sexta-feira, 25 de novembro de 2011

DEMOCRACIA, DIREITO E POLÍCIA: o conflito na USP

(parte I)


Este artigo tem em conta o fato de que, nas últimas semanas, a “grande” mídia atuou de forma decisiva para deslocar o debate sobre a presença da polícia militar no campus universitário e acerca da democracia na Universidade de São Paulo para o plano da moralidade e dos interesses privados. De fato, consoante o estridente uníssono amplificado em diferentes meios de comunicação, a mobilização estudantil não passa de histeria de rebeldes sem causa, de um grupo de maconheiros, “filhinhos de papai”, ao mesmo tempo desocupados e preocupados com a manutenção de seus privilégios naturalmente decorrentes de estudarem na USP. Ainda segundo esse discurso, tais pessoas – que para muitos deformadores(as) de opinião não mereceriam ser chamados de estudantes – almejam que a USP seja um espaço fora da lei.

Ao contrário da postura que esses jornais impressos e televisivos, revistas e programas de rádio adotam quando acusam de corrupção pública deputados(as), senadores(as) e vereadores(as), curiosamente, tal conduta não raro prevista em seus respectivos ordenamentos de ética profissional não se deu no caso do conflito da USP. Com efeito, durante várias semanas os(as) estudantes foram agredidos(as) moral, ética e politicamente com todo tipo de acusação e injúria em tais meios de comunicação, sem que lhes tenha sido dada a oportunidade de resposta, tout court, ou em circunstâncias minimamente proporcionais. O prejuízo que isso gerou à credibilidade do movimento estudantil, à divisão interna da comunidade universitária e à imagem da universidade como um todo mostra-se de todo imensurável e irreparável. Esse massacre simbólico, seguido aos abusos físicos, morais e políticos promovidos no interior da Universidade pelo Reitor, por meio da polícia militar, merece e exige muitas respostas. Com este texto propomos apenas uma delas.

A democracia e o esvaziamento da política na universidade



Democracia é um dos conceitos que mais tem sido mobilizado nos recentes ataques aos objetivos do movimento estudantil da USP. De acordo com seus propaladores, que se arvoram a “dar aula de democracia” apesar de defenderem com unhas e dentes estruturas de poder e práticas herdadas da época do Império, esse regime político implica na submissão de todos à ordem, isto é, ao status quo, para a obtenção da paz social. Vêem a sociedade como um conjunto indiviso, unido pela mesma concepção de “bem comum”. A política deve funcionar bem e, para que seja eficaz e eficiente, ela deve se pautar no consenso.

Sob tal ótica, o conflito social constitui uma ameaça. Uma ameaça à democracia e à política em geral. Por isso, em nome da paz, deve-se fazer a guerra. É preciso reprimir ou – como se diz com mais naturalidade – “restabelecer a ordem” e a legalidade para que todos continuem igualmente calados perante a lei. Igualmente apenas do ponto de vista formal, é claro. Para que, enfim, voltemos a ser o velho povo brasileiro, tão tranqüilo, pacífico e caloroso, não é?

Por trás dessa caricatura grotesca há uma operação sistemática de degeneração democrática. A desigualdade social que gera diversidade e contradição de interesses é escondida sob um suposto discurso comum. O questionamento crítico é interpretado como entrave ao ‘bom andamento’ das coisas. A oposição se torna um problema. Tenta-se de qualquer maneira escamotear a divisão social, a divergência de idéias e de práticas, e a tensão de forças.

À medida que o conflito se manifesta sem cessar no interior da universidade, a reitoria apresenta apenas uma resposta: a tentativa automática de supressão pura e simples da divergência por meio do uso da força policial. Os meios de comunicação a auxiliam, angariando apoios e construindo sua legitimidade artificial diante da opinião pública que exerce sua força simbólica.
O que isso significa, em termos políticos? Trata-se precisamente do esvaziamento lento e seguro da esfera pública, levado a cabo por interesses privados que não encontram mais limitações claras no atual cenário de debates. Os interesses de um grupo determinado são transmitidos como se fossem os únicos, ou seja, como os valores e os interesses de toda a comunidade acadêmica. O consenso é buscado através do silenciamento da alteridade e do medo.

Isso nos lembra muito a visão teológico-política de Carl Schmitt, bem alinhada com a teoria de Thomas Hobbes, segundo a qual a democracia é o governo de um povo homogêneo. O autor de A Ditadura, de Conceito do Político e da Teologia Política, membro de carteirinha do partido nazista alemão, não hesitava afirmar que se tal homogeneidade de pensamento e identidade do povo não existisse seria legítimo ao soberano instituí-las pela força. Para tanto, Schmitt sugere de bom grado, o soberano poderia se valer do aniquilamento de territórios “dissidentes” pelo uso de bombas de destruição de massa.

A concepção de democracia do atual reitor da USP não é tão diferente disso. Ele exige uma homogeneidade e um consenso impossíveis, valendo-se de práticas autoritárias para obtê-lo. Assim como Carl Schmitt, para quem a soberania só pode subsistir no corpo de um único homem, ainda que se fale em democracia, o reitor da USP acredita que o poder soberano está incorporado nele próprio.

Primeiro ele concentra o poder de decisão sobre quase todos os assuntos da universidade, tornando inócuos os rarefeitos canais de participação ainda existentes na estrutura da universidade. Então, toma suas decisões e só depois, quando elas já se encontram em vigor (como no caso da PM), as submete aos órgãos e aparelhos da USP, cuja maioria dos representantes foi indicada por ele mesmo, para que as referendem. A isso, o reitor (e o governador do Estado) chama de gestão democrática. Falta-lhe apenas explicar com fundamento em qual teoria autoritária.

Ora, na história do pensamento político ocidental o fenômeno em curso na USP tem um nome: chama-se corrupção. No sentido clássico da palavra, que encontra uma larga linha na tradição que passa por Platão na Antiguidade, Maquiavel na Modernidade, entre outros de nossos dias, corrupção é empobrecer e impedir os meios e condições de se fazer política, aniquilando o espaço público em que se dá o debate. Em outras palavras, corrupção é o esvaziamento da esfera do político.

Não é outra coisa o que ocorre na USP. Os conflitos se acirram na universidade diante da falta de canais institucionais para sua expressão e sua equação, bem como em face da ausência de formas democráticas de exercício de participação da comunidade universitária na tomada de decisões que lhe digam respeito. Qual a resposta do reitor? A polícia.

O domínio da polícia vem substituir a esfera do político, tal como anteriormente compreendido. Ela o suprime a golpes de cassetete em cada manifestação. E, especialmente, nas manifestações políticas de estudantes por melhorias na universidade, ou de funcionários pela melhoria nas condições de trabalho. Nesse sentido, o discurso securitário do reitor não passa de uma cortina de fumaça, como afirmou com clareza o Prof. Pablo Ortellado .

É notável que, nesse processo, o direito esteja desempenhado um papel central. Com efeito, a ação policial tem se fundado e se legitimado pela legalidade. Em nome da ordem, deve-se censurar o debate e a tensão de forças. O coração da democracia, que é o legítimo conflito de idéias, é atacado em nome dela mesma. E o direito que deveria protegê-la se torna a arma que a assassina.

Esquece-se que o direito nasce a partir de conflitos, discussões acaloradas e contradições sociais. Esquece-se, portanto, que se o direito muda é devido a tudo isso. A atitude unilateral do reitor em acabar com o debate por meio da polícia não passa da defesa estrita do status quo.

Direito e democracia: contradições de um discurso autoritário


O discurso autoritário que pretende se legitimar pelo direito não tarda a cair em contradição. Pois é da essência do autoritarismo não admitir limites à sua lógica perversa. Não por outra razão, os discursos e práticas do reitor e do governador do Estado de São Paulo estão repletos de problemas não apenas de ordem política (como se fosse pouco), mas igualmente de natureza jurídica.

