domingo, 20 de dezembro de 2009

"não é mistério algum: por muito tempo te amei com todas as minhas forças. um corpo pálido e desesperado. sonâmbulo com destino certo, incerto mas desejoso, desejoso desejoso. só percebi a dificuldade quando veio um caminhão de mudanças e parou em frente de casa, sem gasolina, fumaças pretas, a ferrugem desconfiada que destrói imediatamente um sem-fim de seres verdes que costumam pousar nas varandas das janelas e nos quintais das residências, mesmo das mais pobres. é claro que tentei empurrá-lo dali, fazer o caminhão de mudanças se mover. ele não se mexia. empurrei tantas vezes, mãos ao alto, pés no chão, noites, dias, via se esvaírem as coisas, um pó se acumulava dentro do quarto. nem um centímetro adiante. e, no entanto, o som que fazia pedia uma vez mais. e eu saía de casa nas horas mais estranhas, em meio ao cinza do ar para tentar, tratar, tirar, tomar, tossir. ouvia sempre aquela palavra, sempre aquele verbo, sempre aquele peso parado de pontos infinitos de interrogação e de exclamação exasperada. até o dia em que, de mala e cuia, sem lenço nem documento, me mudei".
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luísa silvana, diários, v.1, p. 134.

Um comentário:

camila schmitt disse...

Separar-se é ter a residência invadida.
Conferir peças na sala, armário,
carteira, com pouca noção exata
do que foi embora.
Olhar desconfiado
aos objetos que viram
e nada dizem.

Separar-se, uma porta
arrombada por dentro.




fabrício carpinejar