terça-feira, 17 de novembro de 2009

"Eu na verdade não perdi nada, porque não lutei por algo que podia levar comigo" (Cesare Battisti)

(conferir a íntegra da carta em: http://passapalavra.info/?p=14934)

a folha de s.p., esse jornal que certamente não poderia ser dito controverso - porque isso seria assumir o grande êxito de que propiciaria alguma discussão mais significativa nisto que se chamou de "esfera pública" paulista (que sequer existe) -, desde as primeiras reportagens sobre cesare battisti não hesitou nenhuma vez em nomeá-lo, nas manchetes de capa, com letras tamanho 42, "terrorista".

isso aconteceu depois de o conare (conselho nacional de refugiados) lhe ter negado refúgio e de o ministério da justiça tê-lo garantido mesmo assim. isso aconteceu antes mesmo de o supremo tribunal federal (stf) começar a julgar a existência de eventual 'conflito' ou sobreposições de funções entre os órgãos do poder executivo, assim como a obediência aos princípios constitucionais de relações exteriores neste caso. enfim, o jornaleco condenou o italiano sumariamente, contando a versão dos fatos assumida pelo governo italiano, antes de as entidades competentes brasileiras o fazerem e sem garantir ao acusado o direito de se defender, o que deveria ser um princípio dos mais elementares deste estado e do jornalismo sério.

não é muito diferente do que a itália fez contra ele e os demais membros da luta armada contra o estado fascista nas décadas de 70 em diante. de fato, talvez a mensagem de battisti de que ser extraditado para aquele país significa ser condenado à pena de morte seja mais que uma frase de efeito. não só não pôs um fim ao fenômeno fascista das décadas passadas, como o país ainda indica uma retomada das suas bases.

em fevereiro e julho deste ano, editou cinco leis que dispunham sobre o confinamento de ciganos a certas áreas predeterminadas, a denúncia à polícia de imigrantes ilegais por médicos da rede pública de saúde que os atenderem, as "rondas de cidadãos" (grupos paramilitares formados por cidadãs/os que ganharam o direito de usar cassetetes e spray de pimenta em nada diferentes das chamadas freikorps da alemanha nazista e dos squadristi de mussolini) para garantirem a 'ordem', a criminalização da imigração ilegal, o apenamento, com até três anos de reclusão, dxs italianxs que oferecerem suas casas como abrigo, a obrigatoriedade de qualquer servidor/a públicx denunciar x imigrante ilegal que procura emprego, a proibição de xs filhxs dessxs estrangeirxs serem registradxs e reconhecidxs no país (permanecendo apátridas - o que nem mesmo Hitler foi capaz de fazer!), a proibição de o/a cidadã/o italianx contrair matrimônio com um/a estrangeirx irregular.

junto a tudo isso, berlusconi pretendeu criar uma alta cúpula blindada de quaisquer tipos de demandas judiciais, imune ao direito que ele criaria, mas ao qual não se submeteria. ele parece seguir à risca o modelito de todo tirano. para a sorte geral, a lei alfano, que legitimaria a encarnação da soberania na sua pessoa e na dos três mais altos funcionários de seu governo, foi julgada inconstitucional pelo tribunal constitucional italiano. só por enquanto, segundo seus opositores avaliam, já que ele parece ameaçar a independência do judiciário, elemento já bastante conhecido da máfia.

enquanto a itália inequivocamente se engaja no caminho radical do retrocesso político mais conservador, aqui no brasil degladia-se no julgamento do que seja um 'crime político', com uma certa habilidade para esquecer que nenhum das firulas e pérolas de toucinho defendidas pelo ministro relator, nosso amado pacifista cézar peluso (como a de que a tomada de armas já indica a perda do aspecto 'político' do crime*), lewandowski, ellen gracie e britto, será apta a afastar o fato de que, no limite e ao cabo, essas palavras são bem mais pesadas do que se quer fazer supor, porque elas estão servindo para fundamentar o assassinato anônimo de battisti, ou seu suicídio repentino, sem motivação clara, como vão querer nos fazer acreditar daqui a pouco.

nem precisaria dizer que esse quadro passa bem ao largo das disposições propriamente jurídicas do caso. além da decadência e da prescrição pelo decurso do tempo sem denúncia e julgamento dos quatro crimes comuns que acusam battisti de ter cometido, ambas causas de extinção da punibilidade, poder-se-ia lembrar que não há provas materiais do cometimento das alegadas infrações e que sua conexão a battisti foi realizada por ex-militantes torturados nas prisões italianas, que trocaram a realização dessas 'confissões' por benefícios penitenciários e penais - ou seja, por pessoas de imparcialidade altamente duvidosa, devido às circunstâncias em que se encontravam.

afora isso, a situação continua esquizofrênica: xs ministrxs do stf apreciam se o que battisti teria cometido era crime político ou comum, quando o próprio governo italiano exige a extradição afirmando que o crime é político. parece piada, mas o que está acontecendo no brasil é um meio de tentar justificar a extradição em um caso nitidamente proibido pelos princípios mais fundamentais do estado. daí que se a competência é ou não do executivo ou do judiciário se mostra o de menos, uma polêmica que, no fundo, vem esconder a questão: quem se prontifica a entregar esse corpo nu aos leões famintos?

* fiquei a imaginar que tipo de crime o sr. peluso consideraria político. baterem uma margarida na cara do segurança do berlusconi é muito bonito e pode ter algo de político, mas isso seria um elogio, não um ilícito.

Um comentário:

Guiga disse...

A imprensa toda, da folha a MTV só tem um adjetivo para Battisti, esquecendo que nos conturbados anos setenta muitos estudantes eram tratados assim. E nosso conservadorismo é tão lacaio que nem é capaz de arcar com suas próprias decisões.