domingo, 29 de novembro de 2009

piloto automático

dirigido por bastian günther, o filme piloto automático [autopiloten, 2007] é um pedaço da história de quatro homens que se cruzam nas estradas da alemanha: um treinador de futebol que deve enfrentar um jogo crucial para sua carreira, um negociante de banheiras elevadiças que tenta vendê-las de porta em porta, um jornalista independente procurando seu grande furo e o cantor dos grandes sucessos de 20 anos atrás.
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todos eles são mostrados em momentos muito dolorosos. o treinador se sente em vias de ser escusamente dispensado. sua situação lhe é apresentada como se sua permanência no time dependesse de uma vitória no próximo jogo. contudo, há poucas horas da partida, o diretor o encontra para lhe ordenar que deixe de fora o novato da equipe - justo o jogador em que eram depositadas suas esperanças. o treinador mantém a formação mais apta para a vitória, coloca-a em campo, pega o carro e vai embora. em um posto de beira de estrada liga para sua família e pergunta como fora o aniversário do filho. a mulher o trata mal e não aceita que ele vá para casa, mas ele chega à sua revelia. no dia seguinte, para espanto dela, ele aparece brincando de bola com o moleque. ele ainda está lá e parece que para ficar.
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o cantor não toca mais em palcos de shows. ele é chamado para pequenas apresentações em festas de fábricas e em parques públicos, onde rememora os episódios grandiloquentes do passado. nos bares das vilas e das autovias se alimenta, bebe, assiste futebol, conhece pessoas. em uma dessas vezes, uma antiga fã vem falar com ele, a ex-esposa do jornalista. ela vai assiti-lo e depois o leva para sua casa, onde dormem juntos. ele deixa para ela um cartão-postal (havia mandado fazer mil) no meio da noite e vai embora sozinho para um bar onde assisitrá ao jogo do time do treinador, e onde levará uma surra.
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o jornalista recebe um telefonema de sua ex-mulher, que pergunta se ele pode levar seu filho para casa, já que o garoto precisa fazer lição e estudar. O pai o pega, dizendo que vai levá-lo para casa, mas quer a todo custo mostrar a ele o seu trabalho. Fica sabendo de um incêndio e se dirige ao local, onde não o deixam entrar por trabalhar de forma independente. O menino fica de certo modo contente, quer ir pra casa. Mas o pai faz de tudo para não levá-lo para lá, e os conduz até o entrecruzamento das principais autovias da região, o seu escritório. Naquele ponto aguardaria horas pela notícia que lhe garantiria a matéria sensacionalista. Só consegue mudar a cara fechada do menino ao lhe perguntar sobre a garota com quem ele está saindo. Ao deixá-lo em frente à residência da ex-mulher para que o filho possa ir a uma festa, ouve do menino que o dia fora divertido. Já no meio da noite é contactado para levá-lo ao pronto-socorro, o garoto foi ferido gravemente na festa pelo vendedor de banheiras.
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o vendedor de banheiras tem uma vida dupla. apesar de casado, ele se encontra com frequência com outra mulher (tb casada) depois das longas vendas, que tomam o tempo e a paciência do dia todo. quando ela se vê subitamente impossibilitada de recebê-lo, ele surta e resolve sair para conhecer outras mulheres. na lanchonete, quase apanha dos namorados de duas garotas, para quem comprara sanduíches por sua livre iniciativa. na balada, a linda menina que dançava com ele saiu com outro enquanto ele buscava uma bebida. com raiva, trombou com o filho do jornalista, que o chamou de idiota antes de entrar no banheiro. o vendedor foi atrás dele e o espancou até o chão. depois se arrependeu e foi embora. na manhã seguinte, procurando se recuperar, passa por um parque, onde ouve o cantor.
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ao fundo desse desenrolar de histórias permanece sempre ligada uma tv no canal que noticia que um boeing 747 fora sequestrado por alemães e que o governo adotará medidas para fazê-lo pousar à força, evitando abatê-lo peremptoriamente.
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em meio aos movimentos de ir e vir das coisas e das gentes, das comoções e locomoções, nas pistas de todos os tipos, nos caminhos que se atravessam e que as pessoas escolhem para si e sobre a qual se constróem, ocorrem tragédias, vidas acidentadas, mas também muitas oportunidades, encontros, felicidades.
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apesar de os quatro personagens parecerem muito ligados em função do recorte do trabalho, e das perspectivas econômicas pessimistas do futuro próximo, o que talvez melhor os relacione seja o aprofundamento do além-trabalho, do que se encontra na esfera dos sentimentos e relações íntimas desses homens. ou seja, do que independe da dinâmica das atividades financeiras, e às vezes até conflitua com elas.
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dois deles possuem filhos, com quem têm um contato difícil, por diferentes razões, mas com quem parecem querer se relacionar amorosamente. e talvez eles assim o façam verdadeiramente, à sua maneira. a questão de todos parece se dar com a pessoa amada (nos quatro casos, mulheres) e a esfera e a energia que eles haviam reservado para ela em suas vidas.
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sem dúvida, é um filme sobre masculinidades. não sobre o ideal ou o lixo de homem segundo a nossa cultura, ambos polarizados em imagens de espécies animais distintas. nem super-homem nem cachorro-sem-raça nem cristo-encarnado. a história se mostra bem mais interessante que tudo isso por representar uma visão mais dura e mais doce que essa, algo mais real e presente, dando-nos notícia do que podemos ser e mudar, para quem sabe evitarmos de nos colocar sob a direção de um invisível piloto automático.

Um comentário:

Guiga disse...

"zonas de contato" tipo posto de gasolina no meu caso