Jornal de uma Copa do Mundo em solo minado (3ª parte)
As línguas recepcionam, todos os dias, palavras desconhecidas, sem jamais fazê-lo expressamente. e, de uma só vez, vê-se bem que a diversidade cultural está longe de ser uma realidade, um ponto de vista orgânico. Assim, a palavra « vuvuzela » que é dita no feminino, entrou em casa pela porta da frente, tornou-se familiar em menos de uma semana. Os meios de comunicação também servem para isso, vulgarizar as palavras que, em tempos comuns, seriam colocadas à sombra, no index, invisíveis, sem interesse. É suficiente ver as manchetes de certos jornais, por esses dias, para se convencer disso; é suficiente escutar os comentários dos jornalistas e dar uma olhada pela internet, a maior de todas as portas, hoje, do humor do mundo. Querem proibir a vuvuzela. Atribuem-lhe todos os males, como se este instrumento, que faz a diferença, tivesse criado algum barulho sobre um estádio, durante a Copa do Mundo ou simplesmente uma partida amigável, enquanto seus partidários defendem seu instrumento local em alto e bom som. Eis o Mundial ou a ocasião sonhada para que este barulho (que se mede aqui em quantos decibéis?) entre, de maneira fracassada, no imaginário de todos vindos da África do Sul.
Ao mesmo tempo, a abertura do futebol se dá, sempre, em meio ao barulho, fofocas, escândalos, publicidade, bling-bling, dinheiro e tudo o que já sabemos. Na comunicação, como na política, nada é por acaso. Assim, os Bleus vão reformar um campo de futebol de cidade x para cuidar da imagem de sua marca, arranhando de leve, como crianças terríveis, a Secretária de Estado encarregada pelo esporte.
Felizmente, outras equipes salvam o dia. Ontem, o time de Gana ofereceu seu primeiro gol na África: os torcedores podiam dançar e carregar [roupas de?] canários na cabeça. Eles já tomaram uma parte do poder, melhor guardar quente o resto dentro de um pote sagrado a exibi-lo a cada vitória. Com a Alemanha - que marcou 4 gols contra a Austrália - houve algumas belas coreografias, o esporte retomou a superioridade sobre o terreno do jogo, silencioso, escuro e minado depois do começo. As vuvuzelas foram recolocadas em um lugar de honra, dando ao público diante da tela da tv e a todos os torcedores, a ocasião de exultar cada gol, de cobrir esta bela partida Alemanha-Austrália, do começo ao fim. As vuvuzelas assumem a temperatura das equipes, a tonalidade dos jogos e, é preciso dizer, impedem que se escutem os insultos - aí inclusive os racistas - e outras ofensas que fazem parte do terreno minado do futebol.
Sei que zona eles são capazes de fazer, os torcedores alemães. As vuvuzelas são brinquedinhos comparadas com os espetáculos que eles podem dar a escutar e ver, tal como notei em 2006, durante o Mundial, quando passei em Stuttgart para um debate que achei surrealista, sobre futebol e literatura... Então, será que estamos realmente prontos a aceitar a diversidade dos sons, no momento em que cada um se fecha na sua surdez local?
Tanella Boni, ela nasceu na costa do marfim e tem escrito coisas interessantes sobre a copa. é poeta e romancista, filósofa e professora de literatura. tem coisas muito legais sobre a globalização, as áfricas, os feminismos, multiculturalismo e outras questões políticas. em 2008 lançou a obra "Como vivem as mulheres da África?". escreve no blog www.tanellaboni.net. fui saber dela hoje!
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