segunda-feira, 31 de agosto de 2009

provok-a-ação

teria havido uma evolução de meios coercitivos do capitalismo, que passaria da imposição de modelos predeterminados à instituição de modulações, da renovação dos padrões à manutenção de sua constância, do confinamento para a fiscalização ao ar livre, da supressão da liberdade para a concessão dela, do domínio do corpo para o domínio da vida. e o que sobra? sobra tudo.
as soluções mais palatáveis são intragáveis. pensa-se na ordem e no progresso da família patriarcal, da creche, da escola, da oficina, dos presídios, do estado-policial. o que liberta do controle é o controle. fora disso, o que sobra? sobra tudo.

não basta controlar os zois, fatos da vida. é preciso sobretudo se assegurar dos bios, das formas dela. cumpre prevenir a vida de hoje do futuro que se acerca a cada início de gesto. o presente se retarda e se alonga, parecendo subsistir só. se o tempo é agora, é agora. o que sobra? sobra tudo.
o privado é público e vice-versa. não se sabe bem quem manda e quem obedece a quem. findaram as duas instâncias, o dentro e o fora das coisas. não parece mais haver questionamento não-cooptável. o mundo da rebeldia é vendido a preços promocionais nos shoppings. o mercado toma para si práticas de guerrilha e de grupos libertários. participar virou uma exigência. é preciso bater cartão de cidadania. o que sobrou? sobrou tudo.

o fatalismo está pressuposto: da circunstância irrevogável, do acontecimento infreável, da necessidade inequívoca dos fatos. o que sobra dos estudos da sociedade - sociedade da disciplina, do espetáculo, de controle? sobra tudo. tudo o que está posto e requer seja dito - vividamente ou também por palavras. não há mais 10 instituições sociais autônomas (com linguagens fechadas para si), 3 tempos, 2 esferas de vida, 2 instâncias sociais, 2 planos de circulação de bens, ou mais: há o 1. não há mais fatalismo possível. vivemos em pleno campo de imanência.
não espere pelo devir. godot sempre esteve aqui. devenha.

domingo, 30 de agosto de 2009

sobre certa crítica ao feminismo

diz-se que com o progresso, o desenvolvimento, as 'luzes' da razão ou o que quer que dispenda um pouco de energia elétrica tudo vai se esclarecendo na história. acontece que se há algum tempo estava evidente o que era (ser) um homem e o que era (ser) uma mulher [- com esse 'ser' entre parênteses mesmo-], hoje nada disso é muito claro.
sem dúvida, a obscuridade, pluralidade e/ou relatividade que marcam muitos dos discursos contemporâneos não são privilégio dos assuntos de gênero. ideologias em vários formatos teóricos e práticos atacaram as fronteiras que dividiam hermeticamente grupos de interesses, restringiam temas, impunham diferenças consagradas, escondiam discriminações grotescas, impediam prazeres. (parece que o processo gerou reações antagônicas, inclusive a de tratar de rapidamente fazer substituir os antigos dogmas por novos, assumidos como moldes das camisetas de silk vendidas em lojas 'alternativas'. se tudo passava a ser possível, não havia mais desculpas para a tristeza. entre outras coisas, a felicidade se tornara imperativa).
mas se hoje não há mais homens, afirma-se, a 'culpa' é das mulheres. especificamente, das feministas. tudo decorre da luta pela igualdade. quiseram-na tanto e agora a têm: não há mais diferenças entre os sexos e com elas foram-se as identidades individuais. ninguém mais sabe o que ou quem é. talvez fosse melhor comentar o fato em termos não-cristãos: falemos em responsabilidade. se as feministas são responsáveis pelos não-homens (e não-mulheres) acho que fizeram muito bem, considerando certas definições do que antes era ser homem e mulher.
não é, de fato, sintomático que houvesse uma luta pela igualdade de direitos e que, teoricamente obtida, o fato redundasse tragicamente na ausência de diferenças determinadas para os gêneros? quanto constrangimento pelo passado! não deixa de ser curioso o olhar compreensivo de certos fatos históricos, de um lado, brutal para com algumas desproporções que se apresentam volta e meia em qualquer movimento social, de outro.
não se encontra a certeza senão passando inexoravelmente pela incerteza, já apontava lacan em 45. pode-se acrescentar, modernamente, que tampouco se tem segurança sem experimentar o seu oposto.