O reitor, o governador e a “grande” mídia afirmam que o pleito dos estudantes uspianos é tornar a USP um território de exceção, onde as leis válidas para todos os mortais não se aplicam. Evidentemente, não se trata de nada disso como demonstraremos neste e em outros artigos.
O primeiro ponto interessante é o seguinte: de um lado, o reitor nega a existência de autonomia universitária, para declarar que quando estudantes discutem a presença da PM no campus eles querem ter um privilégio ilegal; de outro lado, ele próprio se vale da autonomia universitária, efetivamente prevista no artigo 207 da Constituição Federal de 1988 para decidir questões que, de outro modo, jamais poderiam nem mesmo ser cogitadas. Ocorre que quando é ele quem decide o que fazer no âmbito da USP, com fundamento na mesma autonomia universitária que existe há 14 anos na Carta Magna, nesse caso não se trata de privilégio, mas de prerrogativa fundamental.

O segundo ponto interessante é que para assumir todas as decisões que vem adotando de forma unilateral o reitor tem se justificado com o direito: o direito que estabelece as normas internas da universidade (estatuto, regimento, portarias...), a dita regra da autonomia universitária, entre outras. Mas ele faz questão de esquecer outras normas, tão positivadas quanto estas que ele mobiliza, que demonstram o casuísmo e o oportunismo da defesa do direito.

Com efeito, o reitor, o governador e a mídia, sempre tão democráticos, não encontraram regra alguma que colocasse parâmetros e limites para a atuação do reitor da USP. Certamente porque, segundo eles, não deve haver nenhuma! É realmente uma pena (para eles) que a Constituição Federal guarde um dispositivo tão libertador quanto o artigo 206, que cuida dos princípios da educação no Brasil.

Nele, prevê-se que um pilar inalienável da educação é a “gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (inciso VI, art. 206, CF). Que lei o regulamentou? A Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394 de 1996), cujo art. 3º estipula:



“Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
VIII – gestão democrática do ensino público, na forma
desta lei e da
legislação dos sistemas de ensino”.
Ademais, o artigo 56 da referida norma indica a necessidade de uma gestão democrática que assegure a participação de todos os segmentos da comunidade acadêmica nos colegiados deliberativos. O dispositivo em apreço estipula, ainda, a porcentagem mínima de representantes docentes nos órgãos decisórios da universidade. Litteris:


“Art. 56. As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio
da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados
deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional,
local e regional.
Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes ocuparão
setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos
que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como
da escolha de dirigentes” (LDB, destaques nossos).

Sucede que o Estatuto da Universidade de São Paulo se encontra em absoluta discrepância não apenas com a porcentagem prevista nessa lei federal, mas, sobretudo, com o princípio constitucional da gestão democrática, que é violado tanto nas instâncias deliberativas, quanto nas práticas mais cotidianas de resolução de conflitos.


Mas o que é a autonomia universitária prevista na Constituição (art. 207, CF) sem a gestão democrática igualmente nela prevista (art. 206, VI, CF)? Autonomia para decidir sem democracia só pode ser tirania.

Sim, foi com base em nessa ilegalidade e inconstitucionalidade que o atual reitor da USP foi eleito. Ele e o governador de São Paulo, os grandes arautos da democracia, os grandes defensores da legalidade – eles vão a público para justificarem o injustificável, pronunciando valores cujo conteúdo desconhecem. O reitor da USP e o governador de São Paulo acusam de antidemocráticos e de criminosos os(as) estudantes que não se esqueceram do princípio democrático insculpido na Constituição Federal, que têm a coragem de lutar por ele e contra a tirania institucionalizada.

domingo, 6 de novembro de 2011

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Ninguém está acima da lei. Mas, quem é ninguém? O que é a lei?

por Jorge Luiz Souto Maior, prof. livre docente da Faculdade de Direito da USP

Para deslegitimar o ato de estudantes da USP, que se postaram contra a presença da polícia militar no campus universitário, o governador Geraldo Alckmin sentenciou: “Ninguém está acima da lei”, sugerindo que o ato dos estudantes seria fruto de uma tentativa de obter uma situação especial perante outros cidadãos pelo fato de serem estudantes. Aliás, na sequência, os debates na mídia se voltaram para este aspecto, sendo os estudantes acusados de estarem pretendendo se alijar do império da lei, que a todos atingem.

Muito precisa ser dito a respeito, no entanto.

Em primeiro lugar, a expressão, “Ninguém está acima da lei”, traduz um preceito republicano, pelo qual, historicamente, se fixou a conquista de que o poder pertence ao povo e que, portanto, o governante não detém o poder por si, mas em nome do povo, exercendo-o nos limites por leis, democraticamente, estatuídas. O “Ninguém está acima da lei” é uma conquista do povo em face dos governos autoritários. O “ninguém” da expressão, por conseguinte, é o governante, jamais o povo. Claro que nenhum do povo está acima da lei, mas a expressão não se destina a essa obviedade e sim a consignar algo mais relevante, advindo da luta republicana, isto é, do povo, para evitar a deturpação do poder.

Nesse sentido, não é dado ao governante usar o preceito contra atos de manifestação popular, pois é desses atos que se constroem, democraticamente, os valores que vão se expressar nas leis que limitarão, na sequencia, os atos dos governantes.

Dito de forma mais clara, a utilização do argumento da lei contra os atos populares é um ato anti-republicano, que favorece o disfarce do império da lei, ao desmonte da contestação popular aos valores que estejam abarcados em determinadas leis.

Foi isso, aliás, que se viu recentemente em torno do direito das pessoas se manifestarem, de forma organizada e pacífica, contra a lei que criminaliza o uso da maconha. Todos estão sob o império da lei, mas não pode haver obstáculos institucionalizados para a discussão pública da necessidade ou não de sua alteração.

A lei, portanto, não é ato de poder, não pertence ao governante. A lei deve ser fruto da vontade popular, fixada a partir de experiências democráticas, que tanto se estabelecem pelo meio institucionalizado da representação parlamentar quanto pelo livre pensar e pelas manifestações públicas espontâneas.

E, ademais, qual é a verdade da situação? A grande verdade é que os alunos da USP não estão querendo um tratamento especial diante da lei. Não estão pretendendo uma espécie da vácuo legal, para benefício pessoal. Para ser completamente, claro, não estão querendo fumar maconha no Campus sem serem incomodados pela lei. Querem, isto sim, manifestar, democraticamente, sua contrariedade à presença da PM no Campus universitário, não pelo fato de que a presença da polícia lhes obsta a prática de atos ilícitos, mas porque o ambiente es colar não é, por si, um caso de polícia.

Querem pôr em discussão, ademais, a legitimidade da autorização, dada pela atual Direção da Universidade, em permitir essa presença.

A questão da legitimidade trata-se de outro preceito relevante do Estado de Direito, pois a norma legal, para ser eficaz, precisa ser fixada por quem, efetivamente, tem o poder institucionalizado, pela própria ordem jurídica, para poder fazê-lo e, ainda, exercer esse poder em nome dos preceitos maiores da razão democrática.

Vejamos, alguém pode estar questionando o direito dos alunos de estarem ocupando o prédio da Administração da FFLCH, sob o argumento de que não estão, pela lei, autorizados a tanto. Imaginemos, no entanto, que a Direção da Unidade, tivesse concedido essa autorização. A questão, então, seria saber se quem deu autorização tinha a legitimidade para tanto e mais se os propósitos da autorização estavam, ou não, em conformidade com os preceitos jurídicos voltados à Administração Pública.

Pois bem, o que os alunos querem é discutir se a autorização para a Polícia Militar ocupar os espaços da Universidade foi legítima e quais os propósitos dessa autorização. Diz-se que a presença da Polícia Militar se deu para impedir furtos e, até, assassinatos, o que, infelizmente, foi refletido em fatos recentes no local. Mas, para bem além disso, a presença da Polícia Militar tem servido para inibir os atos democráticos de manifestação, que, ademais, são comuns em ambientes acadêmicos, envoltos em debates políticos e reivindicações estudantis e trabalhistas. Uma Universidade é, antes, um local experimental de manifestações livres de ideias, instrumentalizadas por atos políticos, para que as leis, que servirão à limitação dos atos dos nossos governantes, possam ser analisadas criticamente e aprimoradas por intermédio de práticas verdadeiramente democráticas.

