Pesquisa intitulada "Cotas e Universidade", realizada por Anita Cunha Monteiro, sob orientação da Profa. Dra. Débora Diniz, do Departamento de Serviço Social da UnB, conclui que a grande maioria dos(as) estudantes daquela universidade se posiciona favoravelmente às cotas raciais em universidades.
Confira abaixo alguns trechos do resumo. Para acessar a íntegra do resumo, clique aqui: http://www.servicos.sbpcnet.org.br/sbpc/59ra/senior/livroeletronico/resumos/R6712-1.html
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Confira abaixo alguns trechos do resumo. Para acessar a íntegra do resumo, clique aqui: http://www.servicos.sbpcnet.org.br/sbpc/59ra/senior/livroeletronico/resumos/R6712-1.html
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INTRODUÇÃO:
As políticas públicas de ações afirmativas instituídas por algumas universidades ou mesmo os projetos de lei propostos pelo governo brasileiro têm gerado vários debates na sociedade. A dimensão crescente que esses assuntos têm tomado, principalmente nas universidades onde foram implantadas as cotas, pode ser considerado evidência de um fenômeno social que permanecia a margem das discussões há varias décadas. Não há nada mais adequado que a história do próprio país para explicar a correlação existente entre esses temas e a importância deles para criação de um país mais justo e solidário.
Ao longo da história mundial, as conquistas territoriais geralmente são acompanhadas de violência. Em relação a colonização portuguesa no Brasil, não foi diferente. Pessoas pertencentes a diferentes culturas foram submetidas a um ideal de identidade nacional, muito presente nos Estados europeus a partir de suas unificações. Durante essas unificações, muitos povos tiveram seus costumes suas línguas e suas tradições reprimidas em prol de uma identidade cultural homogênea. Nessa mesma perspectiva, durante a colonização do Novo Mundo, o processo de repressão cultural foi bastante intenso, com o agravante de existirem estudos antropológicos os quais consideravam a organização social dos povos habitantes das Américas de forma inferiorizada.
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As políticas públicas de ações afirmativas instituídas por algumas universidades ou mesmo os projetos de lei propostos pelo governo brasileiro têm gerado vários debates na sociedade. A dimensão crescente que esses assuntos têm tomado, principalmente nas universidades onde foram implantadas as cotas, pode ser considerado evidência de um fenômeno social que permanecia a margem das discussões há varias décadas. Não há nada mais adequado que a história do próprio país para explicar a correlação existente entre esses temas e a importância deles para criação de um país mais justo e solidário.
Ao longo da história mundial, as conquistas territoriais geralmente são acompanhadas de violência. Em relação a colonização portuguesa no Brasil, não foi diferente. Pessoas pertencentes a diferentes culturas foram submetidas a um ideal de identidade nacional, muito presente nos Estados europeus a partir de suas unificações. Durante essas unificações, muitos povos tiveram seus costumes suas línguas e suas tradições reprimidas em prol de uma identidade cultural homogênea. Nessa mesma perspectiva, durante a colonização do Novo Mundo, o processo de repressão cultural foi bastante intenso, com o agravante de existirem estudos antropológicos os quais consideravam a organização social dos povos habitantes das Américas de forma inferiorizada.
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Stuar Hall cita Paul Gilroy para explicar como o racismo se camufla nas discussões sobre nacionalismo, nacionalidade e patriotismo. Segundo Gilroy, o racismo estabelece e protege um ideal de cultura nacional homogênea na sua branquidade. Este é um racismo que responde à turbulência social e política de crise e à administração da crise através da restauração da grandeza nacional na imaginação.
É exatamente nessa perspectiva que se constrói o racismo no Brasil. Como não houve nenhuma política inclusiva para ex-escravos, o Brasil entrou numa espécie de turbulência social e política que tem se acentuado. Essa crise é resultante de uma grande parcela da população, anteriormente força de trabalho escrava, ter se tornado livre e sem função socioeconômica repentinamente. Quando o governo brasileiro incentivou a vinda de migrantes europeus ao Brasil, por exemplo, tratava-se de uma ação em defesa da branquidade homogênea que colocava de lado os negros excluídos do mercado de trabalho que não contava mais com a mão de obra escrava. Essa imagem nacional de uma força de trabalho fundamentada em mão de obra branca e homogênea foi tão bem construída nos alicerces das teorias de raça européias que conseguiu dizimar até mesmo uma porcentagem significativa dos negros brasileiros. A idéia foi tão bem assimilada pelas elites que continua sendo repetida ainda hoje. Nas universidades, por exemplo, cenários do pensamento crítico e racional das sociedades, têm professores que acreditam no argumento segundo o qual existira a raça negra e essa seria inferior as demais raças.