sábado, 29 de agosto de 2009

"je t'aime moi non plus" em 5 atos

te amo
-oi?

te amo
-também não sei.

te amo
-só um pouquinho, né?

te amo
-eu também não.

te amo
-nem um pouco.

manifesto

agora nas ruas de são paulo só se lê
'amar é importante, porra'.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

amar está fora de moda.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

desconfio de quem é muito feliz.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

a modernidade vive aqui
no dia em que ele olhou para o lado
sem coragem de dizer o de sempre,
a outra entendeu por bem se maquiar,
o tio, não cortar o cabelo,
acordaram felizes e tristes sem saberem o nome do mês
tudo era lamentável, sem algo especificamente indigno
o mundo tinha duzentos mil nomes em centenas de línguas
que pareciam iguais e incomunicáveis,
expostos nas vitrines tridimensionais "das maiores capitais do planeta",
combinavam-se cores em estilos infinitos, um para cada gosto
e nada deixava de ser um movimento
social antissocial, cultural anticultural
a modernidade brilhante desse não-se-sabe-mais-o-que-fazer
a gentileza em são paulo é o feto surdo que quer passar em_o_vão, na linha impossível que esquarteja o carro da moto enfurecidos.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

esse buraco não se estanca
não tem fundo, canto,
es-tampa ou tampa


Filosofar é gostosinho,
mas não se compara com filofilar...

domingo, 23 de agosto de 2009

Guy Debord

"Vaguei bastante por inúmeras grandes cidades da Europa e apreciei tudo o que merecia ser apreciado. Nesse caso, a lista poderia ser vasta: as cervejas da Inglaterra, onde se misturavam as suaves com as fortes na caneca; os canecões de chope de Munique; as irlandesas; a cerveja Pilsen tcheca, a mais clássica; e o admirável barroquismo da Gueuze, nos arredores de Bruzelas, quando ela ainda tinha um sabor distinto em cada cervejaria artesanal e não tolerava ser transportada para longe; os licores de frutas da Alsácia; o rum da Jamaica; os ponches; a aquavita de Aalborg e a grapa de Turim; o conhaque, os coquetéis; o incomparável mescal do México; todos os vinhos da França, os melhores oriundos da Borgonha; os vinhos da Itália e, sobretudo, o Barolo de Langhe, os Chianti da Toscana; os vinhos da Espanha, os Rioja de Catilha-la-Vieja ou o Jumilla de Múrcia." (Panegírico, p. 41)
***
"Quando 'ser totalmente moderno' se tornou uma lei especial proclamada pelo tirano, o que o escravo honesto teme, acima de tudo, é que ele possa ser suspeito de saudosismo" (Panegírico, p. 75).
***
"O valor de troca só pôde surgir como agente do valor de uso, mas ao vencer por suas próprias armas criou as condições para seu domínio autônomo. Mobilizando todo o costume humano e apropriando-se do monopólio de sua satisfação, ele acabou por dirigir o uso. O processo de troca se identificou a todo uso possível e o subjugou. O valor de troca é o condottiere do valor de uso, que acaba por empreender a guerra por conta própria" (A sociedade do espetáculo, 46).

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

miscelanealogia: mulheres II

o sagrado e o profano em um corpo que só é passagem e que faz passar do si ao outro. o medo ou a adoração que se pode experimentar das mulheres não são senão os da alteridade. o ser meu objeto, valor do meu grupo social, do meu clã, da minha tchurma por meio do qual acesso a outra panela, a outra família. canal sagrado de comunicação de longínqu*s e próxim*s. o ser-em-trânsito que é de um grupo E do outro, ou era de um e PASSA a ser de outro, não se sabe o que fica o que vai, que tempo é esse, se há passado e futuro, uma contaminação generalizada. a ambiguidade de quem gesta a mistura de sangues tomados e bebidos mais que como diferentes, inconciliáveis. sangue que fazem jorrar mensalmente (como se costuma ver apenas nos bichos não-seres humanos), quem dirá que 'status' atribuir a elas? interstícios---mulheres---tabus.
por marx: ABAIXO MARX!