A presença ostensiva da Polícia Militar causa constrangimentos a essas práticas, como, aliás, se verificou, recentemente, com a condução de vários servidores da Universidade à Delegacia de Polícia, em razão da realização de um ato de paralisação de natureza reivindicatória, o que lhes gerou, dentro da lógica de terror instaurada, a abertura de um Inquérito Administrativo que tem por propósito impingir-lhes a pena da perda do emprego por justa causa.

Dir-se-á que no evento que deu origem à manifestação dos alunos houve, de fato, a constatação da prática de um ilícito e que isso justificaria o ato policial. Mas, quantas não foram as abordagens que não geraram a mesma constatação? De todo modo, a questão é que os fins não justificam os meios ainda mais quando os fins vão muito além do que, simplesmente, evitar a prática de furtos, roubos, assassinatos e consumo de drogas no âmbito da Universidade, como se tem verificado em concreto.

Há um enorme “déficit” democrático na Universidade de São Paulo que de um tempo pra cá a comunidade acadêmica, integrada por professores, alunos e servidores, tem pretendido pôr em debate e foi, exatamente, esse avanço dessa experiência reivindicatória que motivou, em ato de represália, patrocinado pelo atual reitor, o advento da polícia militar no campus, sob a falácia da proteção da ordem jurídica.

A ocupação da Administração da FFLCH pelos alunos, ocorrida desde a última quinta-feira, não é um ato isolado, advindo de um fato determinado, fruto da busca frívola de se “fumar maconha” impunemente no campus. Fosse somente isso, o fato não merecia tanta repercussão. Trata-se, isso sim, do fruto da acumulação de experiências democráticas que se vêm intensificando no âmbito da Universidade desde 2005, embora convivendo, é verdade, com o trágico efeito do aumento das estratégias repressoras. Neste instante, o que deve impulsionar a todos, portanto, é a defesa da preservação dos mecanismos de diálogo e das práticas democráticas. Os alunos, ademais, ainda que o ato tenha tido um estopim, estão sendo objetivos em suas reivindicações: contra a precarização dos direitos dos trabalhadores; contra a privatização do ensino público; contra as estruturas de poder arcaicas e autoritárias da Universidade, regrada, ainda, por preceitos fixados na época da ditadura militar; pela realização de uma estatuinte; e contra a presença da Polícia Militar no Campus, que representa uma forma de opressão ao debate.

O ato dos alunos, portanto, é legítimo porque seus objetivos estão em perfeita harmonia com os objetivos traçados pela Constituição da República Federativa do Brasil, que institucionalizou um Estado Democrático de Direito Social e o fato de estarem ocupando um espaço público para tanto serve como demonstração da própria origem do conflito: a falta de espaços institucionalizados para o debate que querem travar.

A ocupação não é ato de delinquência, trata-se, meramente, da forma encontrada pelos alunos para expressar publicamente o conflito que existe entre os que querem democratizar a Universidade e os que se opõem a isso em nome de interesses que não precisam revelar quando se ancoram na cômoda defesa da “lei”.

São Paulo, 30 de outubro de 2011.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

humilde paisagem

paisagem:
a cópula
da cúpula
do céu
com a copa
da árvore.

sábado, 15 de outubro de 2011






"vá trabalhar, coloque suas crianças na escola, siga a moda, aja normalmente, ande nas calçadas, assista tv, poupe seu dinheiro para a velhice, obedeça à lei, repita comigo: eu sou livre" (cartaz de manif da nova zelândia do 15 de outubro de 2011, dia global das manifestações dxs indignadxs).


no brasil, o debate mais fundamental dos últimos tempos em torno da necessidade de mudanças sociais urgentes tem se restringido ao tema das corrupções de políticos. o assunto é um lodo profundo. a direita e a esquerda tradicional nele escorregam sem querer, são a ele puxados por uma espécie de força centrípeta e sujam-se umas às outras nos grandes meios de comunicação. apesar de estarem com lama até os joelhos, ambas tentam limpar o próprio rosto nessas mesmas mídias para se reproduzirem no poder - que o diga a ficha limpa.


por incrível que pareça, essa é uma excelente estratégia pros dois lados. pois é envolvendo a sociedade numa série de escândalos (que se tenta inutilmente conectar no plano dos fatos) que ela se vê, de súbito, também arrastada para o mesmo lodo sem resposta. nesse meio, fica calada pelo senso comum que predita o bom senso: a corrupção é má, lutemos contra ela e contra cada político corrupto. todas as nossas mazelas se resumem a isso. temos força de vontade para mudarmos o país, mas tudo enguiça na corrupção de alguns poucos.


melhor maneira para não problematizar as práticas e as teorias de uma direita que nas últimas décadas realimentou esse modelo de corrupção - veja-se o caso das propostas de financiamento público de campanha - e só fez realizar as medidas mais duvidosas em termos governamentais. trata-se das mesmas ações que provocaram as atuais crises européias e norte-americanas. assim, diante do espelho que o mundo hoje nos oferece em termos do que seria nosso futuro caso seguíssemos aquelas coordenadas políticas, de fato fica muito difícil sustentar o velho discurso de privatização de empresas estratégicas, cortes de investimento em saúde, educação e programas sociais de redução da pobreza e não-intervenção econômica.


ademais, em face de uma mobilização global maravilhosa, como não se via desde as manifestações de Seattle e seguintes, cumpre a essa direita buscar um discurso de consenso e de "paz". ela quer continuar a representar supostamente os interesses do povo. a luta contra a corrupção é um mote excelente, pois não vai ao fundo do problema e, ao mesmo tempo, dá voto. fiquemos longe, muito longe da idéia de luta de classes ou de revolução. não, o problema não é do capitalismo. não é um problema sistêmico: é desse, daquele e ainda daquele outro político em particular... como são bons os valores puros na boca de um conservador desalmado! nessa boca, os valores dispensam a política. "veja bem, a questão não é política, é pessoal! pra não dizer logo que seja de berço".


estamos no lama, com a garganta na matéria em decomposição. mas nós, a multidão (como diz o negri), não temos o que temer. nós fazemos temer. é da lama ao caos e do caos à lama. nascemos e vivemos na sopa da vida, no caldo do novo. e quando o caldo entornar de verdade não vai ser nada pessoal... é que a liberdade só existe quando é sistêmica.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

quando entrei no avião para voltar para são paulo chorei muito. não deixei ninguém ver, porque não gostaria de me explicar. nem estava preocupada em entender. mas me lembrei do alemão negro e alto que conheci num boteco queer de berlin. aquele bar escuro e descontraído ficava no sótão de uma ocupação, próxima ao new yorck 59. ele havia nascido na áfrica, depois se mudara para nova iorque e, por fim, escolheu a alemanha como lar. lar é um dos deuses latinos protetores da casa, da saúde doméstica. escolher um país dentre todos no mundo é como viver num país politeísta e optar por um deus protetor a ser cultuado. mas para quem já depositou seus votos em uma outra divindade a mudança não é das mais simples. era um pouco o que aquele senhor me explicava quando me disse que as saudades se acumulam, não se substituem. uma vez realizada, a adesão a um lar seria para sempre irrevogável. elas se sobrepunham, somando-se. ele falava comigo e eu pensava em um doce mil-folhas, com todas aquelas camadas finas tão quebradiças. então meu coração era aquilo. um doce frágil e aerado com recheio de chantilly e creme vanila.
"(...) cada cientista pega o seu quinhão, sem se ocupar muito do conjunto. o físico explica o azul do céu, o químico a água do riacho, o botânico a relva. o cuidado de recompor a paisagem, tal como a percebo e me comove, eles deixam para a arte, se o pintor ou o poeta houverem por bem dela se encarregar" (marc bloch, apologia da história, trad. andré telles, ed. zahar, 2001, p. 132.)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A fuga (José Rodrigo Rodriguez)

Você não precisa de mim
para nada,
sempre haverá vento e folhas,
frutos pendentes ao longo
da estrada de mil pernas
como centopéia cega,
cujo farol é seu senso.

Você não precisa de mim
para nada,
eu espero você sair
para derramar a primeira lágrima.