Então, o racismo brasileiro foi conseqüência da inferiorização moral e social do negro pelo europeu durante a escravidão. Mas, a característica peculiar do Brasil foi a negação dessa posição superior historicamente construída. O caso é particular por causa dessa posição ambígua e duvidosa da elite branca. O fato da elite não se assumir como branca e privilegiada no período que sucedeu a abolição transformou o racismo brasileiro em um tipo esquizofrênico. Isto é, ao mesmo tempo em que é proferido um discurso de democracia racial e da inexistência de raças diferentes no Brasil devido a mestiçagem, não se concebe a existência de racismo. Então o resultado é um duplo vínculo que os descendentes de escravos têm na sociedade. O primeiro é a identificação com um grupo social inferiorizado e discriminado. O segundo vínculo é a falsa e passageira identificação com o grupo privilegiado social, político, econômico e até esteticamente. Sendo assim, os descendentes de escravos no Brasil têm permanecido fora das políticas inclusivas, pois não são reconhecidos como um grupo social com demandas 'sui generis'.
Voltando à análise do método comparativo em Antropologia Cultural, Franz Boas criticou o método evolucionista e difusionista, afirmando que o conceito de cultura explicava as diversidades sociais. Para Boas, o antropólogo deve sempre relativizar culturalmente diante dos grupos estudados. Dentre vários autores brasileiros influenciados pelas teorias de Boas está Gilberto Freyre que foi seu aluno. Além de Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Jorge Amado foram protagonistas na teorização da ideologia da mestiçagem e do mito da democracia racial. Gilberto Freyre foi o que conseguiu aliar da melhor forma as teorias de Boas com sua forma de pensar. Freyre se apoderou dos estudos de Boas sobre a inexistência de inferioridade entre raças para defender a idéia de inexistência de racismo no Brasil. Em sua obra “Casa Grande e Senzala” chega a firmar que a colonização dos portugueses foi branda. Buarque de Holanda publica obras também nesse sentido. E um tempo mais tarde, Amado caricaturava a mulata sedutora e o negro bonachão em suas obras popularmente difundidas.
Dessa forma, essas pessoas desautorizaram a identidade do negro, jogando-o num racismo esquizofrênico. Além disso, essa desautorização de identidade envolve argumentos sexistas e racistas. Essa situação construída se coloca contra o desejo e a decisão de uma afirmação de coletividade negra.
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É exatamente nessa perspectiva que se constrói o racismo no Brasil. Como não houve nenhuma política inclusiva para ex-escravos, o Brasil entrou numa espécie de turbulência social e política que tem se acentuado. Essa crise é resultante de uma grande parcela da população, anteriormente força de trabalho escrava, ter se tornado livre e sem função socioeconômica repentinamente. Quando o governo brasileiro incentivou a vinda de migrantes europeus ao Brasil, por exemplo, tratava-se de uma ação em defesa da branquidade homogênea que colocava de lado os negros excluídos do mercado de trabalho que não contava mais com a mão de obra escrava. Essa imagem nacional de uma força de trabalho fundamentada em mão de obra branca e homogênea foi tão bem construída nos alicerces das teorias de raça européias que conseguiu dizimar até mesmo uma porcentagem significativa dos negros brasileiros. A idéia foi tão bem assimilada pelas elites que continua sendo repetida ainda hoje. Nas universidades, por exemplo, cenários do pensamento crítico e racional das sociedades, têm professores que acreditam no argumento segundo o qual existira a raça negra e essa seria inferior as demais raças.
Então, o racismo brasileiro foi conseqüência da inferiorização moral e social do negro pelo europeu durante a escravidão. Mas, a característica peculiar do Brasil foi a negação dessa posição superior historicamente construída. O caso é particular por causa dessa posição ambígua e duvidosa da elite branca. O fato da elite não se assumir como branca e privilegiada no período que sucedeu a abolição transformou o racismo brasileiro em um tipo esquizofrênico. Isto é, ao mesmo tempo em que é proferido um discurso de democracia racial e da inexistência de raças diferentes no Brasil devido a mestiçagem, não se concebe a existência de racismo. Então o resultado é um duplo vínculo que os descendentes de escravos têm na sociedade. O primeiro é a identificação com um grupo social inferiorizado e discriminado. O segundo vínculo é a falsa e passageira identificação com o grupo privilegiado social, político, econômico e até esteticamente. Sendo assim, os descendentes de escravos no Brasil têm permanecido fora das políticas inclusivas, pois não são reconhecidos como um grupo social com demandas 'sui generis'.