Quando a tolerância religiosa se resume a aceitar o cristianismo...

A juíza da 3ª Vara Cível Federal de São Paulo, Maria Lúcia Lencastre Ursaia, determinou que os símbolos religiosos (crucifixos, imagens, entre outros) poderão permanecer nos órgãos públicos. A decisão liminar da juíza indeferiu o pedido do Ministério Público Federal (MPF) para a retirada dos símbolos dos prédios públicos. A ação teve início com a representação do cidadão Daniel Sottomaior Pereira, que teria se sentido ofendido com a presença de um crucifixo num órgão público.
No pedido feito dia 31 de julho, o MPF entendeu que a foto do crucifixo apresentada pelo autor desrespeitava o princípio da laicidade do Estado, da liberdade de crença, da isonomia, bem como ao princípio da impessoabilidade da administração pública e imparcialidade do Poder Judiciário. Porém, a juíza entendeu que não ocorreram ofensas à liberdade de escolha de religião, de adesão ou não a qualquer seita religiosa nem à liberdade de culto e de organização religiosa, pois são garantias previstas na Constituição.
Para a magistrada, o Estado laico não deve ser entendido como uma instituição antireligiosa ou anticlerical. "O Estado laico foi a primeira organização política que garantiu a liberdade religiosa. A liberdade de crença, de culto e a tolerância religiosa foram aceitas graças ao Estado laico e não como oposição a ele. Assim sendo, a laicidade não pode se expressar na eliminação dos símbolos religiosos, mas na tolerância aos mesmos", afirmou ela, na decisão.
Fonte: Agência Estado, 21/8/9

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

procuro as palavras exatas/não por amor à precisão. preciso escrever pouco, as palavras pesam e meu texto corre sempre o risco de afundar. não sou como xs poetas, que escrevem versos livres - de massa. tampouco como xs escritorxs de épicos que possuem navios onde carregam suas mil palavras; cargueiros que levam cidades; negreiros que aforam dignidades. não possuo à minha espera senão um corpo gordo que bóia na beira-mar com certo esforço. na minha pequena jangada cabem bem poucas palavras. meia-dúzia, que já me fazem falta.
uma cena linda foi ver o corpo subindo o paredão inclinado de escalada. flutuando de pedra em pedra, da azul pra verde, pra amarela, pra outra verde. amarelinha na vertical; um lagarto voador de nervos tocáveis, intocável; em. movimento fluvial, melindres em alto ar.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Icono-religio-clastia! demorou...

MPF move ação para retirar símbolos religiosos de repartições públicas federais em SP (04/08/09)
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo ajuizou, no último dia 31, uma ação civil pública com pedido de liminar paraobrigar a União a retirar todos os símbolos religiosos ostentados emlocais de ampla visibilidade e de atendimento ao público emrepartições públicas federais no Estado de São Paulo.
No pedido feito à Justiça Federal, o MPF pede aplicação de multadiária simbólica no valor de R$ 1, 00 (Um real) para servir comoum contador do desrespeito que poderá ser demonstrado pela União, casonão cumpra a determinação judicial. O prazo para a retirada dossímbolos religiosos é de até 120 dias após a decisão.
Inúmeras pessoas se dirigem aos prédios da União diariamente para asmais variadas atividades, de caráter administrativa ou judiciária, etem a sua liberdade de crença ofendida diante da ostentação pública desímbolos religiosos não relacionados com a fé que professam.
Apesar da população brasileira ser de maioria cristã, o Brasil optoupor ser um Estado laico, em que não há vinculação entre o poderpúblico e determinada igreja ou religião, onde todos tem o direito deescolher uma crença religiosa ou optar por não ter nenhuma, asseguradopelo art. 5 da Constituição Federal.
Além disso, é obrigatório, na Administração Pública, o atendimento aosprincípios da impessoalidade, da moralidade e da imparcialidade, queestão ligados ao princípio da isonomia, determinando que todos sejamtratados de forma igualitária.
Sendo assim, o símbolo religioso no local de atendimento público não émero objeto de decoração, mas sim predisposição para uma determinadafé que o símbolo possa representar e, para o MPF, o Estado laico deveser a regra na Administração Pública.
Segundo o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão e autor da ação,Jefferson Aparecido Dias, cabe ao Estado proteger todos essasmanifestações religiosas sem tomar partido de nenhuma delas.“Quando oEstado ostenta um símbolo religioso de uma determinada religião em umarepartição pública, está discriminado todas as demais ou mesmo quemnão tem religião afrontando o que diz a Constituição” ressaltou.

