sentimentos e relações íntimas desses homens. ou seja, do que independe da dinâmica das atividades financeiras, e às vezes até conflitua com elas.
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dois deles possuem filhos, com quem têm um contato difícil, por diferentes razões, mas com quem parecem querer se relacionar amorosamente. e talvez eles assim o façam verdadeiramente, à sua maneira. a questão de todos parece se dar com a pessoa amada (nos quatro casos, mulheres) e a esfera e a energia que eles haviam reservado para ela em suas vidas.
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sem dúvida, é um filme sobre masculinidades. não sobre o ideal ou o lixo de homem segundo a nossa cultura, ambos polarizados em imagens de espécies animais distintas. nem super-homem nem cachorro-sem-raça nem cristo-encarnado. a história se mostra bem mais interessante que tudo isso por representar uma visão mais dura e mais doce que essa, algo mais real e presente, dando-nos notícia do que podemos ser e mudar, para quem sabe evitarmos de nos colocar sob a direção de um invisível piloto automático.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

rabiscada

no cantinho da página seguinte só se podia ler escrito em azul borrado "é o novc". não arrancaram o tapete do "o", foi a borda da página que deixou metade dele escorregar sem mais nem menos. quero dizer, com menos. uma banda da letra se perdeu pras bandas de lá da mesa e nunca mais foi vista por aqueles capítulos.
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três pontinhos em uma grafia esprimida para ser lida com a lupa dos óculos e dos olhos ceguetas. de longe mal se sabia se o que vinha antes deles era um "e" ou um "l". as letras impressas que ficavam grudadas bem ao lado discutiam amplamente o assunto para saberem qual era a natureza daquele serzinho que alguém escrevera ali a mão.
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o "a" impresso não queria de jeito nenhum que ao seu lado alguém tivesse posto outro igual a ele. dizia que desse modo não poderia ser porque em português claro não haveria duas vogais seguidas. é claro que as demais letras, com receio de que a denominada intrusa pudesse competir com elas, contra-argumentavam com toda a sua tinta, até quase desbotarem. pro desespero de "a", alegavam que se houvesse um pequeno espaço entre as vogais uma poderia ser o início e a outra o fim de duas palavras distintas. assim, poderia muito bem ser que tivessem escrito uma letra "a" ao lado dele.
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o "a" impresso ficava muito apreensivo... dava dó até em quem nem gostava tanto dele. não suportando o rumo daquela soletração, resolveu apelar dizendo que tudo poderia acabar ficando ilegível. aquela frase - especialmente a palavra "ilegível" - silenciou todo o parágrafo de repente, que agora queria ouvi-lo. e ele (que não era bobo nem nada) aproveitou para bradar com o ar aristocrático e pomposo que o caracterizava, tentando disfarçar o medo que sentia por meio da sua disseminação geral: "se eu, que sou o elemento alfabético mais importante de todos, posso ser ignorado com a chegada dessa intrusa, que dirá vocês, que são o resto?!".
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no seu pensamento unilinear, não percebia que a outra letra só estava ao seu lado por acaso, sem pretensão alguma de lhe tomar o sentido - sentido, aliás, que não era um só, nem estava isolado só nele ("a"). mas receava não ser falado, tornar-se uma mera cauda da pronúncia da outra letra que porventura estivesse na palavra sua vizinha. isso era inconcebível, ainda mais sendo ele um tipo impresso! "que direito", pensava, "aqueles elementos de caneta bic achavam que tinham?!".
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sentia-se ameaçado. de cima para baixo, de ladinho, de baixo para cima: onde a letra impressa desse lugar lá estaria, de um dia para o outro, um povoamento de novas expressões, palavras ou siglas inscritas. o tema gerou crise naquela página, que durou e perdurou até as vogais e consoantes mal-ditas resolveram se juntar à sopa de letrinhas. explicaram que a presença delas lá só se justificava porque havia letras impressas, as quais tentavam esclarecer, pontuar, descrever, resumir (ninguém se atreveu a assinalar que também podiam servir para discordar delas). que, enfim, seriam complementares, poderiam ser amigas!
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muitas se animaram na hora, e letras de diferentes origens passaram a se integrar imediatamente, num clima descontraído e bem linguajeiro de sonoridades. porém, "a" não agiu assim. ele ponderou longamente sobre o que acabara de ouvir. fez e refez seu raciocínio algumas vezes até se assegurar de sua exatidão - o bastante para mais uma vez estufar aquela sua barriguinha. agora ele se gabaria apresentando-se como a razão de ser daquele amontoado de seres de segunda classe, dependurados nos espaços em branco das folhas, fora da pauta das linhas, muitos deles sem identidade definida, "recadinhos vãos".
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foi aí que a última letra da palavra "novc" interveio. ela afirmou que se sentia muito bem incompleta como estava. seu inacabamento era uma forma que a satisfazia. tinha dia em que gostava de se ver como "e"; em outros, como "c". mas do que ela gostava mesmo era de se ver como parte do novo. por mais que volta e meia estivesse no plano de alguma linha, era sempre bom poder se lançar nas entrelinhas do sentido e do non-sense.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

artigo essencial sobre césare battisti, com outras referências ao final. "battisti e o gládio berlusconi": http://passapalavra.info/?p=15107.

