terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

o outro de mim

muitas vezes não é bem exato pensar em correntes filosóficas, mas em certas circunstâncias facilita bastante. neste momento penso nos realistas, que concebem que o sujeito está em tudo. precisamente, nos objetos todos. ele se relaciona com o mundo e o compreende à medida que sua consciência se identifica com tais objetos, inclusive em termos de natureza. esse sujeito está, em grande parte, anulado. os idealistas, por sua vez, têm que o mundo não passa do próprio sujeito, que tudo o que está à sua volta constitui. então, é como se os objetos estivessem contidos nele e, nessa medida, só há sujeito, que nada pode objetar. em ambos os casos, o sujeito se confunde com o objeto - não há alteridade possível, sequer no plano cognitivo.
kant procurou resolver a questão com sua teoria do conhecimento, que parte da existência de duas realidades distintas que precisam ser compostas. há, de um lado, o dado sensível, que só existe à consciência na modalidade de fenômeno (phaenomenon), e que aparece ao sujeito sob as formas a priori da intuição (o espaço e o tempo), no âmbito da sensibilidade. e, de outro, o entendimento, que contém conceitos a priori (as categorias). se a natureza dessas representações é diversa, como associá-las? a encarregada por isso é a imaginação, que deve esquematizar o que se apresenta, encerrando a diversidade fenomênica em uma representação, isto é, operando a síntese. vale dizer, a imaginação esquematiza a síntese, pela qual um certo espaço e tempo são determinados, a partir da diversidade real, na referência a um objeto em geral que precisa estar conforme às categorias.
o esquema se mostra o liquidificador em que se misturam coisas aparentemente inconciliáveis: o espaço-tempo da faculdade passiva e as categorias da principal faculdade ativa (no interesse da razão especulativa). mas como, no detalhe, a imaginação faz isso? kant afirma ser isso um grande mistério. com suas fortes doses de ironia, schopenhauer depois zombará dessa declaração kantiana, que lhe soaria um tanto obscurantista para quem alegaria ser o grande promotor do iluminismo, na era do esclarecimento, um momento importante no processo que levaria a humanidade à maioridade.
parece que kant realmente apenas desloca o problema da tradição filosófica acerca da relação exterior entre sujeito e objetos do mundo para aquela subsistente entre as faculdades internas da razão do sujeito. deleuze observa que a transposição possui originalidade - só que não resolve a questão de fundo. pois quem ou o que garantiria uma harmonia entre essas faculdades racionais? pois é, kant terá que se voltar não para a harmonia universal preestabelecida de hume ou leibniz, que gostaria de evitar, mas igualmente para uma harmonia divina, que teria criado a razão com uma (pré)determinada perfeição.
com isso, kant se nega a exterminar o sujeito e o objeto, não os indiferenciando. mas se os mantém separados, certo é que propõe que se unifiquem (ora pela síntese da imaginação, outrora pela unidade da síntese, do entendimento, e ainda pelas idéias unificadoras e simbolizadoras da razão) no processo de conhecimento - o que é condição sine qua non, sim, entretanto, misteriosa, inexplicável. de modo que, ainda: onde, como o outro? por que o diverso contra a unidade de mim? eu unitária, natural? a diversidade em mim? e o outro de mim?

Um comentário:

Unknown disse...

gostei muito do seu texto. me ajudou a entender melhor o kant e até a simpatizar mais. beijo,