sábado, 1 de agosto de 2009

Pesquisa demonstra que maioria de estudantes da UnB é favorável às cotas raciais

Pesquisa intitulada "Cotas e Universidade", realizada por Anita Cunha Monteiro, sob orientação da Profa. Dra. Débora Diniz, do Departamento de Serviço Social da UnB, conclui que a grande maioria dos(as) estudantes daquela universidade se posiciona favoravelmente às cotas raciais em universidades.

Confira abaixo alguns trechos do resumo. Para acessar a íntegra do resumo, clique aqui:
http://www.servicos.sbpcnet.org.br/sbpc/59ra/senior/livroeletronico/resumos/R6712-1.html

***

INTRODUÇÃO:

As políticas públicas de ações afirmativas instituídas por algumas universidades ou mesmo os projetos de lei propostos pelo governo brasileiro têm gerado vários debates na sociedade. A dimensão crescente que esses assuntos têm tomado, principalmente nas universidades onde foram implantadas as cotas, pode ser considerado evidência de um fenômeno social que permanecia a margem das discussões há varias décadas. Não há nada mais adequado que a história do próprio país para explicar a correlação existente entre esses temas e a importância deles para criação de um país mais justo e solidário.
Ao longo da história mundial, as conquistas territoriais geralmente são acompanhadas de violência. Em relação a colonização portuguesa no Brasil, não foi diferente. Pessoas pertencentes a diferentes culturas foram submetidas a um ideal de identidade nacional, muito presente nos Estados europeus a partir de suas unificações. Durante essas unificações, muitos povos tiveram seus costumes suas línguas e suas tradições reprimidas em prol de uma identidade cultural homogênea. Nessa mesma perspectiva, durante a colonização do Novo Mundo, o processo de repressão cultural foi bastante intenso, com o agravante de existirem estudos antropológicos os quais consideravam a organização social dos povos habitantes das Américas de forma inferiorizada.
(...)
Stuar Hall cita Paul Gilroy para explicar como o racismo se camufla nas discussões sobre nacionalismo, nacionalidade e patriotismo. Segundo Gilroy, o racismo estabelece e protege um ideal de cultura nacional homogênea na sua branquidade. Este é um racismo que responde à turbulência social e política de crise e à administração da crise através da restauração da grandeza nacional na imaginação.
É exatamente nessa perspectiva que se constrói o racismo no Brasil. Como não houve nenhuma política inclusiva para ex-escravos, o Brasil entrou numa espécie de turbulência social e política que tem se acentuado. Essa crise é resultante de uma grande parcela da população, anteriormente força de trabalho escrava, ter se tornado livre e sem função socioeconômica repentinamente. Quando o governo brasileiro incentivou a vinda de migrantes europeus ao Brasil, por exemplo, tratava-se de uma ação em defesa da branquidade homogênea que colocava de lado os negros excluídos do mercado de trabalho que não contava mais com a mão de obra escrava. Essa imagem nacional de uma força de trabalho fundamentada em mão de obra branca e homogênea foi tão bem construída nos alicerces das teorias de raça européias que conseguiu dizimar até mesmo uma porcentagem significativa dos negros brasileiros. A idéia foi tão bem assimilada pelas elites que continua sendo repetida ainda hoje. Nas universidades, por exemplo, cenários do pensamento crítico e racional das sociedades, têm professores que acreditam no argumento segundo o qual existira a raça negra e essa seria inferior as demais raças.
Então, o racismo brasileiro foi conseqüência da inferiorização moral e social do negro pelo europeu durante a escravidão. Mas, a característica peculiar do Brasil foi a negação dessa posição superior historicamente construída. O caso é particular por causa dessa posição ambígua e duvidosa da elite branca. O fato da elite não se assumir como branca e privilegiada no período que sucedeu a abolição transformou o racismo brasileiro em um tipo esquizofrênico. Isto é, ao mesmo tempo em que é proferido um discurso de democracia racial e da inexistência de raças diferentes no Brasil devido a mestiçagem, não se concebe a existência de racismo. Então o resultado é um duplo vínculo que os descendentes de escravos têm na sociedade. O primeiro é a identificação com um grupo social inferiorizado e discriminado. O segundo vínculo é a falsa e passageira identificação com o grupo privilegiado social, político, econômico e até esteticamente. Sendo assim, os descendentes de escravos no Brasil têm permanecido fora das políticas inclusivas, pois não são reconhecidos como um grupo social com demandas 'sui generis'.