Voltando à análise do método comparativo em Antropologia Cultural, Franz Boas criticou o método evolucionista e difusionista, afirmando que o conceito de cultura explicava as diversidades sociais. Para Boas, o antropólogo deve sempre relativizar culturalmente diante dos grupos estudados. Dentre vários autores brasileiros influenciados pelas teorias de Boas está Gilberto Freyre que foi seu aluno. Além de Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Jorge Amado foram protagonistas na teorização da ideologia da mestiçagem e do mito da democracia racial. Gilberto Freyre foi o que conseguiu aliar da melhor forma as teorias de Boas com sua forma de pensar. Freyre se apoderou dos estudos de Boas sobre a inexistência de inferioridade entre raças para defender a idéia de inexistência de racismo no Brasil. Em sua obra “Casa Grande e Senzala” chega a firmar que a colonização dos portugueses foi branda. Buarque de Holanda publica obras também nesse sentido. E um tempo mais tarde, Amado caricaturava a mulata sedutora e o negro bonachão em suas obras popularmente difundidas.
Dessa forma, essas pessoas desautorizaram a identidade do negro, jogando-o num racismo esquizofrênico. Além disso, essa desautorização de identidade envolve argumentos sexistas e racistas. Essa situação construída se coloca contra o desejo e a decisão de uma afirmação de coletividade negra.
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Pode-se concluir que o racismo da forma como foi concebido no Brasil, está intrinsecamente relacionado ao processo de formação de identidade nacional. Foi na formação da identidade brasileira mestiça que o racismo foi negado, não podendo ter sido combatido desde o processo de nacionalização. Foi preciso o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso admitir no exterior que o racismo no Brasil é velado para os próprios brasileiros refletirem e se analisarem. A questão racial também está bem apoiada em teorias de etnicidade, pois foi a partir delas que surgiram interpretações tendenciosas e racistas. Interpretações extrapolantes e muitas vezes equivocadas contribuíram para formação de teorias eugenistas, nazistas e facistas (Stepan: 2005).
Com a intenção promover a eqüidade no acesso a direitos e modificar o cenário de desigualdade que às políticas afirmativas entram no contexto social. Uma ação afirmativa leva em conta o princípio da eqüidade e discrimina positivamente, visando proporcionar o maior grau de igualdade. Em particular, as cotas para negros, como um dos mecanismos de ação afirmativa visa criar oportunidades para que os negros superem as desigualdades sociais.
Além disso, as ações afirmativas são políticas emergenciais e temporais para quebrar o processo desigual que afeta a distribuição de renda e o grau de instrução da população brasileira. Isso não desconsidera a importância de outras políticas públicas como a de reforma de base na educação ou mesmo mudanças estruturais referentes ao processo de distribuição de riquezas. Porém essas ações demorariam gerações para apresentarem resultados. No campo das ações afirmativas, o Brasil em 1999 conheceu a primeira proposta de cotas para negros no ensino superior brasileiro. Essa proposta foi apresentada ao Conselho de Ensino e Pesquisa (Cepe) da Universidade de Brasília (UnB) pelos professores José Jorge Carvalho e Rita Laura Segato (Carvalho, 2003). Para tanto, somente no ano de 2004 que a UnB adotou o sistema de cotas no vestibular visando aumentar o acesso de alunos negros no ensino superior brasileiro. Esta pesquisa teve como objetivo verificar como estudantes de graduação da UnB se posicionam em relação à seleção pelo sistema de cotas.
Com a intenção promover a eqüidade no acesso a direitos e modificar o cenário de desigualdade que às políticas afirmativas entram no contexto social. Uma ação afirmativa leva em conta o princípio da eqüidade e discrimina positivamente, visando proporcionar o maior grau de igualdade. Em particular, as cotas para negros, como um dos mecanismos de ação afirmativa visa criar oportunidades para que os negros superem as desigualdades sociais.