Nada demais, logo passa
e se não passar
eu prometo:
vento dentes de aço
pele riscada que arde
onde se veja sem volta,
antes que eu te reconheça.

Pois é preciso partir rápido
e fugir dos cães de caça,
evitar a captura
de um nome ou
de tanto amor:
fica muda e me chupa
eu gosto, você gosta.

jrodrigorodriguez.wordpress.com

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Minha vizinha (Osvaldinho da Cuíca)

Eu vivia e morava na periferia
Mas certo dia resolvi mudar
E fui morar lá na vila monumento
Num apartamento de vista espetacular
Mas a minha alegria durou muito pouco foi só um momento
Pois o problema é a vizinha do lugar

Ela é anarquista, ela é terrorista da faixa de gaza
E fez meu sonho em pesadelo se acabar
Ela é anarquista, ela é terrorista da faixa de gaza
E fez meu sonho em pesadelo se acabar

Quando ela fala parece a corneta de um regimento
Convocando a tropa no apartamento
Que é muito pequeno pro seu batalhão
É cachorro que late, a velha que grita, a gorda que berra
Criança pulando brincando de guerra
Tirando o sossego deste cidadão

A Minha vizinha
É maloqueira
Maloqueira, maloqueira
Sem era nem beira, sem educação
Desabafo cantando esse samba pra ela (só prá ela)
Com muito respeito e consideração

Que ela tenha um infarto pro bem da nação

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Marrocos

"A Espanha justamente, nós a percebemos de uma espécie de belveder no meio da avenida Victor-Hugo. Era noite, muito escuro ao longe. Do outro lado do Mediterrâneo se podiam ver claramente luzes cintilantes e um semáforo bastante orgulhoso que parecia lançar chamados, convites, e ao mesmo tempo colocava em suspenso quem tentasse atravessar o braço de mar, os perigos seriam numerosos e os sonhos logo se tornariam cinzas, vidas para sempre quebradas.

Achei esse espetáculo cruel, triste, cínico. Mas eu era bem o único, os passantes tinham o ar feliz. Talvez seus sonhos estivessem ainda intactos, fortes, luminosos".


(Abdellah Taïa, L'armée du salut, Paris: Seuil, p. 51-52, trad.l.)
paris, a cidade-estado que abriga o louvre, as casas de picasso, rodin, bourdelle, zadkine, os petit, grand, palais de todos os tamanhos, os parques-museus, as vitrines do carnavalet. onde a ânsia do museu só faz testemunhar, muito longe da pura obsessão de preservação, a culpa pela destruição quase absoluta da cidade. que esses destroços sejam guardados e expostos nas bandejas, nas prateleiras das válvulas de escape em que pagamos pra entrar.

quarta-feira, 20 de julho de 2011



em marselha tem sabão pra lavar as escadas do bonfim com laranja, lavanda e alecrim. não que seja a mesma coisa. mas tem tanto mar que bem podia emprestar pra paris respirar no seu pomar. igrejas pra salvar todo mundo mesmo que, contudo, quase ninguém queira ser salvo. as pedras de arlun se multiplicam para cicatrizar as feridas da pele e, com um pingo de fé, as do coração. penso nos quinhentos combatentes saíram de marselha rumo a paris para apoiarem a revolução de 1789 e que cantaram no caminho a canção que se tornou o hino da república. acho que os calanques devem se aparentar com a geografia grega. o mediterrâneo, o porto, o útero, este potro de batalha, essa sopa quente que liga a europa à áfrica. córsega, argélia, tunísia, frança. aqui, ali. vejo a lua na água azul-tormenta. o vento toma o corpo que sobrevoa o oceano de sentimentos que finjo distrair no porto velho de marselha, pra não me distrair da vida.

sábado, 16 de julho de 2011

Irma

http://www.youtube.com/watch?v=D6PSLQ9MJoU&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=0EOohWgLVWI&feature=relmfu

sábado, 9 de julho de 2011

as leiteiras holandesas

VAN DONGEN, A leiteira (1898)






VERMEER, A leiteira (1658)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

shafic abboud

Shafic Abboud, pintor libanês que se mudou para Paris. Nasceu em 1926, morreu em 2004.





As meninas (Les filles)



Abstrato II

segunda-feira, 13 de junho de 2011

a tradiçao filosôfica muitas vezes localiza o prazer no seio do sujeito consciente. nao sei, hoje gozamos nas baladas, com as marvadas, a alienaçao do mundo, o esquecimento de si...

sábado, 4 de junho de 2011

prévert

Pra você meu amor

Fui ao mercado de pássaros
E comprei pássaros
Pra você
Meu amor
Fui ao mercado de flores
E comprei flores
Pra você
Meu amor
Fui ao mercado de ferros
E comprei correntes
Pesadas correntes
Pra você
Meu amor
Depois fui ao mercado de escravos
E te procurei
Mas não te encontrei
Meu amor


***


VOCÊ VERÁ O QUE VOCÊ VERÁ

No mar nada uma menina
Sobre as águas anda um homem barbudo
Onde está a maravilha das maravilhas
O milagre acima anunciado?

(Jacques PRÉVERT, Paroles, l.trad.)

transformaçao do normal

No âmbito LGBT, falar em normalidade parece uma provocação. Afinal, o termo serviu tradicionalmente para excluir “o diferente”. Anormais eram crianças órfãs, mulheres histéricas, feministas, ladrões, “deficientes” físicos e mentais e todos os classificados como desviados. Dessa ótica, defender a transformação do que seja considerado “normal” pode representar má-fé. A mera mudança do “grupo de risco”, apenas uma forma de mudar de abismo.
De outro modo, surgem sugestões politicamente corretas: a abolição de todo critério de norma, o ostracismo da idéia de “normal” da cidade das palavras. Tais propostas talvez soem bem na tela do site, mas na prática a teoria é bem outra. Pois não há conceito reprimido que deixe de se fortalecer ainda mais. Prova disso constituem justamente os termos politicamente incorretos. Sempre que possível, não se hesita utilizar as expressões, em tese, as mais ultrapassadas para se reafirmar a vivência de uma dimensão de violência que se quer a todo custo esvaziar. Diferentemente, termos apropriados por grupos discriminados perdem grande parte de seu potencial ofensivo (não é, bichona?).
Por isso, acho que às vezes mais vale deslocar o sentido da expressão “normal” que reprimir seu uso. Esse deslocamento foi operado de forma singular pelo médico e filósofo francês Georges Canguilhem, na tese que ele defendeu na faculdade de medicina de Strasbourg. Publicado pela primeira vez em 1943, o Ensaio sobre o normal e o patológico* ensina que o conceito de “normal” hoje utilizado no âmbito psicológico e social tem origem na medicina e foi mantido graças a uma tradição teórica de remissões problemáticas às obras de certos médicos do século XIX.
Ora, o que faz Canguilhem é demonstrar que, de um ponto de vista metodológico, a interpretação dos fenômenos médicos (e filológicos) que deram origem a esse conceito está equivocada. Para o autor, nem o ser vivo “normal” (saudável) é aquele que segue uma norma, nem o “anormal” (doente) é aquele que não segue norma alguma, imerso, portanto, em um estado de anomia biológica. Era isso o que reproduziam os manuais médicos que deram fundamento aos múltiplos usos do termo nos tempos modernos.
Para Canguilhem, o ser vivo só se mantém saudável na medida em que ele estabelece uma dupla relação com o meio ambiente. De um lado, ele sofre certas imposições irremediáveis desse meio, que o impelem à adaptação. Nesse sentido, ele permanece saudável apenas caso consiga exatamente se modificar, substituir suas “normas” internas, criando outras. De outro lado, ele deve impor ao meio ambiente seus valores. Isso quer dizer que, diante das possibilidades de escolha oferecidas, ele decidirá (e mesmo interpretará o que é ou não uma “possibilidade de escolha” para si) segundo sua concepção de mundo, suas idéias, seus valores. Nessa hipótese, há uma espécie de luta contra o ambiente para a modificação das normas até então válidas.
Assim, nos dois casos, constata-se que o que se relaciona à saúde não é a manutenção de uma norma estável e fixa, mas a capacidade de adaptação e de transformação do sujeito e do seu meio. A luta pela vida se traduz na luta contra a norma que passou a estar morta. O indivíduo doente não é aquele cujo corpo ou cuja mente não obedece a nenhuma norma. Ao contrário, o doente é aquele que só consegue viver sob a regência de uma única norma – a qual não encontra mais amparo no meio. O doente é o inadaptado por incapacidade de auto-modificação e de modificação externa. O que não consegue mais lutar, nem para alterar sua norma interna, nem para alterar o meio que está em torno de si.
Se tomarmos essas definições médicas de normalidade e patologia, o uso político-social delas oriundo teria repercussões profundas no seio da contemporaneidade. Inúmeros paralelos seriam possíveis ao se mencionar as noções de meio, valores, luta, modificação e criação de normas. De uma forma particular, e até mesmo contra a vontade de Canguilhem, é esse tipo de deslocamento do campo médico ao político-social – ainda que haja sempre uma ligação ou identificação essencial entre ambos – que o movimento LGBT tem feito nos últimos anos, talvez sem saber quais seriam suas próprias fontes ideológicas.
O que interessa é que essas “novas concepções” não geram uma simples inversão da hierarquia (da relação de forças), pois não se trata de dizer aos grupos homofóbicos que eles são doentes quando demonstram uma incapacidade profunda de abertura à mudança e ao diálogo que aponta para uma transformação das regras do jogo. A transformação aqui, não cabendo em um esquema dialético, deve ser mais radical e jamais encerrar a tensão sempre presente nas normas provisoriamente estáveis. Não há estado de superação absoluta. Em verdade, trata-se de afirmar a historicidade de todas as políticas, inclusive daquelas que procuram se legitimar em discursos supostamente imemoriais, que de fato pretendem apagar todos os rastros da memória das normas de seu meio de origem.