Voltando à análise do método comparativo em Antropologia Cultural, Franz Boas criticou o método evolucionista e difusionista, afirmando que o conceito de cultura explicava as diversidades sociais. Para Boas, o antropólogo deve sempre relativizar culturalmente diante dos grupos estudados. Dentre vários autores brasileiros influenciados pelas teorias de Boas está Gilberto Freyre que foi seu aluno. Além de Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Jorge Amado foram protagonistas na teorização da ideologia da mestiçagem e do mito da democracia racial. Gilberto Freyre foi o que conseguiu aliar da melhor forma as teorias de Boas com sua forma de pensar. Freyre se apoderou dos estudos de Boas sobre a inexistência de inferioridade entre raças para defender a idéia de inexistência de racismo no Brasil. Em sua obra “Casa Grande e Senzala” chega a firmar que a colonização dos portugueses foi branda. Buarque de Holanda publica obras também nesse sentido. E um tempo mais tarde, Amado caricaturava a mulata sedutora e o negro bonachão em suas obras popularmente difundidas.
Dessa forma, essas pessoas desautorizaram a identidade do negro, jogando-o num racismo esquizofrênico. Além disso, essa desautorização de identidade envolve argumentos sexistas e racistas. Essa situação construída se coloca contra o desejo e a decisão de uma afirmação de coletividade negra.
(...)
Pode-se concluir que o racismo da forma como foi concebido no Brasil, está intrinsecamente relacionado ao processo de formação de identidade nacional. Foi na formação da identidade brasileira mestiça que o racismo foi negado, não podendo ter sido combatido desde o processo de nacionalização. Foi preciso o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso admitir no exterior que o racismo no Brasil é velado para os próprios brasileiros refletirem e se analisarem. A questão racial também está bem apoiada em teorias de etnicidade, pois foi a partir delas que surgiram interpretações tendenciosas e racistas. Interpretações extrapolantes e muitas vezes equivocadas contribuíram para formação de teorias eugenistas, nazistas e facistas (Stepan: 2005).
Com a intenção promover a eqüidade no acesso a direitos e modificar o cenário de desigualdade que às políticas afirmativas entram no contexto social. Uma ação afirmativa leva em conta o princípio da eqüidade e discrimina positivamente, visando proporcionar o maior grau de igualdade. Em particular, as cotas para negros, como um dos mecanismos de ação afirmativa visa criar oportunidades para que os negros superem as desigualdades sociais.
Além disso, as ações afirmativas são políticas emergenciais e temporais para quebrar o processo desigual que afeta a distribuição de renda e o grau de instrução da população brasileira. Isso não desconsidera a importância de outras políticas públicas como a de reforma de base na educação ou mesmo mudanças estruturais referentes ao processo de distribuição de riquezas. Porém essas ações demorariam gerações para apresentarem resultados. No campo das ações afirmativas, o Brasil em 1999 conheceu a primeira proposta de cotas para negros no ensino superior brasileiro. Essa proposta foi apresentada ao Conselho de Ensino e Pesquisa (Cepe) da Universidade de Brasília (UnB) pelos professores José Jorge Carvalho e Rita Laura Segato (Carvalho, 2003). Para tanto, somente no ano de 2004 que a UnB adotou o sistema de cotas no vestibular visando aumentar o acesso de alunos negros no ensino superior brasileiro. Esta pesquisa teve como objetivo verificar como estudantes de graduação da UnB se posicionam em relação à seleção pelo sistema de cotas.
(...)
RESULTADOS:
Esse é um estudo descritivo sobre as cotas na Universidade de Brasília (UnB). Foram entrevistados 2,5% do total de estudantes da universidade, sendo 50% deles do sexo feminino e 50% do sexo masculino. Em relação à forma de ingresso na UnB, cerca de 63% dos alunos entrevistados ingressaram pelos sistema universal; 7% pelo sistema de cotas; 23% pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS); 4% por acordos entre países, 2% por transferência. Desses, 30% ingressaram antes da implementação do sistema de cotas no ano de 2004, e 70% depois da implementação do mesmo. A respeito da área dos cursos dos alunos entrevistados, 34% fazem cursos na área de exatas; 9% na área da saúde; e 57% na área de humanas. Entre os entrevistados, 68% afirmaram conhecer alguém que entrou na UnB pelo sistema de cotas; 24% não conhecem ninguém que entrou pelo sistema de cotas e 7% não souberam responder.
Em relação à cor da pele, 42% dos alunos entrevistados se declararam brancos; 40% pardos; 1% indígena; 2% amarelos; 14% negros. Entre as pessoas que se declaram brancos, cerca de 76% são a favor das cotas, assim como entre as pessoas que se declaram pardas. Entre as pessoas que se declararam negras ou pardas cerca de 73% são a favor das cotas. Por fim, em relação a legitimidade das ações afirmativas – cotas para negros – cerca de 84% das pessoas que se declararam brancos são a favor de ações afirmativas, assim como 82% das pessoas que se declaram negras ou pardas.