Além disso, as ações afirmativas são políticas emergenciais e temporais para quebrar o processo desigual que afeta a distribuição de renda e o grau de instrução da população brasileira. Isso não desconsidera a importância de outras políticas públicas como a de reforma de base na educação ou mesmo mudanças estruturais referentes ao processo de distribuição de riquezas. Porém essas ações demorariam gerações para apresentarem resultados. No campo das ações afirmativas, o Brasil em 1999 conheceu a primeira proposta de cotas para negros no ensino superior brasileiro. Essa proposta foi apresentada ao Conselho de Ensino e Pesquisa (Cepe) da Universidade de Brasília (UnB) pelos professores José Jorge Carvalho e Rita Laura Segato (Carvalho, 2003). Para tanto, somente no ano de 2004 que a UnB adotou o sistema de cotas no vestibular visando aumentar o acesso de alunos negros no ensino superior brasileiro. Esta pesquisa teve como objetivo verificar como estudantes de graduação da UnB se posicionam em relação à seleção pelo sistema de cotas.
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RESULTADOS:
Esse é um estudo descritivo sobre as cotas na Universidade de Brasília (UnB). Foram entrevistados 2,5% do total de estudantes da universidade, sendo 50% deles do sexo feminino e 50% do sexo masculino. Em relação à forma de ingresso na UnB, cerca de 63% dos alunos entrevistados ingressaram pelos sistema universal; 7% pelo sistema de cotas; 23% pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS); 4% por acordos entre países, 2% por transferência. Desses, 30% ingressaram antes da implementação do sistema de cotas no ano de 2004, e 70% depois da implementação do mesmo. A respeito da área dos cursos dos alunos entrevistados, 34% fazem cursos na área de exatas; 9% na área da saúde; e 57% na área de humanas. Entre os entrevistados, 68% afirmaram conhecer alguém que entrou na UnB pelo sistema de cotas; 24% não conhecem ninguém que entrou pelo sistema de cotas e 7% não souberam responder.
Em relação à cor da pele, 42% dos alunos entrevistados se declararam brancos; 40% pardos; 1% indígena; 2% amarelos; 14% negros. Entre as pessoas que se declaram brancos, cerca de 76% são a favor das cotas, assim como entre as pessoas que se declaram pardas. Entre as pessoas que se declararam negras ou pardas cerca de 73% são a favor das cotas. Por fim, em relação a legitimidade das ações afirmativas – cotas para negros – cerca de 84% das pessoas que se declararam brancos são a favor de ações afirmativas, assim como 82% das pessoas que se declaram negras ou pardas.
Esse é um estudo descritivo sobre as cotas na Universidade de Brasília (UnB). Foram entrevistados 2,5% do total de estudantes da universidade, sendo 50% deles do sexo feminino e 50% do sexo masculino. Em relação à forma de ingresso na UnB, cerca de 63% dos alunos entrevistados ingressaram pelos sistema universal; 7% pelo sistema de cotas; 23% pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS); 4% por acordos entre países, 2% por transferência. Desses, 30% ingressaram antes da implementação do sistema de cotas no ano de 2004, e 70% depois da implementação do mesmo. A respeito da área dos cursos dos alunos entrevistados, 34% fazem cursos na área de exatas; 9% na área da saúde; e 57% na área de humanas. Entre os entrevistados, 68% afirmaram conhecer alguém que entrou na UnB pelo sistema de cotas; 24% não conhecem ninguém que entrou pelo sistema de cotas e 7% não souberam responder.
Em relação à cor da pele, 42% dos alunos entrevistados se declararam brancos; 40% pardos; 1% indígena; 2% amarelos; 14% negros. Entre as pessoas que se declaram brancos, cerca de 76% são a favor das cotas, assim como entre as pessoas que se declaram pardas. Entre as pessoas que se declararam negras ou pardas cerca de 73% são a favor das cotas. Por fim, em relação a legitimidade das ações afirmativas – cotas para negros – cerca de 84% das pessoas que se declararam brancos são a favor de ações afirmativas, assim como 82% das pessoas que se declaram negras ou pardas.
CONCLUSÕES:
Esse survey inicial sobre as cotas na Universidade de Brasília (UnB) fornece alguns indícios de como os estudantes de graduação da UnB se posicionam diante do sistema de cotas para negros. 46% dos estudantes acreditam que as cotas facilitarão a entrada dos negros no mercado de trabalho e 15% não souberam avaliar. Aproximadamente 75% dos estudantes são favoráveis às ações afirmativas nas universidades públicas. Uma das ressalvas a serem feitas aos resultados é que a coleta de dados coincidiu com um período de intensas discussões no âmbito da universidade sobre o tema das cotas e do racismo. O estudo aponta para a importância de ações de sensibilização da comunidade acadêmica sobre as ações afirmativas, como as cotas para negros, uma vez que essas representam um mecanismo de justiça e de reparação das desigualdades sociais.
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