diálogos não-platônicos

sim concordo com você sobre isso ah você não mas eu havia pensado claro talvez eu devesse tentar me se ao menos você deixasse não estou conseguindo mas será que assim nossa estou escutando veja bem eu eu eu espera sim concordo com você.

domingo, 22 de novembro de 2009

desutopia

“No entanto, apesar de sua intensidade, e por mais que criem novos espaços e novas formas de comunidade, e pensemos na linhagem que vai de Seattle a Gênova, passando por Chiapas, ou mesmo a mobilização planetária contra a guerra do Iraque, essas revoltas ainda parecem obsoletas. É que uma exigência maior se impõe a cada dia: a de ir além da recusa, transpôr o Império para ‘sair do outro lado’. Trata-se de construir, no não-lugar que as desconstruções das últimas décadas deixaram e no vazio que o Império produziu, um lugar novo, a partir da sinergia da multidão, tecendo ontologicamente novas determinações do humano, de vida. A utopia que se entrevê nesse tom a um só tempo cáustico e terno não configura um contorno acabado com cores de um outro mundo, mas apenas prolonga as linhas de força já presentes neste mundo, num telos coletivo e experimental da multidão. Ao invés de utopia, seria mais conveniente falar em desutopia.” (Pál Pelbart, em debate com Paulo Arantes sobre Império, de Hardt e Negri: http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1668,2.shl)

escuta, zé mané

não sei se por conta da grande ansiedade de assistir o paulo césar peréio (ainda mais encenando um texto próprio), que causava no palco desde muito antes de inventarem essa expressão engraçadinha, ou se porque a peça se inspiraria nas questões mais claramente políticas de wilhelm reich, o que me deixou com mil expectativas, mas 'escuta, zé mané' foi um baldinho de gelo numa noite gelada.

o peréio afirmou que queria 'traduzir' reich pro público popular, mas saí com a impressão de que ele acabou traduzindo um certo público impopular pro reich... "zé mané, não vá trocar uma biblioteca por um puteiro..." - é cômico. a primeira parte da encenação ia bem, com cutucadas pra todos os desgostos, mas depois o auditório do sesc foi parecendo cada segundo mais com uma igreja e os corolinhas com o padre coçando. a função do orgasmo? deixar a professorinha da escola menos amarga. as mulheres se dividem entre as putas desgraçadas (que o peréio parece não odiar tanto) e as saudáveis, ou seja, as que dão devidamente para seus maridos infiéis.
o peréio e o filho tavam tão gozosos de estarem supostamente provocando a platéia que esqueciam o que diziam e o potencial interesse do texto, da palavra expressada, do mais gostoso do teatro. para falar do(a) zé é preciso antes escutá-lo(a), saber ouvi-lo(a). depois das repetições acéfalas de "sai da lama, jacaré" me perguntava quem dali não seria zé mané...

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Revanche
(Lobão e Bernardo Vilhena)
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Eu sei que já faz muito tempo que a gente volta aos princípios
Tentando acertar o passo usando mil artifícios
Mas sempre alguém tenta um salto, e a gente é que paga por isso, oh!
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Fugimos prás grandes cidades, bichos do mato em busca do mito
De uma nova sociedade, escravos de um novo rito
Mas se tudo deu errado, quem é que vai pagar por isso?
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Quem é que vai pagar por isso?
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais ...
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A favela é a nova senzala, correntes da velha tribo
E a sala é a nova cela, prisioneiros nas grades do vídeo
E se o sol ainda nasce quadrado, a gente ainda paga por isso
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E a gente ainda paga por isso, e a gente ainda paga por isso
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais ...
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O café, um cigarro, um trago, tudo isso não é vício
São companheiros da solidão, mas isso só foi no início
Hoje em dia somos todos escravos, e quem é que vai pagar por isso?
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Quem é que vai pagar por isso?
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais ...
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(Vídeo (pule os primeiros 26 segundos): http://www.youtube.com/watch?v=71qg_yEpxAA&feature=related)
"A emancipação começa em ti mesmo ou mesma, não te seduz esta idéia?" (Grupo Pró-Libertação Sexual)
Madri, 09 de outubro de 2009, http://www.dgenero.org/

terça-feira, 17 de novembro de 2009

"Eu na verdade não perdi nada, porque não lutei por algo que podia levar comigo" (Cesare Battisti)