CONCLUSÕES:
Esse survey inicial sobre as cotas na Universidade de Brasília (UnB) fornece alguns indícios de como os estudantes de graduação da UnB se posicionam diante do sistema de cotas para negros. 46% dos estudantes acreditam que as cotas facilitarão a entrada dos negros no mercado de trabalho e 15% não souberam avaliar. Aproximadamente 75% dos estudantes são favoráveis às ações afirmativas nas universidades públicas. Uma das ressalvas a serem feitas aos resultados é que a coleta de dados coincidiu com um período de intensas discussões no âmbito da universidade sobre o tema das cotas e do racismo. O estudo aponta para a importância de ações de sensibilização da comunidade acadêmica sobre as ações afirmativas, como as cotas para negros, uma vez que essas representam um mecanismo de justiça e de reparação das desigualdades sociais.

Nota de repúdio à ação do DEMO contra o sistema de cotas da UnB

“Pesquisa publicada prova,
Preferencialmente preto, pobre,
prostituta pra policia prender,
pare, pense, por quê?”
GOG - Brasil com P

O Diretório Central dos Estudantes Honestino Guimarães da Universidadede Brasília vem por meio desta repudiar a ação promovida peloDemocratas contra o sistema de cotas raciais da Universidade deBrasília. Nessa segunda-feira (20/7) o partido, por meio de suaadvogada voluntária Roberta Kaufmann, impetrou uma Argüição deDescumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), demandando a suspensãoliminar do sistema de cotas raciais da UnB e do resultado dovestibular do 2˚/2009. Essa medida vem de forma antidemocrática quereracabar com uma política pioneira da UnB de democratização do espaçouniversitário.
A ação movida pelo DEM questiona a UnB por “institucionalizar oracismo” e por dar as bases de um “Estado racializado”. Toda aargumentação desenvolvida pela advogada leva a compreensão de que oproblema do racismo não existe no país - seja em função damiscigenação no país, seja pelo argumento biológico de que não existemraças - e que, as políticas de ação afirmativas são problemáticasquando têm o recorte racial. Mais ainda, ela afirma que esse tipo depolítica cria o racismo. Em toda a ADPF, a advogada tenta mudar o focoda argumentação, colocando que em termos biológicos não existem raçase que, portanto, não pode haver racismo no país. Ademais, ela descreveum país muito diferente do Brasil, em que há uma sociedade plural eplena. Ela se contradiz ao colocar nas considerações iniciais sobre omérito da questão que ela não quer discutir a existência de racismo,preconceito ou discriminação no Brasil, e afirma pouco depois que noBrasil “ninguém é excluído pelo simples fato de ser negro” (p. 27), ouseja, categoricamente a advogada afirma que não existe racismo nopaís.
É muito fácil se refugiar em argumentos pautados na genética humanapara afirmar que somos todos iguais, que não existem raças, quando naverdade o racismo brasileiro é fenotípico e parte marcante da nossasociedade. Isso quer dizer que, mesmo velado, o racismo brasileiro seexpressa nos estereótipos sociais, nas brincadeiras que muitos fazem enas ações de poder e segregação.
Diferentemente do que afirma a advogada, o quadro do Brasil é o de umagrande desigualdade racial. É notável a baixa representatividade dosnegros em espaços de poder no país, assim como nas universidades. Sepoucos são os que têm acesso à educação superior, menos ainda são osnegros que chegam à universidade, que mal chegam a ser 2% dessacomunidade. Em 2003 a UnB tomou uma decisão muito importante nessesentido. O CEPE (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão) aprovou osistema de cotas, que reserva 20% de suas vagas a estudantes que sedeclarem negros e afro-descendentes. Essa política vem, acima de tudo,para mudar a realidade das universidades, quebrar o monocromatismobranco e escurecê-las.