* Essai sur le normal et le pathologique

segunda-feira, 30 de maio de 2011

o vento chega com o frescor da noite que nao cai antes das 20h. tenho o dia todo pra suar, pra me queimar e depois pra me lembrar que numa dessas quedas estarei às vésperas de partir. partir e chegar se equivalem na dor. nao tenho métrica para mensurar o que estou deixando, nem o que vou reencontrar. mas pressinto a desmesura. a vida que se vive sem saber ao certo em que dimensao, este saber, isso deixa uma marca encravada no ar. uma marca que se move, que se sedimenta. que se constitui na noite, nas despedidas, nesses abraços miseràveis. uma marca que sente falta das outras. ela sente. essa marca sou eu. essa marca tem um coraçao irreprimivel.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Nina Bouraoui

20 décembre
Eu saio do Meio das Meninas. Eu repito meu nome, meu endereço, o côdigo da minha porta. eu nao quero esquecer quem sou. Ouço a risada das meninas. Ê sempre a neve que cai, lentamente, sobre o Luxemburgo, o jardim onde aprendi a andar. Elas dançam, sao sempre as mûsicas da minha adolescência, as meninas nao crescem, a homossexualidade é uma juventude.

2 janvier 1988
Perco minha face no Meio das Meninas.

12 janeiro
Fico no bar, como um homem. Eu acredito num verdadeiro destino amoroso.

22 de janeiro
Eu nao tenho vergonha, eu poderia me colocar de joelhos, poderia dar o meu corpo, e eu fico là, no centro das meninas que dançam.

11 février
Nôs temos todas o mesmo desejo e eu nao tenho medo disso. Eu sou feita das meninas da noite. Sou feita dessa inteligência. Sou feita de sua violência e de sua doçura.

14 de setembro
Esperar um livro se torna esperar o amor.
No Studio A vi uma menina muito bonita. Ela diz que ela é estrangeira. Ela diz que nao fala bem francês. Eu tenho uma mao que escreve. Tenho uma boca que beija. Ela diz: Eu nao tenho palavras, e eu, eu fico sem coraçao.
Me entendio dentro de mim. Preciso de um corpo. Preciso desta devoraçao.

(Nina Bouraoui, Poupée bella, Paris: Stock, 2004, livre trad.)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

voilà, o ganhador do nobel da paz confessou no palanque que matou mesmo, matou de longe, com suas bombas potentes, como os covardes; entrou no paquistão sem anunciar ao paîs suas ações, por não confiar em ninguém; foi saudado pela direita e pela esquerda do seu paîs, como queria, grande vitôria; poupou mais uma pessoa do oriente médio da sagrada tradição do avançado estado democràtico de direito ocidental. obama, que medo você guarda, que impotência você esconde, que nos parece tão lîmpida, tão suja ? que o bin laden era sô uma sombra, dessas que dispensam o corpo, jà se pressentia. tinha me esquecido de que ele vivia, mas fui lembrada por você. a auto-exaltação, o sentimento de vingança, a segurança nacional, ninguém acredita em vocês.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

a vida é feita de muita caloria.
meu coraçao nao vê fronteiras, ele é cego pros lados, pros nortes, sobrenomes, pras noites, dos selos sô sente as cores, cego, mas em todos os corpos vê luzes, pra eles guarda amores, e crê, porque coraçao nao pensa, acredita logo de vez, que lugar qualquer é o lugar de viver.

sábado, 23 de abril de 2011

todos os alemães, sem nenhuma exceção, os ramsters, os macacos, os cachorros e os gatos que não fazem cocô no chão, todos entendem alemão, eu não.
nas ruas de berlin os homens andam com garrafas, os cachorros sem coleiras.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

mon amour, me diga o que eu não entendo, o que está para além da minha compreensão, da compressão, me fala mais, canta pra mim, me penetra com teu som estranho, com tua lírica entrecortada, sona teu sentido que me chega em fatias, geme, me embala nesse cântico de turbinas, me faz dormir, me chama, mein Mädchen, meine Liebe, mon amour, depois me chama, rediga tudo desde o princípio das eras, jusqu'à luz du jour, reza tua língua no meu mamilo pequeno, ora lá a tua oração bem baixinho, sopra quente e leve, quentinho, eu gozo com você essa religião, conversa com meu pescoço, meu corpo se desmancha na tua língua sem sotaque, ele fala contigo.
adoro berlin. as gargalhadas ecoam na estação. as crianças se penduram nas janelas dos ônibus. em resposta, as mães fazem cara de bexiga. os pais olham a paisagem. as meninas têm os cabelos vermelhos. as bicicletas, pintadas de cor-de-rosa. e as meninas andam de bicicleta. levam-nas dentro do ônibus e das estações, em meio às gargalhadas e às crianças e ao pais das crianças. as moças descomportadas se olham com delicadeza. não se pede pardon por qualquer encosto. as cabeças dxs jovens são suporte para esculturas imprevisíveis. hoje fez sol.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