(conferir a íntegra da carta em: http://passapalavra.info/?p=14934)

a folha de s.p., esse jornal que certamente não poderia ser dito controverso - porque isso seria assumir o grande êxito de que propiciaria alguma discussão mais significativa nisto que se chamou de "esfera pública" paulista (que sequer existe) -, desde as primeiras reportagens sobre cesare battisti não hesitou nenhuma vez em nomeá-lo, nas manchetes de capa, com letras tamanho 42, "terrorista".

isso aconteceu depois de o conare (conselho nacional de refugiados) lhe ter negado refúgio e de o ministério da justiça tê-lo garantido mesmo assim. isso aconteceu antes mesmo de o supremo tribunal federal (stf) começar a julgar a existência de eventual 'conflito' ou sobreposições de funções entre os órgãos do poder executivo, assim como a obediência aos princípios constitucionais de relações exteriores neste caso. enfim, o jornaleco condenou o italiano sumariamente, contando a versão dos fatos assumida pelo governo italiano, antes de as entidades competentes brasileiras o fazerem e sem garantir ao acusado o direito de se defender, o que deveria ser um princípio dos mais elementares deste estado e do jornalismo sério.

não é muito diferente do que a itália fez contra ele e os demais membros da luta armada contra o estado fascista nas décadas de 70 em diante. de fato, talvez a mensagem de battisti de que ser extraditado para aquele país significa ser condenado à pena de morte seja mais que uma frase de efeito. não só não pôs um fim ao fenômeno fascista das décadas passadas, como o país ainda indica uma retomada das suas bases.

em fevereiro e julho deste ano, editou cinco leis que dispunham sobre o confinamento de ciganos a certas áreas predeterminadas, a denúncia à polícia de imigrantes ilegais por médicos da rede pública de saúde que os atenderem, as "rondas de cidadãos" (grupos paramilitares formados por cidadãs/os que ganharam o direito de usar cassetetes e spray de pimenta em nada diferentes das chamadas freikorps da alemanha nazista e dos squadristi de mussolini) para garantirem a 'ordem', a criminalização da imigração ilegal, o apenamento, com até três anos de reclusão, dxs italianxs que oferecerem suas casas como abrigo, a obrigatoriedade de qualquer servidor/a públicx denunciar x imigrante ilegal que procura emprego, a proibição de xs filhxs dessxs estrangeirxs serem registradxs e reconhecidxs no país (permanecendo apátridas - o que nem mesmo Hitler foi capaz de fazer!), a proibição de o/a cidadã/o italianx contrair matrimônio com um/a estrangeirx irregular.

junto a tudo isso, berlusconi pretendeu criar uma alta cúpula blindada de quaisquer tipos de demandas judiciais, imune ao direito que ele criaria, mas ao qual não se submeteria. ele parece seguir à risca o modelito de todo tirano. para a sorte geral, a lei alfano, que legitimaria a encarnação da soberania na sua pessoa e na dos três mais altos funcionários de seu governo, foi julgada inconstitucional pelo tribunal constitucional italiano. só por enquanto, segundo seus opositores avaliam, já que ele parece ameaçar a independência do judiciário, elemento já bastante conhecido da máfia.

enquanto a itália inequivocamente se engaja no caminho radical do retrocesso político mais conservador, aqui no brasil degladia-se no julgamento do que seja um 'crime político', com uma certa habilidade para esquecer que nenhum das firulas e pérolas de toucinho defendidas pelo ministro relator, nosso amado pacifista cézar peluso (como a de que a tomada de armas já indica a perda do aspecto 'político' do crime*), lewandowski, ellen gracie e britto, será apta a afastar o fato de que, no limite e ao cabo, essas palavras são bem mais pesadas do que se quer fazer supor, porque elas estão servindo para fundamentar o assassinato anônimo de battisti, ou seu suicídio repentino, sem motivação clara, como vão querer nos fazer acreditar daqui a pouco.

nem precisaria dizer que esse quadro passa bem ao largo das disposições propriamente jurídicas do caso. além da decadência e da prescrição pelo decurso do tempo sem denúncia e julgamento dos quatro crimes comuns que acusam battisti de ter cometido, ambas causas de extinção da punibilidade, poder-se-ia lembrar que não há provas materiais do cometimento das alegadas infrações e que sua conexão a battisti foi realizada por ex-militantes torturados nas prisões italianas, que trocaram a realização dessas 'confissões' por benefícios penitenciários e penais - ou seja, por pessoas de imparcialidade altamente duvidosa, devido às circunstâncias em que se encontravam.