Foi com essa política que a UnB começou a mudar. Com o sistema decotas, mais negros começaram a entrar e a influenciar os rumos dauniversidade, contribuindo para uma formação social mais plural eplena da universidade. Foi com o sistema de cotas que se criou umareal possibilidade de empoderamento de uma grande camada populacionalque historicamente é discriminada. A universidade ainda é um dosespaços predominados por brancos. As cotas vêm para romper com essearranjo, democratizando a universidade.
A nossa experiência na UnB é a do caminho contrario ao do “racismoinstitucionalizado”. Após a implementação do sistema de cotas a lutacontra o racismo se intensificou em todos os espaços da universidade,sendo que os vários movimentos sociais que se articularam desde entãosempre contribuíram em muito para uma maior proximidade dauniversidade com a sociedade e para a minimização da segregaçãosocial. A política de cotas é um marco na UnB. Ela sinaliza ainstitucionalização do processo da luta pela igualdade racial no nossopaís.
Em vários momentos os críticos ao sistema de cotas questionam aigualdade, defendida na constituição federal, mas temos que questionarcomo é possível falar de igualdade quando brancos e negros partem depontos tão distintos em nossa sociedade? Que igualdade é essa em quehá um claro predomínio branco em espaços de poder? Por fim, queigualdade é essa em que, pela cor da pele alguém é julgado?
Para que possamos concretizar o preceito constituinte de igualdade écentral avançar em políticas públicas. As ações afirmativas sãoinstrumentos com o claro objetivo de mudar uma realidade e afirmar apresença de um grupo socialmente minoritário. Não se trata de culparos brancos pela escravidão, como a advogada leva a crer, mas sim o dereforçar o negro como parte integrante e ativa de nossa sociedade.
É por entender o papel democratizante que as cotas possuem que o DCEda UnB vem em sua defesa e manifesta seu repúdio ao Democratas. Aformulação e a implementação de políticas de ação afirmativa sãocentrais para a consolidação democrática do país e, exatamente porisso que sempre serão alvo de ações de grupos - e partidos -conservadores que não querem o empoderamento popular. É papel dauniversidade formular, constantemente, políticas que visem soluçõespara os problemas de nossa sociedade. Esse papel tem que ser garantidopor toda a sociedade e a única forma de garantir que isso não seencerre é com luta! Por isso o DCE conclama todos os movimentossociais a se manifestarem e a se engajarem na luta em defesa de umasociedade mais justa, plural e democrática! Somente com uma amplaarticulação que será possível a vitória!
Não à ação do DemocratasEm defesa do Sistema de Cotas da UnB!

Brasília, 24 de Julho de 2009
Diretório Central dos Estudantes Honestino Guimarães da
UnBGestão Pra Fazer Diferente
Este grupo é formado por estudantes da UnB que desejam construir umnovo movimento estudantil: mais criativo e transparente, maisconsciente e transformador da sociedade. Para superar a mesmice doscaciques e o aparelhamento partidário, nós queremos um ME feito porestudantes e para os estudantes!