quero teu florido

de árvore alemã

onde meu foco

vira garrancho

e canção.
o thiago de mello diz, no artigo sexto do "estatuto do homem", que a maior dor é não poder dar amor a quem se ama. e quando o amor é demais que ameaça estourar o peito da gente ? ele vem e nos dita a sentença: esta dor de fazer latejar ou explode coração. [pra parar de te machucar].
aprender o francês correto, falar sem sotaque, não andar de all star e sem meia sobre o gelo, não chocar a cultura local nem a dominante global, respeitar esta nação que me recolhe, ir bem na faculdade, mostrar todo o potencial do terceiro mundo em 10 páginas de espaçamento simples, times new roman ou o tempo dos gregos, dos novos latinos, dos novos baianos, mas não, sobretudo nunca falar em terceiro mundo, jamais expor o racismo a ser engolido, obedecer a regras cegamente, como se espera que se faça especialmente em seu próprio país, porém não esquecer de, antes de mais nada, esquecer o seu país, que nunca lhe pertenceu, e tratar logo de perder esse accent, d'effacer essa sonoridade étrange et étrangère do seu vocabulário e, à propos, escrever um novo dicionário com estas páginas em branco da sua cabeça, sempre vazia e tão cheia de idéias inoportunas, ne plus rappeler ce qui tu croyas que tu étais, tout oublier, bien parler, bien vivre, bref, bien-être ailleurs, voilà. das ist alles.
“Meu pai me inicia na infância. Ele me cria como um menino. Seu orgulho. A graça de uma menina. A agilidade de um menino. Eu tenho sua vontade, ele diz. Ele me ensina o fute, o vôlei, o crawl. Ele me ensina a mergulhar nos rochedos morenos e brilhantes. Como os bandidos.
Ele transmite sua força. Ele me ensina a me defender no país dos homens. Correr. Saltar. Se salvar. Ele desvia minha fragilidade. Ele me chama de Brio. Eu ainda ignoro por que. Eu amo este prenome. (...) Os homens da praça de Hydra. Suas mãos nos meus cabelos. O filho ou a filha de Rachid?
(...)
Uma mulher sobe a falésia. Ela não é argelina. Ela não é francesa. É uma boa nadadora, dizem. Ela não mergulha, ela dá. Seu corpo. Sua impulsão. Sua flexão. Seus ombros fortes. Paola. Seu filho chama. Pelo seu nome. Paola. Seu marido que procura. Ela retorna, rápido. Encostada no muro. Um animal. Ela espera sua vez. Ela está perto de mim. Ela diz. Você é bonito. Eu não respondo. Eu mergulho. Eu escondo meu rosto. Eu mergulho. Com vergonha. Eu não subo de volta. Eu detesto o mar. Eu desteto os mergulhadores. Eu detesto a França. Eu detesto a Argélia. Você é bonito. Amine desmente. Amine me protege. É Nina. É uma menina. Amine se defende. Ela não amaria assim um menino. Ele ama esta menina. Esta falsa menina. É a sua loucura. Para este macaco. Para este travesti. Paola. Você é ainda mais bela se você é uma menina. Eu não respondo. Eu não sei. Eu não me sei.
Paola. Suas pernas. Seu cigarro. Seus lábios que fumam. Sua voz que pronuncia. Paola. Seu ventre. Sua pele. Ela fica sobre o rochedo. Ela me olha. É uma adoção. Sua voz e seus mergulhos. Suas mãos nodosas. Mãos de mulher. Sua fumaça no meu rosto. Este cheiro com o cheiro do sal. Minha vergonha é um silêncio infinito. Minha vergonha fecha minha vida.
O mar toma tudo. Eu o olho. Com todas as minhas forças. O mar se retira. Eu o retenho só pelo meu corpo, que não se vira jamais completamente sobre o corpo de Paola. Eu fico em equilíbrio. Eu fico em desequilíbrio. Paola. Eu rezo a noite. Eu rezo o céu. Eu rezo Amine. Paola. Por muito tempo eu escutarei sua voz.
(...)
Você tem os cabelos longos, negros e afivelados. Você chora por nada. Você geme. Você é chamado de fonte. Você tem crises de nervos. Eu te subo à cabeça. Tua pele é tão branca, tão fina. Você envelhece sob a pele de uma menina. Eu te ensino as forças do corpo. Eu te amo como um homem. Te amo como se você fosse uma menina. Você funda a mentira de toda minha vida. O mundo inteiro se confunde em mim. Sou eu que é preciso salvar de você, Amine. Sou eu que estou em perigo. É de mim que é preciso cuidar, sou eu a ser curada. Tomada em conta»
(Nina BOURAOUI, Garçon manqué, p. 24; 36; 62, l. tr.).

segunda-feira, 28 de março de 2011

diante dos fatos constatados no cotidiano, uma conclusão se impõe: os passarinhos da place de la republique tão com diarréia.

quarta-feira, 23 de março de 2011

"Ao acaso de uma explicação, escrever é o ùltimo recurso depois de trair" genet.

domingo, 13 de março de 2011

Le bain turc, Ingres, 1862

O banho turco foi um quadro considerado obsceno na sua época por representar a cena de mulheres nuas de um harém. Amado por alguns colecionadores particulares, ele foi considerado vulgar por muitas pessoas publicamente. O Museu do Louvre, por exemplo, negou-se a aceità-lo em sua coleção permanente por 2 vezes. A tela veio a ser fonte de inspiraçao para muitos artistas contemporâneos, como Anton Solomoukha...

O banho turco de Ingres foi terminado um ano antes de um outro quadro tido por escandaloso, o Almoço na mata, de Manet, igual fonte de inspiração para inumeros pintores posteriores, como Monet, que em 1865 fez uma tela impressionista com o mesmo nome e tema, Picasso, que cem anos depois dedicou cerca de 160 trabalhos ao tema, entre outros. Essa tela, produzida muitos anos depois da visita de Manet ao Brasil, marca uma certa aproximaçao do pintor com o impressionismo.
Le déjeuner sur l'herbe, Manet, 1863

Emile Zola afirmou se tratar da mais importante obra de Manet, nela vendo elementos do naturalismo que o escritor defendia enquanto projeto no campo das artes em geral, mas sobretudo na literatura :

« Le Déjeuner sur l'herbe é a mais grande tela de Édouard Manet, aquela onde ele realizou o sonho de todos os pintores: colocar figuras de grandeza natural em uma paisagem. Sabe-se com que potência ele venceu esta dificuldade. Ha algumas folhagens, alguns troncos de àrvores e, no fundo, um riacho em que se banha uma mulher com camisa; sobre o primeiro plano dois jovens sentado em face de uma segunda mulher que acaba de sair d'àgua e que seca sua pele ao ar livre. Esta mulher nua escandalizou o publico, que so conseguiu ver a ela na tela. Bom Deus ! que indecência : uma mulher sem o menor véu entre dois homens vestidos ! Isso nao foi jamais visto. E esta crença foi um erro grosseiro, pois hà no museu do Louvre mais de cinquenta quadros em que se encontram misturados personagens vestidos e desnudos. Mas ninguém procura se escandalizar no museu do Louvre. (...) Os pintores, sobretudo Édouard Manet, que é um pintor analista, nao tem esta preocupaçao do sujeito, que atormenta a massa antes de tudo; o sujeito para eles é um pretexto a pintar enquanto para a massa so existe o sujeito. (...) O que é preciso ver no quadro nao é um almoço na floresta, é a paisagem inteira, com seus vigores e finezas, com seus primeiros planos tao largos, tao solidos, e seus fundos de uma delicadeza tao leve; é esta carne firme modelada em grandes àreas de luz, estes tecidos delicados e fortes, e sobretudo esta deliciosa silhueta de mulher com camisa que faz no fundo uma adoravel mancha branca no meio das folhas verdes, é enfim este conjunto vasto, cheio de ar, este canto da natureza entregue com uma simplicidade tao justa, toda esta pagina admiravel na qual um artista colocou todos os elementos particulares e raros que se encontravam nele» — Émile Zola, Édouard Manet, 1867 (l.trad.).

peguei quase todas essas infos da wikipedia francesa, diz ai se é verdade.

terça-feira, 8 de março de 2011

o homem de sua vida é o cara que a aceite lésbica como ela é.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

começou com o livro do didier eribon. as palavras se descolavam da pagina com alguma resistência mas o campo da retina atraia fatalmente seus corpos frageis, estampas negras vazadas de brancos espaços. primeiro o olho esquerdo, depois ambos tremeram de atençao. uma tremidinha de nada, bem discreta, como acontece as vezes com um musculo da coxa tensionado. e quanto mais cuidado, mais as palavras vinham com sentido, potes carregados de sentidos caindo pelas bordas... transpassando os limites dos cilios, chegando molhados na boca. meus olhos absorviam quanto podiam com entusiasmo e movimento. em pouco tempo os conhecidos passaram a rir com graça do meu tic e nao tardou para que os desconhecidos rissem com maldade, apos olhares indiretos, curiosos e estupefatos. dali uns dias a tremedeira se tornara intermitente, dominara minha cabeça e eu saia pelos boulevards parisienses dançando ritmos africanos jamais vistos ao som da passagem dos onibus.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

revoluçao silenciada ? a noticia que nao chegou aqui



Parece que a falência do banco Icesave resultou numa divida de 3,5 milhões de euros da ISlândia, devidos aos Paises Baixos e ao Reino Unido. O pagamento desse valor, aprovado pelo Legislativo, levaria cada pessoa a saldar aproximadamente 100 euros por mês durante 8 anos. O presidente se negou a assinar o projeto de lei e propõs um referendo sobre essa crise financeira. e politica Cansado da politica elitista da direita, bem como da complacência da esquerda levada ao governo pelo povo em 2009, 93% do povo islandês votou contra o reembolso dos bancos que provocaram e sofreram os embates mundiais por conta de ambições desmesuradas, do direcionamento liberal dos Estados e, no fim das contas, da logica mesma do sistema capitalista.