afora isso, a situação continua esquizofrênica: xs ministrxs do stf apreciam se o que battisti teria cometido era crime político ou comum, quando o próprio governo italiano exige a extradição afirmando que o crime é político. parece piada, mas o que está acontecendo no brasil é um meio de tentar justificar a extradição em um caso nitidamente proibido pelos princípios mais fundamentais do estado. daí que se a competência é ou não do executivo ou do judiciário se mostra o de menos, uma polêmica que, no fundo, vem esconder a questão: quem se prontifica a entregar esse corpo nu aos leões famintos?

* fiquei a imaginar que tipo de crime o sr. peluso consideraria político. baterem uma margarida na cara do segurança do berlusconi é muito bonito e pode ter algo de político, mas isso seria um elogio, não um ilícito.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

"Demasiado-humano: é isto o propriamente pagão de seu mundo, que, a partir do cristianismo, não é nunca compreendido, não pode nunca ser compreendido e é sempre combatido e desprezado do modo mais duro" (Friedrich Nietzsche)
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"O contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia" (Heráclito)

domingo, 8 de novembro de 2009

"Dessa passagem do imagináro ao simbólico levamos um certo medo do novo, do que é mutante, das certezas relativas desta vida - e um certo fascínio pelo abrigo 'seguro' dos códigos totalitários onde o narcisismo que 'pensa que sabe' não se vê continuamente questionado pelas evidências de que tudo o que é também pode não ser, depende... Totalitarismo e narcisismo: associação existente não só no inconsciente do dominador, mas também no do que se deixa dominar".
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"Masculino/feminino: o olhar da sedução", de Maria Rita Kehl, em O olhar - org. por Adauto Novaes, SP: Cia das Letras, p. 416.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

sexus conexus perplexus

terça-feira, 3 de novembro de 2009

por aqui não passou

maio de 68:

- é proibido proibir
- a imaginação toma o poder!
- a barricada fecha a rua, mas abre a visão
- com a palavra os muros
- sejamos realistas, queiramos o impossível
- trabalhador(a): você tem 25 anos, mas teu sindicato é do outro século
- o verão será quente
- viver sem tempo morto e gozar sem entrave
- compram sua felicidade. roube-a
- o tédio é contra-revolucionário
- mesmo se deus existisse, seria preciso suprimi-lo
- GLOBO: a polícia tem um encontro marcado com você todas as noites, às 20 horas
(ORTF: la police vous parle tous le soirs à 20 heures)
-sob o concreto, a praia
(sob o asfalto, a liberdade - sous les pavés, la plage)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

casal trocado
juntos pulam o muro
lado a lado
(Carlos Seabra)

domingo, 1 de novembro de 2009

"Diante das metamorfoses e acoplamentos que instituem as tecnologias de poder na era dos controles, é preciso uma atitude que desfigure. Recusar o que somos a ponto de não sermos mais reconhecidos, nem pela polícia, nem pelos que andavam conosco, nem por nós. Tornar-se não exatamente invisível, mas irreconhecível, estranho, imperceptível. Se tudo é possível de ser modulado e incorporável, adaptável em dissimulações deformantes, não ser é uma possibilidade de escapar. Usar da liberdade dissimulada da sociedade de controle como possibilidade de deformar-se para fugir dos controles ao ar livre e ganhar o espaço". (Acácio Augusto - http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=9035)

a vida é doce (lobão)

com a mesma falta de vergonha
na cara eu procurava alento no seu último vestígio,
no território
da sua presença
impregnando tudo tudo que eu
não posso nem quero deixar que me abandone

são novamente
quatro horas
ouço lixo no futuro no presente que tritura
as sirenes que se atrasam pra salvar atropelados
que morreram que fugiam que nasciam que perderam
que viveram tão depressa tão depressa tão depressa

a vida é doce depressa demais

e de repente o telefone toca
e é você do outro lado me ligando
devolvendo minha insônia
minhas bobagens
pra me lembrar que eu fui a coisa mais brega que pousou na tua sopa
me perdoa
daquela expressão pré-fabricada
de tédio
tão canastrona
que nunca funcionou nem funciona
Incenso Fosse Música
"Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além" (Leminski).
*
"Isso de querer que os outros sejam o que a gente quer ainda vai nos levar à loucura" (Nana Leon - http://twitter.com/nanaleon).