Começou-se, entao, o processo para compor uma Assembléia Constituinte, podendo-se candidatar qualquer cidadã/o, desde que nao fosse um politico anteriormente eleito, que tivesse 18 anos completos e que contasse com o apoio de ao menos 30 pessoas. Foram inscritas 522 pessoas. A Assembléia foi eleita no dia 27 de novembro de 2010, formada por 25 pessoas do povo. O que se anuncia é uma politica de nacionalizaçao dos recursos e do sistema financeiro. Mas por conta dos interesses coronelistas da midia, nao temos informações detalhadas do que se passa ali ao lado. Porque a globalização so existe quando convém...

Fonte: cadtm.org


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

“Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, o resto vem depois. Isto são as apostas (jeux); é preciso antes uma resposta. E se é verdade, como o quer Nietzsche, que um filósofo, para ser estimável, deve rezar o exemplo, compreende-se a importância dessa resposta, pois ela precede o gesto definitivo. Aí estão as evidências sensíveis ao coração, mas que é preciso aprofundar para torná-las claras ao espírito”
(Albert Camus, Le mythe de Sisyphe: essai sur l’absurde, Paris: Gallimard, 1942, p. 17).
“(...)
KALIAYEV: É grave. Mas era preciso.
FOKA : Por que? Você vivia na corte? Uma história com mulher, não? Bem feito como você é...
KALIAYEV : Eu sou socialista.
O CARCEREIRO : [Falem] Menos alto.
KALIAYEV, mais alto: Eu sou socialista revolucionário.
FOKA : Eis aí uma história. E que que você tinha que ser como você diz que é? Você tinha era que ficar tranquilo e tudo iria melhor. A terra é feita para os Barines.
KALIAYEV: Não, ela é feita para você. Há miséria demais e crimes demais. Quando houver menos miséria haverá menos crimes. Se a terra fosse livre você não estaria aqui.
FOKA : Sim e não. Enfim, livre ou não, nunca é bom beber um gole além do limite.
KALIAYEV : Não é jamais bom. Somente se bebe porque se é humilhado*. Chegará um tempo onde não será mais útil beber, onde ninguém terá mais vergonha, nem Barine, nem pobre diabo. Nós seremos todos irmãos e a justiça fará nossos corações transparentes. Você sabe do que falo?
FOKA : Sim, é o reino de Deus.
O CARCEREIRO : Menos alto.
KALIAYEV : Não é preciso dizer isso, irmão. Deus não pode nada. A justiça é nossa incumbência (um silêncio). Você não entende? Você conhece a lenda do santo Dmitri?
FOKA : Não.
KALIAYEV : Ele tinha um encontro com Deus na estepe, e ele se apressava quando encontrou um camponês cujo veículo estava atolado. Então santo Dmitri o ajudou. A lama estava espessa, o lamaçal profundo. Foi preciso batalhar durante uma hora. Quando isso acabou, santo Dmitri correu para o encontro. Mas Deus não estava mais lá.
FOKA : E daí?
KALIAYEV : E daí que há aqueles que sempre chegarão atrasados aos encontros porque há veículos demais atolados, e irmãos demais a socorrer.
Foka recua.
KALIAYEV :O que ele tem?
O CARCEREIRO : Menos alto. E você, velho, apresse-se.
FOKA : Estou desconfiado. Nada disso é normal. Não se costuma vir parar na prisão por conta dessas histórias de santo e de charrete. E depois tem outra coisa.
O carcereiro ri.
KALIAYEV, o olhando : O que é?
FOKA : O que se faz com aqueles que matam o grande-duque?
KALIAYEV : Enforca-os.
FOKA : Ah! (e ele vai indo embora, enquanto o carcereiro ri mais forte).
KALIAYEV : Fique. O que eu lhe fiz?
FOKA : Você não me fez nada. No entanto, você é tão Barine, não quero te enganar. A gente conversa, passa o tempo assim, mas se você deve ser enforcado isso não é bom.
KALIAYEV : Por que?
O CARCEREIRO, rindo : Vai, velho, fala...
FOKA : Porque você não pode me falar como um irmão. Sou eu que enforco os condenados.
KALIAYEV : Você não é prisioneiro também?
FOKA : Justamente. Eles me propuseram de fazer este trabalho e, para cada pendurado eles me retiram um ano de prisão. É um bom negócio.
KALIAYEV : Para perdoar seus crimes, eles te fazem cometer outros?
FOKA : Oh, estes não são crimes, porque são mandados. E depois, para eles dá na mesma. Se você quer saber minha opinião, eles não são cristãos”.

(Albert CAMUS, Les justes, France : Gallimard, 1950, p. 101-105).

* Estou ciente de que em Maringá isso geraria muitas controvérsias (regadas à mardita).

na defesa IV

Essa müsica do Bezerra da Silva é interessante porque nela ele conta um episödio que ocorreu: a tentativa de censura do lançamento de um disco, por conta das letras de seus sambas, muitos das quais, com um caräter notavelmente jurïdico. No samba que segue, ele faz uma auto-defesa das suas defesas...

JUSTICA SOCIAL
Bezerra da Silva

Quase prendem meu disco houve um disse-me-disse
Pintaram o diabo, só porque em outro samba
Eu pedi para um homem não ser condenado
Fala mais alto a justiça lá do céu
Que atire a primeira pedra aquele que nunca foi réu
Fala mais alto a justiça lá do céu
Que atire a primeira pedra aquele que nunca foi réu

Eu sei que errar é humano
Na vida é comum tem a primeira vez
Mas vale é ser consciente pois muito inocente
Já pagou por aquilo que não fez
É que a balança da justiça social
Só pesa pra lei escrita isto não está legal
É que a balança da justiça social
Só pesa pra lei escrita isto não está legal

Quase prendem meu disco houve um disse me disse...

Meus versos sem ser intelecto
Busca o mais certo para o bom viver
Eu sou o "Joio" e o "trigo" a mistura de amigos
Razão do meu ser
Eu sou a parte de quem foi e de quem fica
Sou elo da sociedade que o meu nome identifica

Falto a jutiça lá do céu
Que atire a primeira pedra aquele que nunca foi réu

na defesa III

Dessa vez, Bezerra da Silva critica o direito, porque este se exerce seletivamente, voltando-se contra pobres e negrxs. Segundo o sambista, a lei "protege o golpista": ela é "implacàvel" para os os "favelados", mas deixa livre o ladräo que mais rouba, o homem do "colarinho branco" que furta o equivalente ao ouro da Serra Pelada inteira. A irracionalidade da pràtica do direito so pode ser fruto da discriminaçào, é preconceito de cor.

PRECONCEITO DE COR
Bezerra da Silva

Eu assino embaixo doutor por minha rapaziada
Somos criolos do morro mas ninguém roubou nada
Isso é preconceito de cor vou provar ao senhor
Porque é que o doutor não prende aquele careta
Que só faz mutreta e só anda de terno
Porém o seu nome não vai pró caderno
Ele anda na rua de pomba rôlo
A lei só é implacável para nós favelados
E protege o golpista , ele tinha de ser
O primeiro da lista
Se liga nessa doutor ih
É vê se dá um refresco isso não é pretexto
Pra mostrar serviço
Eu assumo o compromisso
Pago até a fiança da rapaziada
Porque que é que ninguém mete o grampo
Num pulso daquele de colarinho branco
Roubou jóia e o ouro da serra pelada

domingo, 30 de janeiro de 2011

na defesa II



Nesse samba, Bezerra da Silva alega que não pode haver flagrante sem provas de fato. Ele tem razão, se considerarmos a modalidade mais estrita de flagrante. No entanto, isso é dito de modo bem particular: "Não tem flagrante porque a fumaça já subiu pra cuca"...rs Confere aí:

A fumaça ja subiu pra cuca(Bezerra da Silva)

Não tem flagrante porque a fumaça já subiu pra cuca diz aí
Não tem flagrante porque a fumaça já subiu pra cuca
Deixando os tiras na maior sinuca
E a malandragem sem nada entender
Os federais queriam o bagulho e sentou a mamona na rapaziada
Só porque o safado de antena ligada ligou 190 para aparecer

Já era amizade
Quem apertou, queimou já está feito
Se não tiver a prova do flagrante
nos autos do inquérito fica sem efeito diga lá

Olha aí, quem pergunta quer sempre a resposta
E quem tem boca responde o que quer
Não é só pau e folha que solta fumaça
Nariz de malandro não é chaminé
Tem nego que dança até de careta
Porque fica marcando bobeira

Quando a malandragem é perfeita ela queima o bagulho e sacode poeira
Se quiser me levar eu vou, nesse flagrante forjado eu vou
Mas na frente do homem da capa preta é que a gente vai saber quem foi que errou
Se quiser me levar eu vou, nesse flagrante forjado eu vou
Mas na frente do homem que bate o martelo é que a gente vai saber quem foi que errou.

Já era amizade
Quem apertou, queimou já está feito
Se não tiver a prova do flagrante
nos autos do inquérito fica sem efeito

na defesa I

Vou publicar uns sambas que contëm teses juridicas de defesa. Pra começar, o advogado do morro diplomado no samba, Bezerra da Silva, conta a história de um vizinho injustamente acusado de plantar uma erva ilícita no seu quintal. Sua defesa se baseia em desconhecimento - não do direito, como poderiam logo imaginar xs juristas (sabe-se que o desconhecimento do direito pode, no máximo amenizar a pena), mas de fato. Ele alega, em suma, que como ele não é agricultor, não poderia saber que planta era aquela...

SEMENTE
Bezerra da Silva

Meu vizinho jogou
Uma semente no seu quintal
De repente brotou
Um tremendo matagal (Meu vizinho jogou...)

Quando alguém lhe perguntava
Que mato é esse que eu nunca vi?
Ele só respondia: "Não sei,
não conheço isso nasceu ai".

Mas foi pintando sujeira
O patamo tava sempre na jogada
Porque o cheiro era bom
E ali sempre estava uma rapaziada

Os homens desconfiaram
Ao ver todo dia uma aglomeração
E deram o bote perfeito
E levaram todos eles para averiguação (e daí...)

Na hora do sapeca-ia-ia o safado gritou:
"Não precisa me bater, que eu dou de bandeja tudo pro senhor
Olha aí eu conheço aquele mato, chefia
E também sei quem plantou".

Quando os federais grampearam,
E levaram o vizinho inocente,
Na delegacia ele disse: "Doutor,
não sou agricultor, desconheço a semente"

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

é foda sò se sentir o povo quando a gente atravessa junto o boulevard st. michel dentro da faixa ao sinal da cor do semàforo.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

11 de dezembro de 2010
Samuel está morto

Uma amiga me mandou a mensagem por email. Eu já devia estar sabendo do acontecido, ela me encaminhava uma notícia de jornal e a declaração de um professor da FFLCH, expressando sua indignação e fazendo um chamado para uma manifestação pública. Fiquei sabendo naquele instante, sem saber ao certo o que. A causa da morte daquele Samuel ainda era desconhecida. Nada queria me explicar. Ninguém podia me dizer. Minha única certeza era de que não poderia ser meu amigo Samuel “Zabumba”, que eu conheci num curso sobre Rousseau. Lembro-me bem que nós três (ele, esta amiga e eu) discutimos o texto, contamos um pouco de nós, nos apresentamos juntos em aula. Em outro dia ele me contou que fazia um tempo parara com as drogas, “as pesadas e as leves”. Já tinha escapado de meia dúzia de infartos e comas. Depois, foram mais papos, cafés, pães, lanches, encontros no RU, na faculdade, no CRUSP. Mais e mais. Zabumba sonora, zabumba querida.
Um dia antes da minha viagem de estudos para ficar um ano em Paris, depois de tê-lo procurado no seu apartamento na USP, já indo embora tarde da noite, deparei-me com ele fumando no saguão vazio. Reconheci-o pelo brilho do cigarro e pelo seu jeito mal encostado na pilastra. “Que bom te encontrar, eu queria me despedir”. E eu também queria. Recomendou-me uma imersão radical na cultura francesa, “nada de ficar tomando caipirinha, comendo feijoada e ouvindo samba. Isso você já conhece”. Perguntei o que ele faria no ano que vem, além do mestrado com a Scarlett – e ele observava, se ela ainda o aceitasse – porque isso eu já sabia, ele não se cansava de me lembrar. Parecia seu único plano, estudar o conceito de ‘vida’ em Nietzsche, primeiro em um só livro; no doutorado, tendo em conta toda a obra. Bem, nada além do mestrado. A ‘vida’ era o plano da sua vida agora. Não, só plano não, sonho. E ninguém naquele saguão tinha dúvidas da importância disso. Tampouco que ele conseguiria. Após o longo abraço, fui embora.
Há uma semana, mandou-me um email, o mais longo e bonito que já recebi. Não teria condições de precisar o que ele dizia. É suficiente assinalar que ele reafirmava da forma mais comovente a sua vontade de viver e um amor absoluto pela filosofia, a ponto de enfatizar que gostaria que seus trabalhos de pós fossem as marcas de uma existência “que valeu a pena”. Não era um recado arrependido, um ‘mea culpa’. No entanto, só quando terminadas as pesquisas de mestrado e doutorado poderia ele morrer sem tristeza. Ele se preparava em todos os sentidos possíveis para a sua empreitada. Mudou sua alimentação, fazia exercícios, não saía mais para festas, lia regularmente e ouvia música para relaxar. Ele me descreveu tudo em detalhes.
Contra mim, reconheci-o no texto jornalístico que parecia falar de um estranho. Reconheci-o não por ele ser apenas mais um “homem, preto, pobre” a que parecia reduzido. Um Samuel sem dinheiro (morador do CRUSP, estudante de filosofia), cuja família era sem recursos, provinha do Ceará (da zabumba), um Samuel sem mulher e sem filhos. Reconheci-o no meio desse sem-tudo de dados disseminados em letras e lógicas negativas, que só sabiam afirmar o que ele não era e o que ele não tinha, quando percebi, olhando para mim, que algo incontornável se apresentava e que, entre um segundo e outro, um grito, um choro, o corpo amortecido, um esquecimento, uma lembrança. Por meio dessa notícia de jornal eu soube pela primeira vez seu nome completo e sua idade. Samuel de Souza, 42 anos. Coisas que não fazem a menor diferença. Que nunca nos incomodaram.
Ao email que me enviara eu havia dito que não teria coragem de responder nada corrido; pedia que ele aguardasse que lhe encaminhasse uma mensagem mais decente, escrita sem pressa. Que eu não poderei nunca mais enviar. Tudo o que eu não gostaria era ter entendido agora a nossa maior discussão, o que ele queria dizer quando me ensinava, entre um gole de café e outro, com o olhar firme e tranqüilo atrás dos óculos redondos, apontando a extrema radicalidade do pensamento de Nietzsche, que Deus não existir simplesmente não se compara a afirmar que ele está morto.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011




Tem francesa no morro
(Assis Valente)

Donê muá si vu plé lonér de dancê aveque muá
Dance Ioiô
Dance Iaiá

Si vu frequenté macumbe entrê na virada e fini pour sambá
Dance Ioiô
Dance Iaiá

Vian
Petite francesa
Dancê le classique
Em cime de mesa

Quand la dance comece on dance ici on dance aculá
Dance Ioiô
Dance Iaiá

Si vu nê vê pá dancê, pardon mon cherri, adie, je me vá
Dance Ioiô
Dance Iaiá